Morreu o inimigo de nove décimos da humanidade
Milton Friedman que foi instrumental para proporcionar a
justificação intelectual que as classes capitalistas precisavam
para reverter as reformas que haviam concedido ao trabalho após a
Segunda Guerra Mundial morreu.
O neoliberalismo de Friedman a ideia de que as empresas e os mercados
devem ser livres e de que, se não forem, os governos devem intervir para
assim torná-los tem dois ensaios.
O primeiro é o Chile, a seguir ao outro 11 de Setembro, o de 1973. Foi
nessa data que Augusto Pinochet, apoiado por companhias americanas, a CIA e
Henry Kissinger, derrubou o governo de Salvador Allende.
Os janízaros intelectuais de Friedman, os Chicago Boys, um grupo de
economistas guerreiros de classe da Universidade de Chicago, onde ensinava
Friedman, correu ao Chile para aconselhar o novo governo militar sobre as
ideias económicas duras-para-os-pobres-generosas-para-os-ricos de
Friedman e dos cúmplices intelectuais Ludwig von Mises e Friedrish Hayek.
As nacionalizações foram revertidas, os activos públicos
vendidos, os recursos naturais abertos à exploração
desenfreada, e a segurança social foi privatizada. As firmas
estrangeiras foram cortejadas, gratificadas e garantidas quanto ao direito de
repatriarem lucros.
Trinta anos depois o neoliberalismo foi levado ao Iraque, também pelas
armas. Em 19 de Setembro de 2003 Paul Bremer, o proconsul americano no Iraque,
impôs as ideias de Friedman sobre uma país que fora trazido
à força à suserania americana.
Bremer definiu uma carta de direitos ao capital estrangeiro, incluindo o
direito de comprar empresas públicas do Iraque; possuir negócios
iraquianos; repatriar lucros; possuir bancos iraquianos; estar livre de
barreiras ao comércio e ao investimento e pagar pouco imposto. Para
assegurar o capital estrangeiro de que também teria o direito ao
trabalho barato, Bremer baniu greves em sectores chave e restringiu severamente
a sindicalização.
O neoliberalismo prometia estimular o crescimento económico, mas
fracassou miseravelmente. Desde que as ideias neoliberais se tornaram
ideologicamente hegemónicas nos fins da década de 70, o
crescimento económico reduziu-se globalmente, não aumentou.
Mas no que o neoliberalismo teve um êxito espectacular foi na
redução da inflação (pelo aumento do desemprego) e
na distribuição da riqueza para cima. Por outras palavras, o
neoliberalismo não tornou o mundo mais rico, mas fez isto para aqueles
que estavam no topo da riqueza.
Será que Friedman foi um inimigo de nove décimos da humanidade?
De certa forma. Mas não foi como se as suas ideias tivessem mudado o
mundo.
Ao contrário, as ideias neoliberais de Friedman foram retiradas da
obscuridade (elas foram desenvolvidas nos anos 30 e permaneceram à
margem durante décadas) porque tornaram-se compatíveis num
determinando momento do tempo com os interesses de famílias capitalistas
hereditárias, de directores de corporações e banqueiros
cujos interesses políticos e económicos estavam a ser erodidos
pelo crescente bem estar social keynesiano dos anos 70.
A inflação incontrolada estava a reduzir o valor dos seus
activos, sindicatos fortes e programas progressistas de bem estar social
suportados por importados estavam a cortar os seus resultados finais, e a
libertação colonial estava a minar os lucros do além mar.
Nos gabinetes de directores e clubes privados estava claro que alguma coisa
tinha de ser feita.
O bem estar social do keynesianismo, que fora tornado possível pela
altas taxas de crescimento do pós-guerra (o crescimento foram estimulado
pela procura reprimida dos anos da guerra, o desenvolvimento da
indústria automóvel e o seu efeito multiplicador no
estímulo a indústrias a jusante, e os pesados gastos militares da
guerra fria e do programa espacial) haviam feito o seu percurso.
O neoliberalismo oferecia uma cobertura atraente para políticas que
governo dominado pela classe capitalista prosseguiriam de qualquer forma. Se
Friedman não existisse ele teria de ser inventado, o que equivale a
dizer que alguém com ideias semelhantes teria sido extraído da
obscuridade e empurrado para debaixo dos holofotes como um gigante intelectual,
tal como ele foi.
Para dar respeitabilidade aos seus pontos de vista, Friedman, e Hayek
também, ganharam o Prémio Nobel de Economia. O prémio
não fazia parte dos outros (os reais) Prémios Nobel, mas era
manipulado pela elite dos banqueiros suecos, um grupo que, por razões
óbvias, sorri carinhosamente para qualquer um que diga que eles, e
aqueles que partilham os mesmos interesses de classe, deveriam ser beneficiados.
Que o neoliberalismo era apenas uma fachada, uma camuflagem por trás da
qual políticas de pilhagem e saque eram prosseguidas, está claro
no abandono da política neoliberal sempre que entrava em conflito com
interesses da classe capitalista.
Ronald Reagan, que se apresentava como campeão do neoliberalismo,
não seguia os dogmas neoliberais de reduzir o sector público ou
reduzir impostos.
(Nem tão pouco George Bush, que trauteia acerca do livre comércio
enquanto mantem um programa de subsídios e barreiras tarifárias
para proteger a indústria siderúrgica americana, bem como os
sectores agrícolas, aeroespacial, biomédicos e militares).
Reagan certamente apoiou as políticas neoliberais de Paul Volcker no
Fed, esmagou sindicatos e adoptou uma atitude de devastação
quanto à política de relações trabalhistas.
Mas enquanto ele esmagava impostos para os 20 por cento do topo na
pirâmide dos rendimentos, aumentava impostos para os restantes 80 por
cento o maior aumento de impostos para o número de pessoas em
tempo de paz desde sempre.
Ele fez isto para financiar um aumento maciço no sector público
através de uma escalada militar também financiada pela
dívida, alimentando um colossal crescimento na dívida do sector
público.
Banqueiros de investimento que mantêm títulos governamentais e
empreiteiros militares como a Boeing, Lockheed-Martin e General Electric
colheram a bonança do crescimento das encomendas do governo por
bombardeiros, mísseis de cruzeiro e outros dispendiosos apetrechos de
guerra. Todos os outros pagaram a conta.
Ao invés de serem neoliberais, as políticas de Reagan foram
pragmaticamente pro-capitalistas uma mistura de keynesianismo militar e
de militarismo postos juntos para cumprir os desafios que a classe capitalista
enfrentava naquele tempo. O neoliberalismo, na sua forma pura, era para ser
uma doutrina aplicada na prática apenas ao Terceiro Mundo, onde a sua
ênfase nos mercados livres, no livre comércio e na livre empresa
beneficiaria investidores e corporações transnacionais do
Ocidente.
John Williamson, um dos filhos intelectuais de Friedman, reconheceu que o
neoliberalismo "o governo americano promove-o no exterior, mas não
o pratica internamente".
No dia seguinte à sua morte, o meu jornal matutino estampava uma
fotografia de Friedman na primeira página, sob a manchete "Um firme
campeão da liberdade".
Se bem que ele possa ter sido um firme campeão de liberdades que
só alcançam a livre empresa e os livres mercados, as ideias de
Friedman tornaram-se uma justificação cómoda para a busca,
pelas famílias ricas, corporações e bancos de
investimento, da liberdade capitalista de saquear e explorar.
Para mais leituras acerca do neoliberalismo recomendo
"A luta de classes à escala mundial"
, de Vicente Navarro, e "A Brief History of Neoliberalism", de David
Harvey, Oxford University Press, 2005.
O original encontra-se em
http://gowans.blogspot.com/2006/11/enemy-to-910ths-of-humanity-dies.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|