Estados Unidos: insolvência e liquidez na crise
por Alejandro Nadal
Os assessores de George W. Bush explicaram-lhe a crise muitas vezes, mas dizem
que ele não entende. Na quinta-feira passada, a uma pergunta
apresentada em conferência de imprensa na Casa Branca, o brilhante
estadista disse que a culpa era dos devedores que firmaram hipotecas sem saber
o que estavam a fazer. A conclusão está num programa de
alfabetização financeira, concluiu o senhor Bush. Neste momento
em que centenas de milhares (talvez até um milhão) estão a
perder as suas casas, essas palavras estabelecem um novo padrão de
estupidez no país que nos deu o Ídolo Americano.
Afirmou também que os seus assessores o haviam informado que se havia
injectado liquidez suficiente no sistema financeiro para que "os mercados
fizessem as suas correcções". Parece que os seus assessores
têm uma visão muito limitada da natureza e do alcance da crise.
Por que há tanto lixo financeiro sob a forma de hipotecas de má
qualidade
(subprime)
no mercado)? Esse lixo financeiro, surgido do sector imobiliário,
nasce com a expansão de liquidez nos anos 90, parte da herança
deixada por Greenspan. O importante é que muitas destas
operações foram de má fé do lado dos credores:
sabiam perfeitamente que as novas hipotecas seriam impagáveis e que mais
adiante poderiam apropriar-se das garantias para rematá-las. Enquanto o
Fed eliminava alegremente regulações para o sector
bancário e financeiro, entre 1996 e 2005 os tubarões procuravam
vítimas no mercado hipotecário dos créditos subprime.
Mas trata-se de uma crise de liquidez ou de uma crise de insolvência? Se
é o primeiro caso, o problema é de má
coordenação entre pagamentos e cobranças, e isso
resolve-se com certa facilidade. Em contrapartida, o problema da
insolvência é mais complicado porque detrás dele assoma a
sua cabeça o feio monstro das bancarrotas. Suas
implicações macroeconómicas podem ser devastadoras.
Os contratos hipotecários podem ser vendidos em mercados
secundários e por isso foram objecto de um intenso processo de
colocação em bolsa. Mas ao surgirem terrores de
insolvência esses títulos só puderam continuar a
refinanciar-se a taxas de desconto muito elevadas. Por fim, este mês,
travaram-se as vendas. Hoje muitos grandes bancos estado-unidenses
encontram-se a nadar num mar de títulos derivados ancorados em má
qualidade creditícia (irrecuperáveis). Ao não poderem ser
refinanciados, esses títulos devem ser incluídos nas suas folhas
de balanço, o que implica perdas. A ironia é que a Reserva
Federal manteve uma posição laxista frente às necessidades
de reservas bancárias e hoje reverte todo o processo e vê-se
obrigada a injectar liquidez. Este estado de coisas não vai mudar
senão quando ressuscitar o segmento hipotecário do mercado
financeiro.
Os bancos naturalmente realizam operações de refinanciamento das
suas dívidas de curto prazo. Isso é padrão. Mas agora as
taxas para realizar essas operações elevaram-se desorbitadamente,
o que é um indicador dos níveis de alarme que imperam no mercado.
As ramificações são extraordinárias. Nas Europa,
por exemplo, os bancos estiveram a comprar títulos estado-unidenses
respaldados por activos que perderam valor de maneira brutal. Por isso, no dia
da conferência de imprensa de Bush, o Banco Central Europeu (BCE)
injectou 130 mil milhões de dólares nos mercados financeiros,
respondendo à repentina falta de fundos para refinanciar
operações. Para dar uma ideia da magnitude do problema, este
montante é superior ao que foi injectado no dia seguinte do atentados no
World Trade Center no 11 de Setembro.
Estudos da Universidade de Nova York demonstraram que nos últimos anos
os níveis médio de insolvência estiveram abaixo dos
níveis históricos nos Estados Unidos e nas economias dos
países ricos. Nesse país a taxa de insolvência em 2006 foi
de 0,6 por cento, muito abaixo do nível histórico de 3 por cento.
Mas isso não é necessariamente um indicador de que as coisas
andam bem no mundo corporativo. Parte da explicação é que
as corporações tiveram acesso a liquidez proveniente de
prestamistas não convencionais, comos os fundos de cobertura e risco (os
infames hedge funds). Hoje esses recursos não estão
disponíveis e as taxas de insolvência e bancarrota podem regressar
aos seus níveis históricos normais. Isso poderia ser acompanhado
por uma longa recessão nos Estados Unidos.
Que efeitos pode ter a injecção de liquidez feita pelos bancos
centrais em face da crise? Se o problema fosse só de liquidez, essas
medidas poderiam ter certa lógica. Mas desgraçadamente o
diagnóstico aproxima-se mais de um quadro de insolvência. Neste
contexto, a injecção de liquidez pode provocar um incêndio
maior. De qualquer forma aumenta o risco moral, pois é um prémio
aos especuladores ("aqui há mais dinheiro para que possam continuar
a fazer as suas malfeitorias"). No fim, a única coisa que se
consegue é adiar o ajuste. Sob estas condições, a
aterragem não será suave e as repercussões serão
muito graves.
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2007/08/15/index.php?section=opinion&article=029a1eco
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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