Crise dos mercados financeiros: vem aí o grande crash?
por Michael R. Krätke
[*]
Raras vezes terá sido tão repetidamente anunciado aquilo que
agora está finalmente a acontecer. Há meses que os augures
profetizam a grande queda, a próxima crise económica mundial. A
recordação da crise nos mercados de valores que em Outubro de
2000 forçou a New Economy a uma aterragem de emergência das suas
enormes altitudes de voo, destruindo num abrir e fechar de olhos milhões
e milhões de capital fictício, ainda não se manifestou.
Todos sabem ou intuem que o boom das borbulhas especulativas recebe
estímulos deliberados. O que os governantes aplaudem é um auge
que não só é fundamentado no viver do fiado como tem base
especulativa. Na última vez, a borbulha ia junto com uma onda de
inovações na tecnologia da comunicação e da
informação; desta vez não. A actual conjuntura repousa
sobre a especulação com preços imobiliários, com
preços de matérias-primas e com derivados financeiros.
Em Fevereiro/Março, e a seguir novamente em Maio, houve os primeiros
anúncios do dilema que se foi abrindo caminho. Duas vezes afundaram
espectacularmente as bolsas da Ásia, mas as turbulências pareceram
desfazer-se rapidamente. A partir de fins de Julho vê-se tudo de uma
maneira muito diferente: esta vez explodiu uma gigantesca borbulha
especulativa imobiliária, a crise hipotecária dos EUA
avança sobre os bancos e os mercados financeiros na Europa e na
Ásia, o comércio global com dívidas e créditos,
inflamado pelo incremento explosivo do comércio com derivados
financeiros, fez da especulação imobiliária um
negócio internacional. Bancos e fundos de investimento de todo o mundo
entram energicamente com a cabeça nas nuvens, ignorando a que riscos se
expõem. O que há muito se temia verificou-se: muitos,
muitíssimos hedge funds envolveram-se lindamente na
especulação. E eis que assistimos à mais bela crise do
mercado de crédito e monetário.
Quando hedge funds multimilionários entram em bancarrota, os bancos, as
seguradores e os fundos de investimento são os tolos que os financiaram.
Nos EUA, a famosa Universidade de Harvard perdeu de um dia para outro 700
milhões de dólares num "investimento em dinheiro" desse
tipo. Muitos bancos hipotecários norte-americanos estão na
bancarrota e seus credores europeus, como o Deutsche Bank, o Commerzbank, p
francês BNP Parisbas ou o belga Fortis, tem que contar as perdas em
centenas de milhares de euros. Alguns grandes bancos europeus preparam-se para
encerrar, devido às perdas maciças, os seus hedge funds.
Milhares de milhões desvanecem-se no ar. O Banco Postal alemão,
por exemplo, assim como o Westdeutsche Landesbank e o Sächsische
Landesbank; um banco de média dimensão como o IKB alemão,
puseram em jogo milhares de milhões perdendo-os. À
bancarrota dos fundos segue-se a fuga dos investidores: o pânico entra
em cena e leva a uma aterragem das cotações à escala
planetária. Todos os índices dos grandes mercados de valores
Dow Jones, Nasdaq, Standard&Poor's, DAX, Nikkei, etc registaram
grandes perdas: muitos, de mais de 3% por dia.
As perdas multimilionárias de bancos e fundos de investimentos e a fuga
em massa dos investidores trouxeram consigo uma crise creditícia
clássica. Os bancos, que semanas após semana tinham que
refinanciar créditos multimilionários, de repente têm
dificuldades para obter créditos e operar no mercado; o mercado
monetário aperta. Como sempre, quando há ameaça de um
colapso dos mercados financeiros, os governos preparam-se para intervir. Um
banco pequeno como o IKB pôde ser salvo do abismo com uma
acção rápida e concertada. Mas uma crise do mercado de
crédito, que se propaga para além do mundo dos mercados
financeiros, precisa de protecção mais severa. O que tarda em
ocorrer. Pela primeira vez desde Setembro de 2001 o Banco Central Europeu
interveio maciçamente, injectando em poucos dias mais de 200 mil
milhões de euros no mercado monetário.
O medo do grande crash é mais forte do que o oficialmente cultivado
temor à inflação. Os bancos centrais dos EUA,
Austrália, Japão, Suíça, Canadá e outros
países ocidentais importantes reagiram da mesma maneira e em poucos dias
puseram em circulação uns 500 mil milhões de euros.
Entretanto, os economistas tranquilizam-se com a conclusão mais
apressada: o pior já passou, a crise hipotecária tem efeitos
saneadores; a economia mundial vai bem. Mas não experimentámos
senão o estalido de uma borbulha especulativa que ainda vai mais de 10
mil milhões de dólares, para não falar das restantes
borbulhas especulativas que se formaram no último período.
O acto seguinte no drama pela nova repartição do mundo entre os
países capitalistas será com certeza representado, mas o
intermezzo entre a actual crise do mercado monetário e a crise que vem
aí do comércio mundial ainda pode durar semanas ou meses.
Contudo, todos os "dados fundamentais" da economia mundial apontam
para super-capacidades e super-produção.
19/Agosto/2007
[*]
Estudou economia e ciência política em Berlim e Paris.
Actualmente é professor em várias universidades alemãs e
no estrangeiro, desde 1981 principalmente em Amsterdam. Co-editor da revista
alemã SPW (Revista de política socialista e economia) e da nova
edição crítica das Obras Completas de Marx e Engels
(Marx-Engels Gesamtausgabe, nova MEGA). Investigador associado do Instituto
Internacional de História Social, em Amsterdam. Autor de numerosos
livros sobre economia política internacional.
O original encontra-se em
http://www.sinpermiso.info/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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