A pirâmide dos US$ 4,7 milhões de milhões:
a Segurança Social dos EUA & a Wall Street
Eles queriam alguma coisa por nada. Eu lhes dei nada por alguma coisa.
-- J.R. "Yellow Kid" Weil
A Segurança Social, outrora o "terceiro trilho" da
política americana, foi agora pisoteada por George W. Bush de uma forma
particularmente dramática. Uma vez que a manobra é tanto
estúpida como desnecessária, devemos perguntar o porquê.
Apesar de tudo, as alegadas deficiências do programa, se existem,
não se manifestarão pelo menos até o ano 2018. Isto
não é exactamente a mesma coisa como preocuparmo-nos acerca do
colapso final do Sol num buraco negro, mas para a maior parte dos
políticos um problema que está situado a treze anos no futuro
é praticamente a mesma coisa. Evidentemente, tudo isto não
é o que parece.
O próprio Bush apresenta duas razões para este atrevimento. A
primeira que a Segurança Social está "em crise"
é facilmente descartada. Os actuários do governo,
secundados por economistas de todo o espectro político, insistem em que
não há problema de financiamento. A Administração
da Segurança Social tomará mais dinheiro do que pagará nos
próximos 13 anos; ela construiu uma reserva de US$ 1,8 milhão de
milhões
(trillion)
em títulos do Tesouro que pagam juros durante o número de anos
necessário, e qualquer défice posterior pode ser coberto
facilmente até mesmo por uma reversão parcial das recentes
isenções fiscais para os ricos.
O segundo argumento de Bush parece mais prometedor. Se o povo americano
simplesmente vier a seguir o seu plano, diz ele, ele também se
tornará rico.
[1]
Do modo como o sistema agora funciona, o governo retira 12,4 por cento do seu
cheque de pagamento, até US$ 90.000 de rendimento anual. Em retorno,
ele promete proporcionar-lhe um pagamento mensal uma pensão
desde o momento em que atingir 62 anos até o de morrer. A partir
destes escritos, a alternativa da administração permanece algo
nebulosa, mas o que é claro em todas as variações
apresentadas até aqui é que você será capaz de por
alguma parte do seu cheque de pagamento no mercado de acções.
Bush chama a estas compras de acções "contas de
poupança pessoal".
O ÚNICO MEIO DE O MERCADO DE ACÇÕES PODER CRESCER É
SE NÓS O POVO PUSERMOS UM BOCADO MAIS DO NOSSO DINHEIRO DENTRO DELE
O vice-presidente Dick Cheney descreveu os benefícios destas contas de
poupança pessoal em Janeiro de 2005. O seu exemplo era o de uma mulher
jovem que depositava US$ 1000 todos os anos durante 40 anos. A
Administração da Segurança Social actualmente aplica o seu
dinheiro em Títulos do Tesouro, os quais apresentam um retorno em torno
dos 2 por cento, de modo que em 40 anos aquele investimento teria retornado
cerca de US$ 61.000. Não é tão mau. "Mas se ela
investiu o dinheiro no mercado de acções", disse Cheney,
"ganhando mesmo a sua mais baixa taxa de retorno histórica, ela
ganharia mais do que o dobro daquela quantia US$ 160.000. Se o ganho
individual rondasse a média histórica da taxa de retorno do
mercado de acções, ela teria mais de US$ 225.000 ou
aproximadamente quatro vezes a quantia que seria esperada da Segurança
Social".
[2]
Há aqui um bocado de matemática. O ponto principal de Cheney
é que uma avaliação optimista do mercado de
acções cerca de 7,5 por cento ao ano durante 40 anos, pelo
seu cálculo excederia facilmente os 2 por cento oferecidos pelos
Títulos do Tesouro.
Não se pode discutir que US$ 225.000 é mais do que US$ 61.000.
Por outro lado, não é como se você obtivesse uma soma total
(lump sum)
da Administração da Segurança Social quando se
aposentasse. A mulher mencionada por Cheney podia acabar por tomar muito mais
do que os US$ 61.000 se vivesse bastante tempo. (O pagamento anual
médio para aposentados está hoje em torno dos US$ 11.000). Ou
ela poderia morrer no seu sexagésimo segundo aniversário. Como
qualquer outro investimento ou qualquer outra forma de seguros, pois
nisto a Segurança Social tem algo de jogo. Mas, por outro lado, assim
é o mercado de acções. Entretanto, segundo a estimativa
de Cheney, o mercado de acções de hoje é uma aposta muito
melhor. "Ao longo do tempo", concluiu ele, "os mercados de
valores
(securities markets)
são o melhor e mais seguro meio de acumular poupanças pessoais
consideráveis".
Este é o argumento, seja como for. O mercado de acções
é a principal oportunidade da América, e Bush quer levar todos
nós à acção. A única marca segura de uma
objecção, no entanto, é a promessa de dinheiro gratuito.
De facto, o único modo de o mercado de acções poder
crescer é se nós o povo colocarmos mais do nosso dinheiro dentro
dele. O que Bush procura fabricar é um
boom
ou, mais precisamente, uma bolha financiada pela última
acumulação
(pile)
segura de dinheiro na América de hoje. O seu plano é um esquema
Ponzi
[NT1]
, e neste esquema é a Segurança Social que está a ser
jogada como último recurso.
As poupanças de reformas são de longe a mais importante fonte de
dinheiro na Wall Street. O Federal Reserve Board relata que as contas privadas
e públicas de reformas, não incluindo a Segurança Social,
tinham activos de US$ 10 milhões de milhões no fim de 2003.
Aproximadamente a metade disto, US$ 4,7 milhões de milhões, era
mantido em acções. Para fins de comparação, o
valor total de todas as acções internas listadas no NASDAQ, no
American Stock Exchange, e no New York Stock Exchange no fim de 2003 montavam a
cerca de US$ 14,2 milhões de milhões.
No passado, pouco dólares de reformas dirigiram-se para Wall Street. O
IRAs e o 401(k) ainda não haviam sido inventados, e poucas companhias
ofereciam planos de pensão privada de qualquer espécie. Em 1950,
a General Motors então, como agora, dos maiores empregadores da
terra começou a mudar isto com uma nova forma de
compensação. A companhia retiraria dinheiro dos cheques de
pagamento, tal como a Administração da Segurança Social
estava a fazer, e acrescentaria dinheiro do seu próprio para construir
uma reserva destinada a pagar aposentados durante muitas décadas no
futuro. Chamado geralmente como um plano de "benefício
definido", o esquema garantia aos aposentados um (definido) pagamento
mensal específico até que morressem.
Outros gigantes da indústria americana logo a seguiram, e os fundos
cresceram rapidamente. Na maior parte deles, pelo menos metade do dinheiro era
colocado no mercado de acções. Os trabalhadores então
ganhariam, pelo menos em teoria, um interesse na prosperidade da sua companhia,
promovendo lealdade à administração e ao mesmo tempo
proporcionando às companhias uma fonte cativa de crédito a
sua própria força de trabalho.
AS COMPANHIAS SIMPLESMENTE NÃO TÊM ESTADO A POR DE LADO DINHEIRO
SUFICIENTE PARA PAGAR AOS APOSENTADOS O QUE ELES DEVEM RECEBER
Peter Drucker, o filósofo da administração, chamou a este
processo "socialismo fundo de pensão" e louvou-o como o mais
positivo desenvolvimento social do século XX, porque pelo menos fundiria
os interesses do trabalho e do capital. Louis O. Kelso e Mortimer J. Adler
escreveram mesmo um livro chamado
The Capitalist Manifesto
a anunciar que uma nova época de harmonia entre trabalhadores e
proprietários estava próxima, porque dentro em breve todos os
trabalhadores seriam proprietários.
Isto não resultou assim. Muitas companhias utilizaram reservas de
aposentadorias para comprar suas próprias acções, elevando
o seu preço e permitindo-lhes capturar
(take over)
outros firmas em termos favoráveis, especialmente quando as
fusões e aquisições ganharam momento na década de
1960. O problema era que quando companhias iam à bancarrota
especialmente pequenas firmas o colapso também destruía os
fundos de pensão investidos naquelas companhias. Os empregados de tais
companhias achavam-se não só sem trabalho como despojados do
dinheiro que pensavam estar a ser poupado para a sua aposentadoria.
O Congresso mexeu-se a fim de limitar tal comportamento, obrigando os fundos de
pensão corporativos a serem dirigidos por um braço externo
fiduciário
(arm's-length trustees),
embora ainda fosse permitido (e muitas vezes encorajado) aos trabalhadores
manterem as suas pensões nas acções dos seus empregadores.
Para protecção adicional aos trabalhadores, em 1974 o Congresso
criou a Pension Benefit Guarantee Corporation (PBGC). A todos os planos de
pensão corporativos foi exigido que comprassem seguro federal,
através do PBGC, para proteger os trabalhadores no caso de um esquema de
investimento fracassado ou de uma bancarrota corporativa. Os próprios
planos ainda eram orientados para o risco, mas pelo menos as pensões
seriam respaldadas pelo governo e os trabalhadores poderiam sentir-se seguros
acerca da sua reforma.
[3]
A maior parte das companhias agora oferecem aos seus empregados um vasto
conjunto de fundos mútuos ao invés de apenas as suas
próprias acções. Isto é em si próprio uma
prática de investimento boa e com bom senso, e também protege os
administradores de fundos de acusações de tramóias. O
outro resultado desta prática é que as fortunas dos trabalhadores
agora estão ligadas não apenas à sua própria
companhia mas ao mercado como um todo.
E aqui chegamos tanto ao problema como à fraude. Enquanto os receios
respeitantes à solvência da Segurança Social são
injustificáveis, muitos planos de pensão corporativos os
únicos que têm sido importantes no financiamento da
ascensão do mercados de acções nas últimas poucas
décadas estão eles próprios a ameaçar ir
para a quebra
(bust),
arrastando consigo as suas companhias-mãe. O apodrecimento financeiro
já começou a penetrar nas companhias de aviação e
nas indústrias do aço, e o sector automóvel pode ser o
seguinte. (a General Motors relata que as suas obrigações
actuais de pensões acrescentam US$ 675 ao custo de cada veículo
que produz).
As deficiências não são apenas uma questão de azar.
Durante um bom número de anos, as companhias simplesmente não
puseram de lado dinheiro suficiente para pagar aos aposentados aquilo que lhes
devem. O PBGC estima que o sub-financiamento dos planos de benefícios
definidos, por exemplo, aprofundaram-se em US$ 100 mil milhões no ano
passado, para chegar a um total de US$ 450 mil milhões. O problema foi
criado pelos administradores de fundos e directores financeiros que acreditaram
ou pelo menos pretenderam acreditar que as reservas de
pensões podiam crescer para sempre a fantásticas taxas de
retorno. Milliman USA, uma firma de consultoria de benefícios, relata
as taxas de retorno assumidas em pensões de investimentos das cem
maiores firmas dos EUA. Quão alto apostaram estas companhias? Em 2000
e 2001, a mediana da taxa de retorno projectada foi 9,5 por cento. Em 2002 foi
9,25 por cento. E em 2003 foi de 8,55 por cento.
ERA FÁCIL A ESCOLHA ENTRE CUMPRIR AS SUAS PROMESSAS DE PENSÃO OU
RELATAR RENDIMENTOS LÍQUIDOS MAIS ELEVADOS
Trata-se de projecções loucamente optimistas, mesmo pelos
padrões de Dick Cheney. No último verão o
Financial Times
observou que elas conflitam não só com a realidade actual mas
também com advertências de peritos importantes como Peter
Bernstein, Jeremy Siegel e Jeremy Grantham de que "entrámos num
ambiente de baixo retorno" e que consequentemente muitos investidores
estão à espera de retornos a longo prazo mais próximos dos
7 por cento ou 5 por cento. Mesmo estas taxas parecem claramente exuberantes,
uma vez que os 100 maiores fundos de pensão corporativos ganharam um
retorno médio anual de apenas 1,3 por cento entre o fim de 1999 e o fim
de 2003.
[4]
No princípio de 2001, por exemplo, a IBM sugeriu que ganharia US$ 6,3
mil milhões com activos de fundos de pensão de US$ 61 mil
milhões cerca de 10 por cento. Isto foi uma espantosa
demonstração de confiança uma vez que a IBM havia ganho
apenas US$ 1,2 mil milhões sobre aqueles activos no ano anterior. Ao
que se revelou, a IBM realmente veio a perder US$ 4 mil milhões em 2001.
Muito pouco amedrontados, os administradores da companhia previram um retorno
de 9,5 por cento em 2002. Eles perderam outros US$ 7 mil milhões. Em
2003 previram um retorno de US$ 6 mil milhões, e como o mercado
começou a recuperar-se eles finalmente superaram a sua
previsão, em US$ 4,4 mil milhões. O resultado desta
"recuperação" é que, desde que George W. Bush
tomou posse, os activos do fundo de pensões da IBM caíram a pique
em mais de US$ 1 mil milhões. No entanto, os administradores de fundos
corporativos por toda a América permanecem optimistas.
Tais erros de julgamento raramente são acidentais. Ao pretender que os
seus fundos poderiam gerar altos retornos, os administradores buscam uma
vantagem real embora de curto prazo. Quanto mais rapidamente as
companhias projectarem os crescimento dos seus fundos, menos terão elas
de por de lado para pagar os seus aposentados. Quanto menos puserem nas
reservas permitirá por sua vez relatar rendimentos mais elevados, dessa
forma conduzindo para cima o preço das próprias
acções da companhia para "criar valor para o
accionista". Confrontado com uma escolha entre cumprir as suas promessas
de pensão ou relatar rendimentos líquidos mais elevados, as
companhias simplesmente decidem não cumprir os acordos com os seus
empregados.
[5]
Esta prática não pode ser sustentada ao longo de 40 anos.
É uma espécie de esquema de Ponzi, no qual os lucros presentes
são pagos através da promessa de ganhos futuros no mercado de
acções. Em algum ponto os aposentados vão querer o
dinheiro que possuem. Nos últimos poucos anos tem-se assistido os
resultados dessas promessas quebradas na forma de processos judiciais,
bancarrotas e, finalmente, aposentados a serem forçados a viver com
muito menos do que lhes havia sido prometido. No final das contas, é o
PBGC que paga quando os planos vão à falência. Aqui,
entretanto, o problema aprofunda-se consideravelmente, porque levantar a conta
total relativa ao sub-financiamento do sector corporativo levaria à
bancarrota o próprio PBGC.
Em Novembro de 2004 o PBGC relatou que embora tivesse "operado durante
vários anos virtualmente sem reclamações", o fim do
boom do mercado de acções dera lugar a "um período de
reclamações que quebra todos os récordes". Ainda em
2001 o PBGC tinha um excedente de US$ 8 mil milhões, mas uma
série de casos de bancarrota empurrou-o para um défice de US$ 23
mil milhões em 2004, um ano em que tomou apenas US$ 1,5 mil
milhões em prémios. O PBGC precisaria de mais de 15 anos
só para compor o seu défice actual, sem quaisquer novas
reclamações a chegarem nesse ínterim. O PBGC propôs
que as companhias seguissem regras contabilísticas mais realistas e
pagassem prémios que reflectissem os verdadeiros riscos do seu
sub-financiamento. Também está a pedir limites mais estritos na
capacidade das companhias para fugirem às dívidas das suas
pensões através da declaração de bancarrota.
[6]
ALGO TEM DE CEDER OU AS EXPECTATIVAS DOS APOSENTADOS OU AS DO MERCADO DE
ACÇÕES
Sem tais mudanças o PBGC será forçado à bancarrota
e governo terá de suportar a solução deste impasse. Isto
poderia custar tanto quanto US$ 95 mil milhões, de acordo com o
Congressional Research Service. Quando chegar a este ponto apenas os lucros
de hoje permanecerão privados. As perdas terão sido plenamente
socializadas.
[7]
Excepto algum súbito influxo de capital, alguma coisa tem de ceder: ou
as expectativas dos aposentados ou as do mercado de acções.
Infelizmente, isto é um jogo de soma zero no qual muitos americanos
estão em ambos os lados ao mesmo tempo. Pensões mais elevadas
postas de lado diminuirão rendimentos corporativos. Rendimentos mais
baixos por sua vez levarão a cortes nos dividendos e perdas de empregos.
Dividendos baixos e desemprego elevado diminuirão a procura por
acções conduzindo a novos declínios na capacidade
dos fundos de pensão para pagar aposentados, com mais incumprimentos por
toda a parte. Trabalhadores, aposentados, investidores e contribuintes
achar-se-ão eles próprios sob o jugo das fortunas dos
administradores financeiros que criaram esta situação.
Isto dificilmente é a espécie do feliz socialismo de fundos de
pensões que Peter Drucker tinha em mente, no qual
trabalhadores-proprietários partilham riscos e prémios da mesma
forma como criam os bens e serviços exigidos por um mercado
próspero. De facto, o que tem acontecido é que as companhias
têm feito um grande esforço não meramente para partilhar o
risco mas sim para descarregá-lo inteiramente sobre as costas dos seus
empregados, do governo e dos contribuintes em geral.
Este fenómeno da rolagem do risco para baixo pode ser visto mais
claramente no movimento por muitas companhias dos programas de
benefícios definidos nos quais aos empregados é garantida
um pagamento específico de aposentadoria, baseado no seu
histórico salarial para "planos de
contribuição definida", nos quais os trabalhadores nada mais
sabem senão quanto está a ser deduzido dos seus cheques de
pagamento. A taxa de desembolso é decidida em função de
quão bem os mercado de acções comportar-se, o que
transfere o risco para os empregados enquanto liberta mais rendimento para os
seus empregadores e gera ricas comissões para os administradores do
dinheiro. Os fluxos de risco descem a escada económica ao mesmo que os
fluxos de caixa sobem.
Dados os problemas generalizados que confrontam as pensões fora do
âmbito do governo federal, aparentemente este seria um momento estranho
para fazer campanha pela privatização da Segurança Social.
Por que haveria alguém de querer envolver a última linha de
defesa das pensões americanas num mercado tão perigoso?
Estarão Bush e os seus conselheiros inconscientes das probabilidades?
Provavelmente não. Portanto, eles devem ter uma ideia particular em
mente. Acreditam, presumivelmente, que alguma espécie de
recuperação de mercado é necessária não
só para resgatar o PBGC como para resgatar os fundos de pensão,
resgatar o mercado de acções e, aliás, resgatar as
fortunas políticas do partido dirigente que é de facto
necessário é um
boom
de Bush. Afinal de contas, um tal
boom
nos permitiria "conseguir sair do apuro", tal como fizemos tantas
vezes antes.
Mas de onde virão os fundos para aumentar os preços das
acções? A taxa de poupança nacional é
aproximadamente zero, porque a maior parte do rendimento pessoal para gastar
livremente como aquele da maior parte das companhias é
absorvido no reembolso de dívidas. Anteriormente, o Fed podia ter
inundado os mercados de capitais com crédito a taxas de juro mais baixas
e por esse meio incitado um salto e a bolha no mercado de acções.
Mas as taxas de juro estão no seu mais baixo nível desde a
década de 1950. Elas não podem ir mais para baixo.
[8]
Existe apenas um outro lugar para onde olhar. O novo fluxo de fundos para
dentro do mercado de acções terá de vir do próprio
trabalho, assim como o fez na década de 1950. A Segurança Social
é a maior ameixa de todas, tão grande que virtualmente garante um
boom.
MUITAS DAS MAIS FAMOSAS BOLHAS DA HISTÓRIA FORAM PATROCINADAS POR
GOVERNOS A FIM DE ESCAPAREM À DÍVIDA
Conversas acerca de bolhas tornaram-se populares nos últimos anos, mas a
maior parte das discussões não atinge o ponto chave. Embora o
optimismo seja inerente ao espírito humano, ele raramente floresce
dentro da espécie de furor necessário para encher uma bolha sem a
ajuda do governo. De facto, muitas das mais famosas bolhas da história
foram patrocinadas por governos a fim de escaparem à dívida. A
Grã-Bretanha, em 1711, persuadiu os possuidores de títulos a
trocarem os seus títulos por acções na South Sea Company,
a qual se esperava que ficasse rica para além do crescimento da
indústria do seu tempo, com o comércio de escravos africanos. No
momento em que a bolha da South Sea entrou em colapso, o governo na verdade
havia saldado a sua dívida de guerra e os especuladores foram
abandonados na posse de acções sem valor do "sector em
crescimento". Em 1716, John Law organizou para a França a bolha do
Mississipi de acordo com as mesmas linhas, retirando dívida
pública da França através da venda de acções
a fim de criar plantações guarnecidas de escravos nos
territórios da Louisiana. Isto funcionou durante algum tempo.
O governo americano está agora a tentar executar a mesma espécie
de fraude. Bush gostaria de persuadir os titulares de direitos sobre a
Segurança Social a trocarem a segurança dos títulos do
Tesouro dos EUA por uma oportunidade de comprarem acções sobre as
quais se espera um retorno muito mais elevado. Nenhum empresa de risco
comparável às companhias South Sea ou Mississipi é
necessária. O próprio mercado de acções tornou-se
uma bolha, sustentada à tona sem o fardo de gerar bens e serviços
reais por um fluxo constante dos novos dólares das aposentadorias.
Não se pode negar que canalizar triliões de dólares da
Segurança Social para dentro do mercado de acções
produziria ganhos a curto prazo. Mas uma vez gasto este dinheiro, os mercados
provavelmente recuariam. É o que acontece após uma bolha
financeira. Assim, estaríamos de volta ao ponto onde estamos hoje,
só que muito mais pobres e sem nenhum sistema de pensões
garantidas para os americanos idosos que, naturalmente, precisariam de
pensões garantidas mais do que nunca à medida que os seus haveres
em acções continuassem a perder valor. Na verdade, muitos outros
países estão agora exactamente a recuperar-se das suas
próprias experiências funestas que Augusto Pinochet e Margaret
Thatcher chamaram de "capitalismo do trabalho" e Bush chama, sem
qualquer ironia aparente, uma "sociedade de accionistas"
("ownership society")
[9]
Na década de 1930, John Maynard Keynes encorajou governos a incidirem em
défices orçamentais a fim de aumentar o poder de compra de bens e
serviços da economia. O seu ponto de referência era a
"economia real" a economia da produção e do
consumo, do investimento em capital e em trabalho para operar aquele capital.
Enquanto Keynes dizia aos governos para premirem a bomba com programas de
gastos públicos para por em andamento o investimento e o emprego
internos, Bush agora procura premir a bomba do mercado de acções
com contribuições da Segurança Social.
[10]
Este é o próximo passo natural da nossa economia real para a
economia dos sonhos.
Notas
[1]
Opositores de Bush notam uma possível terceira razão, que
é ele estar à espera de reduzir o New Deal em favor de um governo
mais reduzido. Pode ser verdade que Bush não gosta do New Deal, mas
é difícil encarar a sua proposta de substituição
como uma alternativa de governo pequeno. Uma transferência de fundos por
obrigação federal quer seja dos bolsos dos contribuintes
para Títulos do Tesouro, assim como da Segurança Social, quer dos
bolsos dos contribuintes para o mercado de acções, como proposto
por Bush é ainda uma transferência de fundos por
obrigação federal.
[2]
Qualquer relacionamento entre a solvência da Segurança Social e
a perspectiva destas contas pessoais é puramente retórica. Logo
após um discurso de Bush sobre o Estado da União um
repórter perguntou a um "senior administration official" se
era exacto afirmar que as próprias contas de poupança pessoal
"não teriam qualquer efeito sobre a questão da
solvência". A resposta, surpreendentemente franca, foi: sim
"há uma clara interferência".
[3]
Apesar de, como aprenderam recentemente antigos empregados da Enron e da
WorldCom, o preço de demonstrar lealdade ainda possa ser bastante
excessivo.
[4]
Um Título do Tesouro a três anos comprado no fim de 1999 teria
retornado 0 por cento.
[5]
Planos com taxas projectadas mais realistas foram considerados
"super-financiados" e esvaziados.
[6]
Razoáveis como parecem ser estes pedidos, eles estão a ser
contrariados pelos mesmos administradores corporativos que começaram por
criar a confusão. No ano passado o American Benefits Council, a
organização de lobby dos administradores de fundos de
pensão, convenceu mesmo os reguladores a abandonarem exigências de
que as companhias estimassem taxas de retorno realistas.
[7]
Esta estimativa provavelmente é baixa. O precedente é a
salvação de emergência
(bailout)
do Federal Savings and Loand Insurance Corporation, a qual acabou por custar
US$ 200 mil milhões aos contribuintes.
[8]
Após a II Guerra Mundial as taxas de juro ascenderam para um pico, em
1980, de mais de 21 por cento. O resultado foram cerca de quatro
décadas de perdas de capital nos títulos cujas taxas de juro
são fixadas no momento da compra e um firme ascenso nas
acções. Desde 1980, entretanto, as taxas de juro têm
caído, criando o maior boom do mercado de títulos da
história.
[9]
No Chile, conglomerados investiram a retenção dos cheques de
pagamento dos seus empregados nas suas próprias acções ou
em empréstimos a filiais cujo valor era então destruído em
bancarrotas financeiras fabricadas. O problema tornou-se tão mau por
volta de 1980 que o governo entregou a administração à
American e outras firmas internacionais. A maior parte das discussões
da "estória de êxito" do Chile prefere começar
logo após estas bancarrotas fraudulentas, as quais naturalmente
dão uma aguda inclinação base para o pico à taxa de
retorno que se afirma ser normal. O equivalente para os EUA seria
começar numa nova tendência logo após um crash tipo 1929 no
mercado de acções. Quando alguém começa a partir
de um pico, tal como hoje, é muito mais difícil dar a
impressão estatística de que uma decolagem fantástica
está pronta a acontecer.
[10]
O génio das últimas administrações, Democrata e
Republicana, tem sido transferir inflação para o mercado de
acções isto é para os preços das
acções e dos títulos ao invés de transferi-los para
os preços do trabalho e da produção. Os salários
reais hoje são mais baixos do que eram em 1964.
[NT1]
Ponzi foi um vigarista que na década de 1930 aplicou nos EUA o
golpe da "pirâmide financeira", prometendo duplicar em 90 dias
o dinheiro que tomava emprestado. Um esquema semelhante ao da D. Branca
verificado em Portugal na década de 1970.
[*]
Professor de C. Económicas na Universidade do Missouri, Kansas City,
membro do Institute for the Study of Long Term Economic Trends (ISLET) e autor
de numerosos livros sobre finanças internacionais e internas, incluindo
Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance
.
Contacto:
mh@michael-hudson.com
Do mesmo autor ver também:
Irá a Europa sofrer da síndroma suíça?
Um grande especialista revela segredos dos centros bancários offshore
O original encontra-se em
http://www.michael-hudson.com/
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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