O sistema do dólar e a realidade económica dos EUA no pós
guerra
por F. William Engdahl
[*]
É comumente aceite que os Estados Unidos, apesar dos recentes problemas,
são ainda a principal locomotiva na promoção do
crescimento da economia mundial, e o pilar do sistema global. Mas o que se
passaria se descobríssemos que, em vez de ser o pilar, os Estados Unidos
eram, na realidade, o coração de um sistema económico
disfuncional, que está propagando a instabilidade, o desemprego, e uma
recessão económica global?
Nenhuma outra nação no mundo consegue sequer aproximar-se da
superioridade dos EUA em termos de bombas inteligentes, tecnologia militar ou
simplesmente em capacidade bélica. A posição dos EUA no
mundo desde 1945, e especialmente desde 1971, apoiou-se em dois pilares: na sua
superioridade militar sobre todos os outros países, e no papel do
dólar como moeda de reserva mundial. No entanto o dólar
representa hoje o calcanhar de Aquiles da hegemonia americana.
Em meu entender, o mundo entrou, desde o colapso da bolha do mercado de
valores EUA em 2001, numa fase nova e altamente perigosa. Estou a referir-me
aos fundamentos insustentáveis que têm suportado o sistema do
dólar. Mas o que é o sistema do dólar?
Como funciona o sistema do dólar
Depois de 1945, os EUA emergiram da segunda guerra mundial como o país
com as maiores reservas de ouro do mundo, com a maior capacidade industrial, e
com um excesso de dólares apoiado por ouro. Durante a guerra-fria nos
anos 50 e 60, os EUA podiam ser generosos com os aliados, como a Alemanha e o
Japão, podiam permitir que as economias da Ásia e da Europa
Ocidental florescessem para contenção do comunismo. Com a
abertura dos EUA às importações do Japão e da
Alemanha Ocidental, foi possível alcançar a estabilidade. Mas o
mais importante é que se construiu uma estreita zona de comércio
que trabalhava sempre, primeiro, em benefício dos EUA.
Este funcionamento do sistema manteve-se até finais dos anos 60, quando
a dispendiosa guerra de Vietname drenou as reservas de ouro dos EUA. Em 1968
essa drenagem atingiu níveis de tal maneira críticos, que os
bancos centrais estrangeiros que possuíam dólares, temendo que o
défice americano convertesse os seus dólares em nada, preferiram
antes o ouro que os suportava.
Em Agosto de 1971, Nixon rompeu finalmente o acordo de Bretton Woods, e
recusou resgatar dólares por ouro, dado que não tinha ouro
suficiente para entregar. Isto levou ao início da fase mais importante
da história económica mundial. Depois de 1971 o dólar
deixou então de estar indexado a uma onça de ouro, isto é,
a algo que fosse mensurável, mas sim às impressoras da Tesouro e
da Reserva Federal dos EUA.
O dólar passou a ser então uma moeda política. Temos
"confiança" nos EUA como o defensor do mundo livre? Num
primeiro momento Washington não se apercebeu da arma que tinha criado
depois de ter rompido com o ouro. Simplesmente reagiu por necessidade, pois as
suas reservas de ouro estavam perigosamente baixas. Fez valer o seu papel como
pilar na NATO e na segurança de mundo livre, para pedir aos seus aliados
que continuassem a aceitar os seus dólares como faziam antes.
As moedas flutuaram para cima e para baixo contra o dólar. Os mercados
financeiros foram lentamente liberalizados. Foram levantados os controlos. Foi
permitida a banca em paraísos fiscais com fundos de investimento e
produtos financeiros derivados sem regulação. Todas estas
mudanças tiveram a sua origem em Washington em coordenação
com os bancos de Nova Iorque.
O paradoxo da dívida do dólar
O que ficou logo claro para os círculos da Tesouro e Reserva Federal dos
EUA depois de 1971, foi que passavam a ter a possibilidade de exercer mais
influência global por via da dívida, dívida do Tesouro,
coisa que nunca foi possível fazer através dos excedentes
comerciais. A dívida de uma pessoa é o crédito de outra. E
como todos os produtos chave, de entre todos eles o petróleo, são
comercializados globalmente em dólares, a procura de dólares
continuaria, apesar de os EUA virem a criar mais dólares que a sua
própria economia pudesse justificar.
Desta maneira, os seus sócios comerciais acumularam tantos
dólares que temeram criar uma crise do dólar. Pelo
contrário, foram acumulando sistematicamente até ao presente,
acabando assim por enfraquecer as suas economias pelo seu apoio ao sistema do
dólar, temendo não já aquela crise, mas sim um colapso
global. O primeiro choque aconteceu em 1973 com o aumento do preço do
petróleo em 400%. As economias da Alemanha, do Japão e de todo o
mundo foram devastados e o desemprego aumentou. No entanto o dólar
ganhou.
Temos testemunhado desde 1971, tanto na Europa como no resto do mundo, que o
sistema do dólar é a verdadeira fonte de inflação
global. Entre 1945 e 1965, a provisão total de dólares cresceu
apenas uns 55%. Esses foram os anos dourados de crescimento estável e
baixa inflação. Depois do rompimento de Nixon com ouro, entre
1970 e 2001, os dólares expandiram-se acima de 2.000%!
O dólar é ainda a única moeda de reserva global. Isto
significa que os outros bancos centrais têm necessidade de possuir
dólares como reserva para conseguir resistir às crises
monetárias, para apoiar o seu comércio externo e para financiar
as importações de petróleo, entre muitas outras coisas.
Hoje, cerca de 67% de todas as reservas dos bancos centrais são
dólares. O ouro representa apenas uma pequena parcela, e os euros
aproximadamente 15%. Até à criação do euro
não havia nenhum rival teórico do dólar como moeda de
reserva.
Mas o que é pouco conhecido é a ligação que existe
entre o défice comercial dos EUA e o sistema do dólar. Os Estados
Unidos seguiram uma política deliberada de défices comerciais e
défices orçamentais durante a maior parte das últimas duas
décadas, denominada de "negligência benigna", na
realidade com o objectivo de fazer depender o resto do mundo do sistema
monetário norte-americano. Pois enquanto todo o mundo aceita os
dólares como dinheiro com valor, os EUA ficam com a vantagem de ter a
exclusividade de imprimirem todos os dólares. O truque consiste em
conseguir que o mundo aceite esta situação. A história dos
últimos 30 anos explica como é que esta estrutura se foi montando
com a ajuda da OMC, do FMI, do Banco Mundial e de George Soros para nomear
apenas alguns.
Na realidade verificou-se a evolução de um mecanismo mais
efectivo do que o conseguido com a utilização do
padrão-ouro pelo império britânico na Índia e nas
restantes colónias. Enquanto os EUA mantiverem a sua hegemonia militar
exclusiva, o mundo continuará a aceitar os inflacionados dólares
dos EUA como pagamento para os seus bens. Os países em desenvolvimento
como a Argentina, o Congo ou a Zâmbia, são forçados a
adquirir dólares para defender as suas moedas e conseguir assim a
aprovação do FMI na obtenção de empréstimos.
As nações industriais são forçadas a ganhar
dólares para defender as suas próprias moedas correntes. O
objectivo principal das decisões económicas, financeiras e
políticas dos EUA, não foi outro senão de manter o papel
único do dólar na economia mundial. Não é por acaso
que o maior centro financeiro do mundo é Nova Iorque. É o
núcleo do sistema global do dólar.
O sistema funciona da seguinte maneira: Uma companhia alemã, digamos a
BMW, consegue dólares com as suas vendas de carros nos EUA. Deposita os
dólares no Bundesbank ou no Banco Central Europeu em troca de marcos ou
euros que possa usar no seu mercado local.
É desta forma que o banco central alemão constrói as suas
reservas monetárias em dólares. Desde as crises
petrolíferas dos anos setenta, que a necessidade de ter dólares
para importar petróleo passou a ser uma política de
segurança nacional para a maioria dos países, a Alemanha
incluída. A exportação a troco de dólares passou a
ser um objectivo nacional. Mas a partir da data em que o Bundesbank deixou de
trocar os seus dólares por ouro, colocou-se a questão do que
fazer com a montanha de dólares conseguida com o seu comércio.
Então decidiram que no mínimo deviam comprar títulos do
Tesouro dos EUA, um investimento seguro e fiável, para ganhar o
correspondente à taxa de juro. Assim, na medida em que os EUA aumentavam
um défice orçamental, tinham mais títulos para serem
comprados.
Hoje em dia, a maioria dos bancos centrais estrangeiros têm
títulos do Tesouro dos EUA ou activos similares deste país, como
parte das suas "reservas monetárias". Estima-se que possuam
entre 1.000 mil milhões e 1.500 mil milhões de dólares em
dívida do governo dos EUA. É precisamente aqui que se encontra a
perversidade deste sistema. Com efeito, a economia dos EUA está viciada
no empréstimo estrangeiro, tal qual como um viciado em drogas. Na
realidade só com o financiamento do consumo é possível
poder gozar um nível de vida muito mais elevado do que poderia ter a
partir das suas próprias poupanças. Os EUA vivem à custa
do dinheiro que lhes é emprestado pelo resto do mundo, mas sempre
através do sistema do dólar. Assim desta forma, os trabalhadores
alemães fabricam carros da BMW e, se o seu banco central usar os
dólares para comprar títulos dos EUA, entregam esses carros aos
americanos a troco de nada.
Actualmente o défice comercial americano cresceu até uns
inacreditáveis 500 mil milhões de dólares, mas apesar
disso o dólar não entra em colapso. Porquê? Só em
Maio e Junho últimos, o Banco da China e Banco do Japão compraram
conjuntamente 100 mil milhões em títulos do Tesouro dos EUA e
doutros tipos de dívida do governo! E isto aconteceu apesar de o valor
destes títulos estar em queda. Simplesmente tiveram esta
opção para salvar as suas exportações manipulando o
yen contra o dólar para prevenir a sua revalorização.
Devido ao facto de o sistema mundial de pagamentos, e mais importante ainda, do
mercado de capitais mundial acções, títulos e
derivados ser em dólares, o dólar acaba por subjugar as
restantes moedas. O Banco Central Europeu poderia oferecer uma alternativa, mas
não tem qualquer possibilidade de conseguir isso. Simplesmente reage a
um mundo dominado pelo dólar. Os bancos alemães destroem a
economia alemã no seu ímpeto para imitar bancos dos EUA. O
sistema do dólar está a destruir a base industrial alemã.
A política económica nacional alemã, juntamente com o
Bundesbank antes, e agora a política do Banco Central Europeu,
está orientada em grande parte para o reduzido sector de
exportação no sentido de maximizar os superávites
comerciais em dólares, e por outro lado, a grande banca está
orientada para atrair tantos dólares quanto seja possível.
A China assume hoje em dia um papel fundamental
A China é o país que possui, na actualidade, o maior
superávite de dólares. A globalização é, na
realidade, a palavra chave para o domínio do dólar. O yuan
Chinês está indexado ao dólar. Os EUA estão a ser
invadidos com produtos chineses baratos, correntemente ali fabricados por
multinacionais americanas. Hoje, a China detém o maior excedente
comercial com os EUA, mais de 100 mil milhões de dólares por ano.
O Japão é o segundo, com 70 mil milhões. O Canadá
com 48 mil milhões, o México com 37 mil milhões e, a
Alemanha com 36 mil milhões ocupa a quinta posição dos
países com os quais os EUA sustentam o seu défice. Todos eles
somam quase 300 mil milhões do défice colossal de 480 mil
milhões em 2002. Isto sugere uma interpretação para as
prioridades da política externa americana.
O que é mais perverso neste sistema é o facto de Washington ter
tido êxito em conseguir que os países com excedentes comerciais
invistam as suas próprias poupanças nos EUA, transformando-se em
credores deste país ao comprar títulos do Tesouro. Países
asiáticos como a Indonésia, exportam capital para os EUA, em vez
de ser ao contrário.
O Tesouro dos EUA e Greenspan
[1]
, estão convencidos de que os seus sócios comerciais sempre se
sentirão forçados a comprar mais dívida americana, para
evitar o colapso do sistema monetário global, tal como sucedeu
recentemente em 1998, com a suspensão de pagamentos da Rússia, e
com a crise dos fundos de investimento LTCM (Long-Term Capital Management).
Os funcionários do Tesouro aprenderam a ser mestres na arte de aplicar
"uma de cal e outra de areia". O secretário do Tesouro, Snow,
serviu-se de um golpe táctico, quando permitiu que o dólar
colapsasse depois do início da guerra do Iraque, advertindo a Alemanha
do risco de se aproximar muito da França com o euro. Algumas semanas
depois, o dólar caiu abruptamente e a indústria exportadora
alemã ressentiu-se fortemente. Snow fez marcha atrás na sua
decisão, e o dólar estabilizou. Agora o dólar aparece de
novo, como a moeda estrangeira mais fluente nesse país.
Mas a dívida deve ser paga? Poderá pagar-se sempre? Os bancos
centrais continuam a comprar nova dívida para pagamento da dívida
anterior. A dívida dos EUA representa assim os activos do resto do
mundo, activos que são a base dos seus sistemas de crédito.
A segunda base de sustentação do dólar, tem a ver com a
dívida dos países pobres. Aqui, a influência dos EUA
é estratégica, uma vez que possui o controlo das
instituições multilaterais financeiras como o Banco Mundial, o
FMI e a OMC. Países como o Brasil, Argentina ou Indonésia,
vêm-se obrigados a desvalorizar as suas moedas face ao dólar, a
privatizar as indústrias chave estatais e a cortar os subsídios,
com o único objectivo de pagar as suas dívidas, na maioria dos
casos, a bancos privados americanos. E quando estes países resistem a
vender os seus melhores activos são apelidados publicamente de
corruptos. O crescimento dos paraísos fiscais nas ilhas do Caribe, para
além de constituir parte do circuito de branqueamento dos dinheiros da
droga, é também uma consequência directa das
decisões que se tomaram em Washington nos 70, e posteriormente, para
desregulamentar os mercados financeiros e os bancos. Enquanto for o
dólar a moeda global, quem ganha são os EUA ou, no mínimo,
os seus grandes bancos.
Este é o tipo de imperialismo do dólar, muito mais refinado do
que alguma vez foi possível imaginar nos tempos do império
britânico. Esta é uma parte não mencionada nos debates
acerca do "império" americano. Em lugar de investir nas
colónias, como fez a Inglaterra, os EUA tiram benefício do
comércio, uma vez que o dinheiro dos estados clientes, retorna à
economia americana. O problema é que Washington permitiu este perverso
sistema, deixando-o fora de qualquer controlo, até ao ponto de
ameaçar arrastar o mundo inteiro para o colapso. O mundo poderia ser
hoje muito menos instável se os EUA tivessem tido políticas de
longo prazo, investindo no crescimento económico e na
auto-suficiência de países como a Argentina e o Congo, em vez de
os sangrar com a devolução das suas dívidas
impagáveis em dólares.
A bomba da dívida interna dos EUA
A pergunta a fazer é se o sistema do dólar está a
alcançar os seus limites? Nos últimos 30 anos, este sistema
organizou-se à base de uma crescente dívida em dólares.
Que poderia acontecer se o resto do mundo decidisse não entregar as suas
poupanças ao Tesouro dos EUA, para o financiamento do seu défice
ou das suas guerras? Que poderia acontecer se a China, o Japão ou a
Rússia, decidissem diversificar o seu risco, comprando dívida em
euros? Esse dia chegará mais cedo do que se possa pensar.
Para além da colossal dívida para com o resto do mundo, o peso da
dívida interna dos EUA atingiu níveis alarmantes nas três
últimas décadas, especialmente na última.
A dívida dos EUA, tanto pública como privada, mais do que
duplicou desde 1995. Neste momento, oficialmente, é da ordem de 34.000
mil milhões de dólares, quando em 1995, era de 16.000 mil
milhões e em 1985 era de "somente" de 7.000 mil
milhões. Mas o mais alarmante é que a dívida cresceu mais
rápido que o crescimento dos rendimentos para a poder pagar, ou do PIB.
A situação provocada pela dívida dos EUA estalou a partir
da crise asiática de 1997. O motivo central desta explosão tem
origem no consumo privado, e a razão fundamental é o crescimento
da dívida hipotecária ajudada pelas duas agências
semi-governamentais conhecidas por Fannie Mae e Freddie Mac. Após o ano
de 2001 e do colapso da exuberância do mercado de acções, a
Reserva Federal baixou a taxa de juro 13 vezes até atingir o
mínimo histórico dos últimos 45 anos.
As famílias americanas endividaram-se com novos créditos
hipotecários nos primeiros seis meses deste ano, com um crescimento
anual de 700 mil milhões, tendo duplicado assim o crescimento da
dívida em relação ao ano de 2000. Como consequência,
a totalidade do crédito hipotecário dos EUA situa-se muito perto
dos 5.000 mil milhões. Uma dívida duas vezes maior do que em
1996, e que cresceu com um ritmo superior aos rendimentos pessoais "per
capita". Esta dívida é superior ao PIB da maioria das
nações.
O objectivo foi o de inflacionar a especulação no mercado
imobiliário, para que a economia não parasse. Esta
política teve como resultado terem sido alcançados níveis
assombrosos de dívida, dado que foi facilitada pelas taxas de juros
historicamente baixas. Mas quando os juros voltarem a subir, milhões de
americanos vão deparar-se com uma situação
insustentável, sobretudo se o desemprego crescer. Fannie Mae e Freddie
Mac asseguram ambos 3.000 mil milhões de dólares em
créditos hipotecários dos EUA. O sistema bancário
americano detém a maioria das hipotecas. Quando a bolha
imobiliária rebentar, encontrar-nos-emos com uma nova crise
bancária, programada também de antemão, com os bancos JP
Morgan/Chase, Wells Fargo e o Bank of América, como os maus da fita.
Desde o colapso do mercado de valores há três anos atrás,
que a economia americana tem sido conduzida com a única
intenção de evitar uma recessão severa, através do
volume recorde do crédito ao consumo. "Shop until you drop"
(consome até desfaleceres) é uma expressão popular
americana. A Reserva Federal pressionou a baixa dos juros até a uma taxa
de 1%, a mais baixa nos últimos 45 anos. O objectivo foi o de manter
baixo o custo da dívida, para que as famílias continuassem a
pedir crédito para gastar. Na actualidade, 76% do PIB da economia
americana deve-se à despesa das famílias com o consumo. E a maior
parte deste consumo está ligada a uma explosão recorde na compra
de habitação.
No entanto, a taxa de crescimento da nova dívida familiar está a
alcançar níveis alarmantes, ao mesmo tempo que o conjunto da
economia de produção contínua a extinguir-se ou a
declinar. Hoje em dia as fábricas americanas só trabalham a 74%
da sua capacidade, um nível muito próximo dos seus níveis
históricos mais baixos. Com tanta capacidade de produção
sem ser utilizada, não há muitos empresários que pretendam
investir em novas indústrias ou empregos. Por isso vão para a
China.
Mas Greenspan continua a apostar na moeda estrangeira para apoiar o consumo
numa bolha de crédito com juros baixos. Quando esta moeda estrangeira
deixar de apoiar a economia americana, fluindo hoje para os EUA à
razão de 2.500 milhões de dólares por dia, a Reserva
Federal será obrigada a subir os juros para tornar mais atractivos os
investimentos em dólares. Mas juros mais elevados, poderiam provocar uma
crise no consumo baseado no crédito, na dívida hipotecária
de longo prazo, nas dívidas dos cartões de crédito, bem
como nos empréstimos para a compra de automóveis. Juros mais
elevados, poderiam mergulhar a economia americana numa depressão, e tudo
isto poderia acontecer apesar da pouca vontade que demonstra George Bush em ser
reeleito.
Existe um limite para a capacidade de endividamento das famílias
americanas para manter a economia a funcionar.
Não se verifica nenhuma recuperação da economia dos EUA. O
que está a acontecer é, apenas, a explosão de um consumo
endividado, baseado num aumento desmedido da compra e do preço da
habitação.
A dívida imobiliária da responsabilidade das famílias
alcançou um novo máximo em Junho com 8.700 mil milhões de
dólares, o dobro do que era em 1994. As famílias já
estão acostumadas a suportar pagamentos cada vez maiores para coisas
tão básicas como a habitação e o automóvel.
O pagamento de empréstimos para automóveis é em
média realizado para prazos de 60,7 meses, o crédito concedido
para a compra desses automóveis aumentou para 27.920 dólares, e
uma casa nova custa em média 243.000 dólares.
Com um desemprego em alta e uma economia real que não está em
crescimento, chegará um momento em que a realidade se manifeste de uma
forma violenta, quando mercado hipotecário atingir o seu limite.
Chegados a este ponto, o perigo está em os consumidores terem de deixar
de comprar, e a economia nessa altura, não será capaz de criar
novos postos de trabalho, nem promover uma recuperação real. Os
postos de trabalho terão fugido para a China.
Devemos estar já nesse ponto, ou então muito próximo dele.
Nas últimas seis semanas, as taxas de juros aumentaram bruscamente, pois
os proprietários de títulos do Tesouro começaram a vender
em larga escala, temendo que a rentabilidade do mercado imobiliário
pudesse ter chegado ao fim, tentando assim retirar algum proveito antes do
colapso dos valores dos títulos. O Banco Central Europeu tem advertido
os bancos membros para que não comprem mais Freddie Mac ou dívida
das agências governamentais norte-americanas.
O problema é que este processo de criação da
dívida, interna e estrangeira, necessária para manter a economia
americana em funcionamento, acumulou uma dinâmica de risco que
está a destruir a base que resta da indústria produtiva e
tecnológica. Henry Kissinger advertiu, numa conferência da
Computer Associates, em Junho, que os EUA estavam a promover a
destruição da sua própria classe média e das suas
indústrias estratégicas, mediante a deslocalização
para a China, Índia e outras zonas com custos mais reduzidos. Hoje,
apenas 11% do conjunto da força de trabalho americana está no
sector industrial, enquanto que em 1970 era de 30%. A América
pós-industrial é uma bolha económica em vias de rebentar.
O chefe da Reserva Federal Americana, Greenspan, advertiu também a China
sobre o aumento das trocas comerciais com os EUA, pressionando para que este
país reavaliasse o renminbi, tornando assim os seus produtos menos
competitivos nos mercados americanos. Mas isto é algo sumamente
perigoso, pois este país asiático possui 340 mil milhões
em títulos do Tesouro americano e em outros activos da reserva. Os EUA
necessitam das poupanças chinesas em dólares para financiar os
seus défices crescentes.
Os EUA estão presos na sua própria teia: os postos de trabalho
americanos, os postos de trabalho com elevada componente tecnológica,
assim como os da indústria produtiva, estão a deslocar-se
continuamente das empresas americanas para a China, Índia ou para outras
áreas mais baratas. Se Washington pressiona a China e outros
países, com a intenção de que cortem as suas
exportações, arrisca-se a matar a galinha dos ovos de ouro dos
dólares. Quem comprará a crescente dívida em
dólares do governo? Os negociantes privados de títulos,
estão a tentar vender desesperadamente os seus títulos
americanos. A Alemanha e o Japão, só podem comprar uma
determinada quantidade de dívida em dólares.
A guerra americana do Iraque, mais do que um sinal de força, é um
claro sinal de debilidade. É, todavia, uma debilidade económica,
não militar.
O petróleo, a alimentação e o dinheiro como armas
estratégicas
A razão fundamental para a guerra do Iraque é de carácter
estratégico, muito para além das agendas de Richard Perle e de
outros falcões. A hegemonia americana é um sistema distorcido do
dólar, que depende cada vez mais do nível de apoio que o mundo
possa dar para sustentar os actuais níveis de dívida dos EUA. Tal
qual como o velho aprendiz de feiticeiro. No entanto já foi ultrapassado
o ponto em que isto se pode conseguir de um modo fácil. Este é o
verdadeiro significado do crescente unilateralismo americano e da
actuação militar, como base da sua política externa. A
Europa não pode ser considerada como uma parte da dívida do
Terceiro Mundo, como o foi nos anos 80. Tanto o Japão como a China devem
ser tidos cada vez mais em conta.
Mesmo que o americano comum renuncie às suas prometidas pensões
de reforma, se o sistema do dólar tiver de permanecer hegemónico,
deverá encontrar novas e mais fortes fontes de apoio, ainda que isso
signifique, provavelmente, desestabilização e guerras para o
resto do mundo.
Será que, devido a este contexto, alguns dos que pensam a longo prazo em
Washington ou em qualquer outra parte, planificaram uma estratégia para
estabelecer o controlo militar de todos os recursos estratégicos
petrolíferos, face a um único rival em potência, que
é a Eurásia, quer dizer desde Bruxelas a Berlim, passando por
Moscovo e Pequim? A vulnerabilidade do dólar e os problemas da
dívida americana, são bem conhecidos nos principais
círculos políticos.
Como uma vez observou Henry Kissiger: "Quem controla o abastecimento de
alimentos, controla as pessoas. Quem controla a energia, controla continentes
inteiros. Mas quem controla o dinheiro, pode controlar o mundo".
[1] Este artigo é anterior ao afastamento de Greenspan do banco central
dos EUA. Conferencia proferida em Feldkirch, na Áustria, em
Setembro de 2003
[*]
Autor de
A Century of War: Anglo-American Oil Politics and the New World Order,
Pluto Press Ltd. Actualmente está a terminar um livro sobre Organismos
Geneticamente Modificados (OGM):
Seeds of Destruction: The Hidden Political Agenda Venid GMO.
Sítio do autor:
www.engdahl.oilgeopolitics.net
.
O original encontra-se em
globalresearch.ca/
. Tradução de MJS.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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