A crise económica actual
Se houvesse algo como um tsunami económico, eu diria que estamos a
experimentá-lo. A crise habitacional continua e não mostra
qualquer sinal de acabar; os mercados de crédito e de dinheiro ainda
estão emperrados; o mercado de acções gira tendendo
à descida; o desemprego ascende (agudamente nas comunidades
nacionalmente e racialmente oprimidas) e ficará pior; os
salários estão baixos e a pobreza está alta; o
nível de endividamento é astronómico e difícil de
reduzir no curto prazo. Os gastos do consumidor, o motor do crescimento
económico nos anos 1990, está a afundar. Governos estaduais e
locais estão a cortar drasticamente nos serviços e nos empregos;
a deflação, que simplesmente significa preços cadentes em
sectores significativos da economia, é um perigo rastejante e perigoso;
e os mercados financeiros ainda têm de estabilizar como ficou evidente
com as perturbações do CitiGroup. Em suma, nunca desde a Grande
Depressão a economia deteriorou-se tão rapidamente e amplamente,
levando muitos economistas a prever que o período de baixa será
em formato L, isto é, profundo e prolongado.
Além disso, a economia mundial está a contrair-se. No passado a
principal unidade de análise económica era a economia nacional,
mas acontecimentos e tendências recentes indicam a falácia desta
noção. Olhar para a economia e as suas perspectivas
através de um prisma estritamente nacional é conceptualmente
errado e portanto destinado a levar a análises imperfeitas e receitas
políticas ineficazes.
Financiarização espada de dois gumes
Se bem que a actual turbulência tenha sido disparada pelo colapso dos
mercados financeiros, ela tem origem em primeiro lugar como desdobramento de
processos a mais longo prazo do capitalismo que remontam aos meados da
década de 1970 e aos imperativos sistémicos de
maximização do lucro e da exploração salarial que
está no seu núcleo.
Trinta anos atrás o capitalismo estado-unidense era acossado por
problemas aparentemente intratáveis e contraditórios alta
inflação e desemprego, declínio da confiança no
dólar como divisa internacional, novos rivais competitivos na Europa e
na Ásia, um arrefecimento do crescimento económico e, acima de
tudo, uma queda na taxa de lucro. E todos estes problemas ocorreram, e foram
por ele moldados, no contexto da superprodução nos mercados
mundiais de commodities.
Confrontado com este desandamento da economia, com o enfraquecimento do
imperialismo estado-unidense e com uma crise de lucratividade, o então
presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, subiu as taxas de juro para
níveis record. Esta subida súbita nas taxas de juro remeteu as
taxas de desemprego para os mais altos níveis desde a Grande
Depressão, forçou o encerramento de um grande número de
fábrica manufactureiras e um grande número de unidades
agrícolas familiares, provocou incríveis dificuldades para a
classe operária, e especialmente os afro-americanos, latinos e outros
trabalhadores racialmente oprimidos, provocando um impacto negativo na economia
global, particularmente nos países em desenvolvimento da Ásia,
África e América Latina.
Isto também criou, como sabemos demasiado bem, as
condições para um ataque multilateral ao trabalho e os seus
aliados, o que não era visto desde a era anterior à
Depressão.
Ao mesmo tempo (e de importância crucial para Volcker), isto expulsou a
inflação da economia, restaurou a confiança no
dólar (os investidores são avessos a manter dólares quando
as pressões inflacionárias estão a erodir o seu valor),
atraiu e redireccionou o capital interno e estrangeiro abruptamente e
maciçamente da economia "real" para canais financeiros onde os
retornos eram mais elevados. Volcker, como banqueiro experimente, sabia que o
problema não era demasiado pouco capital monetário mas sim
demasiado e demasiadas poucas oportunidades para investir e absorver aquele
capital lucrativamente na economia "real".
Uma vez nos canais financeiros, o capital monetário permaneceu ali, mas
não ociosamente. Agentes financeiros do capital (bancos, casas de
investimento, hedge funds, firmas de private equity, etc) tentavam expandir
seus lucros num ambiente muito competitivo e de permissividade regulamentar
corrida a uma velocidade perigosa numa onda maciça de comprar, vender e
emprestar e numa farra de gastos que comprometeu as três década
seguintes tudo isso levou a uma explosão do sector financeiro em
termos de emprego, transacções, produtos de risco, actores e
lucros.
Por outras palavras, a financiarização, que o economista Gerald
Epstein define como um processo no qual "motivos financeiros, mercados
financeiros, actores financeiros e instituições financeiras
desempenham um papel crescente na operação das economias interna
e internacional" continuou a um ritmo febril e com uma abrangência
vasta. (in Financialization and the World Economy, Introduction, 2005)
O capital que produz pouco destrói muito
Se a causa da financiarização já nas tendências de
estagnação no sector de bens materiais da economia dos EUA e no
enfraquecimento do papel do imperialismo no plano internacional, seu
lubrificante é a produção e reprodução,
aparentemente sem fim, de estarrecedoras quantidades de dívida
corporativa, do consumidor e do governo. A dívida é tão
velha quanto o capitalismo. Mas o que é diferente neste período
de financiarização é que a produção de
dívida e dos excessos especulativos e das bolhas que a acompanham
não foram simplesmente momentos passageiros no fim de uma alta
cíclica, mas essencial para sustentar o investimento e especialmente a
procura do consumidor em toda a fase do ciclo. Na verdade, a
financiarização cresceu ao ponto de se tornar o determinante
principal a modelar os contornos, a estrutura, a inter-relações,
a evolução e o dinamismo da economia nacional e mundial.
Sem bolhas especulativas, geradas pelo governo federal e o Federal Reserve ao
longo dos últimos 15 anos na tecnologia da internet, no mercado de
acções e mais recentemente na habitação, o
desempenho dos EUA e da economia mundial teriam sido muito piores. Mas, como
estamos penosamente a aprender, a financiarização é uma
espada de dois gumes. Se bem que ela tenha estimulado a economia interna e
global e recuperado o poder do imperialismo dos EUA, ela também deixou o
nosso país com uma acumulação astronómica de
dívida; introduziu enorme instabilidade nas artérias dos EUA e
da economia mundial; drenou capital do investimento privado e público;
contribuiu para recuperações do desemprego e intensificou a
exploração no sector de bens materiais da economia; engendrou
com êxito a maior redistribuição da riqueza na
história do nosso país para a camada superior do capital
financeiro dos EUA; tornou a economia dos EUA dependente da boa vontade de
investidores estrangeiros em absorverem quantias maciças de
dívida na forma de títulos a curto prazo do governo; e
finalmente lubrificou as rodas para uma dura aterragem económica e uma
crise muito mais profunda no lado de baixo do ciclo económico.
Por outras palavras, o crescimento do sector financeiro foi parasitário
e um remendo temporário para uma economia morosa e um poder imperial
declinante. Mas como mostraram os acontecimentos, isto não podia
mascarar para sempre nem compensar o crescimento lento, a
desindustrialização, os salários estagnados, as
recuperações do desemprego, a exploração acrescida,
e um papel internacional declinante. Uma economia Wal-Mart de baixos
salários, proveitos magros e montanhas de dívidas, mesmo quando
combinado com gastos militares maciços, é insustentável e
finalmente irrompe na crise.
Naturalmente, foi preciso mais do que terapia de choque na forma de altas taxas
de juro e a seguir financiarização para efectuar mudanças
desta magnitude e entrar numa nova era de ataques implacáveis à
classe trabalhadora, aos racialmente oprimidos, às mulheres e outros
grupos sociais. Se Volcker efectuou o primeiro golpe, foi a
administração Reagan, que entrou na Casa Branca menos de um ano
depois, e a seguir administrações sucessivas que foram os
principais agentes políticos desta reviravolta na ideologia,
política e teoria económica.
Reaganistas os principais agentes do neoliberalismo
Ao nível ideológico, os reaganistas diziam que o melhor governo
é o que governa o mínimo, que os mercados são
auto-correctores e eficientes, que a riqueza é distribuída
conforme o trabalho executado, que a desigualdade de rendimento é uma
coisa boa, que a desregulamentação e a privatização
são as melhores curas para os males dos sectores privado e
público, e que cortes fiscais para os riscos e prósperos gotejam
(trickle down)
para o povo trabalhadores, levantando com isso todos os barcos.
Mas os reaganistas não paravam aqui. Ao nível
político-económico, eles desmantelaram o modelo de
governação económica ao nível do Estado e das
corporações, um modelo que tinha as suas origens no New Deal e
foi mantido e expandido por sucessivas administrações nas
três décadas seguintes. Ele repousava sobre um compromisso de
classe, obrigações societais, direitos sindicais, igualdade
formal e políticas macroeconómicas expansivas que favoreciam
amplamente a prosperidade partilhada.
Em seu lugar, os reaganistas construíram outro modelo de
governação popularmente chamado neoliberalismo. Não
só este modelo facilitou uma reafirmação e
consolidação do poder pelo capital financeiro a expensas de
outros agrupamentos de capital, como também utilizou o seu controle do
aparelho de estado para encorajar a desindustrialização e a
deslocalização da produção, o rebaixamento
sindical, a desregulamentação, o trabalho de baixo
salário, a inflação baixa, a liberalização
comercial, o encolhimento e a privatização do sector
público, o controle draconiano (no grau possível) sobre os
movimentos trans-fronteiriços do trabalho, o ressurgimento de
práticas racistas e sexistas na política económica do
país, a redistribuição maciça da riqueza para as
famílias e corporações mais ricas, um dólar mais
forte, e a reestruturação do papel do estado e das suas
funções.
Este novo modelo, combinado com uma prontidão acrescida para utilizar o
poder militar, foi criado com o objectivo de fortalecer a posição
do imperialismo estado-unidense no plano interno e no exterior, mudando
radicalmente as condições de exploração em
benefício da classe corporativa transnacional e re-subjugando os
países em desenvolvimento. Mas, como se diz, até os planos mais
bem concebidos dos ratos e dos homens muitas vezes fracassam, pelo menos a
longo prazo.
Um rebento do capitalismo
A ascensão e queda do neoliberalismo está organicamente conectada
à dinâmica subjacente do capitalismo. Tanto um como outro exigem
pistoleiros
(hit men)
nos corredores do governo e nos gabinetes das corporações e num
conjunto de instituições (o Federal Reserve Bank e os Fundo
Monetário Internacional, por exemplo) para lubrificar os caminhos, o que
também é o rebento indiscutível das leis internas e das
tendências do capitalismo.
Embora uma estratégia anti-capitalista fosse prematura na actual
conjuntura, a fé de milhões de pessoas no capitalismo foi
abalada. As pessoas podem defender o capitalismo se desafiadas, mas não
com o mesmo vigor e não sem um ouvido simpático às medidas
que reduziriam o poder e os lucros das corporações
transnacionais. Será que ouvimos algum murmúrio ou choro vindo
dos centros industriais quando o governo nacionalizou parcialmente alguns
bancos? E, estou seguro, se o governo insistisse na propriedade e controle
como condição para apoiar as companhias do automóvel,
poucos trabalhadores iriam queixar-se. A maior parte diria: "Eles
estragaram tudo. Por que dar alguma coisa e nada obter em contrapartida?"
Em suma, os acontecimentos dos últimos meses e semanas constituem uma
profunda derrota do capitalismo, ideologicamente, politicamente e
economicamente.
De outro ponto de vista (e não vou desenvolver este ponto), a
implosão da Wall Street transmitiu uma pancada debilitante às
esperanças do imperialismo estado-unidense de dominação
sem rival no século XXI. Quando combinada com o desastre iraquiano, a
ira mundial contra as políticas de ajustamento estrutural e a
emergência de novos poderes globais em quase toda região do mundo
a China em primeiro lugar assinala uma crise terminal da
dominância do imperialismo dos EUA sobre o sistema de Estados do mundo.
Ou, para dizer de outra forma, um mundo unipolar está a render-se a um
mundo multipolar o qual, eu acrescentaria, apresenta tanto oportunidades como
perigos para a nova administração e a humanidade.
De facto, uma questão urgente para o povo americano é a seguinte:
Será que o imperialismo estado-unidense adaptar-se-á
pacificamente às novas realidades do mundo ou tentará ele
empregar força maciça para manter a sua posição no
mundo? Bush tentou a força, mas fracassou e deixará a Casa
Branca em Janeiro completamente desacreditado. Há boas razões
para acreditar que a nova administração escolherá uma
opção diferente. Basta dizer que a redefinição do
papel dos EUA na comunidade mundial e a desmilitarização
(incluindo a desnuclearização) estão entre as mais
prementes questões na primeira parte do século XXI,
comparando-se em grau de importância ao combate ao aquecimento global
[NR]
. Se não forem cuidados, ambos poderiam por em perigo a
sobrevivência das nossas espécies sobre a Mãe Terra.
[NR] O autor deixou-se
influenciar pela propaganda falsa dos "aquecimentistas", propalada
pelos burocratas do IPCC e até agora endossada pela União
Europeia. Na verdade não existe qualquer aquecimento global e, mais
provavelmente, haverá um arrefecimento global. É absurdo
equalizar as duas classes de problemas. Ver a propósito o artigo do
grande climatologista Marcel Leroux:
Aquecimento global: uma impostura científica
.
O original encontra-se em
http://lists.econ.utah.edu/pipermail/a-list/
[*]
Presidente do Partido Comunista dos EUA.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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