A história dos clãs Saud e Bush
Dan Grossi tinha quarenta e nove anos e fora policial por mais de vinte em
Tampa, na Flórida, Estados Unidos. Pela manhã, recebera um
telefonema para realizar um serviço especial. "Perguntaram se eu
estava interessado em escoltar estudantes sauditas de Tampa até
Lexington (...), porque o departamento de polícia não podia fazer
isso". O dia: 13 de setembro de 2001. A ordem era ir até o
aeroporto, onde haveria um jatinho fretado para ele e os sauditas em fuga.
Neste momento, os Estados Unidos passavam pela sua maior crise interna em
décadas e evidentemente todos os vôos estavam proibidos - uma
determinação irrevogável da Federal Aviation
Administration (FAA). "Nunca achei que isso fosse dar certo". Manuel
Perez, ex-agente do FBI e encarregado de ajudar na missão,
reforçou o ceticismo na operação: "Ninguém
está decolando hoje". Havia, no entanto, um diferencial: dentro do
jatinho decolariam membros das famílias bin Laden e Saud. Um dos pilotos
chegou no começo da tarde ao Aeroporto Internacional de Tampa e disse a
Grossi: "Este é o seu avião. Quando quiser, podemos ir".
A história foi contada pela primeira vez no
Tampa Tribune,
em outubro de 2001, e detalhada por Craig Unger no livro "As
Famílias do Petróleo", que organiza e explicita as
relações entre os clãs Bush, dos EUA, e Saud, da
Arábia Saudita. Uma busca feita por Unger dois anos depois em todos os
jornais norte-americanos, usando o sistema Nexis-Lexis, mostrou que nenhuma
outra publicação achou o acontecimento de interesse
público.
ORDEM VEIO DE CIMA
Viajaram Grossi, Perez e três sauditas aparentando vinte e poucos anos,
por volta das quatro e meia da tarde. A surpreendente exceção
aberta ao vôo fez Perez concluir que a ordem vinha "do nível
mais alto do governo". No mesmo dia, o príncipe Bandar Saud - um
dos homens mais poderosos da Arábia Saudita e o mais influente
árabe nos Estados Unidos - estava reunido com George W. Bush, pensando
de que forma travariam a "guerra contra o terror". A identidade dos
sauditas nunca fora revelada oficialmente. Grossi a Unger: "Foi tudo
tão depressa. Só sabia que eram sauditas. Tinham boas
relações. Um deles me disse que o pai ou o tio era amigo de
George Bush pai".
A FAA diz que o vôo nunca existiu. "Não consta em nossos
registros (...) Não aconteceu", afirmou Chris White, porta-voz do
órgão, ao
Tampa Tribune.
A Casa Branca também negou. A riqueza de detalhes, no entanto, foi
confirmada pelos dois norte-americanos presentes, repercutidas por Unger.
Uma hora e quarenta e cinco minutos depois, chegaram ao Aeroporto Blue Grass,
em Lexington, destino comum dos sauditas adeptos de corridas de cavalos. Os bin
Laden, boa parte tendo rompido com Osama, são pessoas ricas que estudam
em excelentes faculdades e moram em lugares de luxo, como por exemplo uma
cobertura no Soho, em Nova Iorque, cujo aluguel custa seis mil dólares
mensais. No aeroporto, um norte-americano e um 747 com letras árabes na
fuselagem os esperavam. "Em todo o país", conta Unger,
"membros da grande família bin Laden, do clã Saud e seus
colegas estavam se reunindo em vários locais". Ele contabiliza pelo
menos sete outros aviões disponíveis para tal fim.
O FBI também adotou a estratégia de negar a
coordenação, mas desmentiu involuntariamente a Casa Branca e a
FAA. "Posso declarar sem erro que, seja como for, o FBI não teve
nenhum papel para facilitar esses vôos" (agente especial John
Iannarelli, em entrevista a Unger). Bandar declarara à CNN: "Com a
coordenação do FBI, tiramos todos de lá". Os
aviões da família bin Laden, em ação conjunta com a
Casa Branca e a família Saud, recolhiam membros em Los Angeles, Orlando
(Flórida), Washington e, finalmente, Boston. Pousaram no Aeroporto
Logan, em 19 de setembro.
AGENTE DO FBI TENTOU IDENTIFICAR PASSAGEIROS
Foi de lá que partiram os dois aviões que se chocaram com as
Torres Gêmeas. Dale Watson, ex-agente do FBI, lembra ter "criado a
maior confusão no escritório de Bandar" ao tentar descobrir
quem estava no avião. O próprio Watson participou da
repatriação dos sauditas. Registra-se que quinze dos dezenove
seqüestradores dos atentados de 11 de setembro eram sauditas. "Bandar
queria que o avião partisse e insistíamos que o avião
não ia decolar antes de sabermos exatamente quem estava a bordo". A
ordem também causou a ira e curiosidade de Tom Kinton, diretor de
aviação do aeroporto, e de Virginia Buckingham, chefe da
Superintendência de Portos de Massachusetts, que administra o aeroporto.
"Estávamos no meio do pior ato terrorista da história e
íamos assistir a uma evacuação de bin Laden!", disse
Kinton. Virginia completou, ao
Boston Globe:
"Meus funcionários perguntavam: o FBI sabe? O Departamento de
Estado sabe? Por que estão deixando essa gente ir embora? Foram
interrogados? Foi uma coisa ridícula".
No meio do caminho de Watson, Kinton e Buckingham na busca pela verdade estava
o clã Saud, que controla a Arábia Saudita há
décadas e possui as maiores reservas de petróleo do mundo.
Mantém o poder em aliança com o fundamentalismo
wahabita,
"seita muçulmana ruidosa e puritana que constituía campo
fértil para a criação de uma rede global de terroristas
ansiosos por uma
jihad
violenta contra os Estados Unidos", conforme descreve Craig Unger. As
relações com a "terra da liberdade" continuavam, no
entanto, conforme O Corão prega: "Não perguntes sobre aquilo
que, se te for explicado, poderá trazer-te problemas".
LAÇOS COMERCIAIS ROBUSTOS
A família bin Laden (ou "Binladin"), igualmente,
possuía laços tão estreitos com o
status quo
norte-americano que até mesmo os mais fervorosos críticos da
Casa Branca acabam por se impressionar. A robusta construtora Saudi Binladin
Group (SBG) fazia operações bancárias com o Citigroup e
investia em grandes corretoras como Goldman Sachs e Merril Lynch. A lista de
parceiros inclui Disney, Hard Rock Café, Snapple e Porsche. Em meados da
década de 90, continua Unger, uniram-se a vários membros do
clã dos Saud e se associaram ao ex-secretário de Estado James
Baker e ao ex-presidente George H. W. Bush, o Bush pai, para investir no
Carlyle Group, enorme empresa privada de investimentos com sede em Washington.
Com tanta intimidade, é de se estranhar que a operação
não tenha sido mais rápida e eficiente.
Enquanto isso, jornais supostamente "críticos" dos Estados
Unidos, como o
New York Times,
repercutem a idéia de que os serviços de inteligência
"falharam" em prevenir os atentados do 11 de setembro. O que Craig
Unger demonstra por "A" mais "B" é que parte dos
serviços de inteligência estava, na verdade, trabalhando para o
esquema de poder que sustentou boa parte das operações
terroristas. Unger resume, ao final do primeiro capítulo de seu livro:
"(...) por mais horrível que pareça, o relacionamento
secreto entre essas duas grandes famílias [Saud e Bush] ajudou a
deflagrar o terror e deu origem à tragédia de 11 de
setembro".
Talvez não tenhamos a idéia exata do poder da família
Saud, mas basta lembrar que os sauditas, para demonstrar apoio na suposta
"guerra contra o terror", despacharam nove milhões de barris
para os Estados Unidos. Em conseqüência, o preço do barril
caiu instantaneamente de 28 para 22 dólares.
UMA PERGUNTA INDESEJÁVEL
Entende-se que parte dos passageiros nada tinha a ver com Osama bin Laden, ou
com os atentados ocorridos dias antes. "Por outro lado", escreve
Unger, "(...) Uma caçada humana global de proporções
sem precedentes estava em andamento. Milhares de pessoas tinham acabado de ser
mortas por Osama bin Laden. Não faria sentido pelo menos entrevistar
seus parentes e outros sauditas que, conscientemente ou não, poderiam
tê-lo ajudado?" Além disso, lembra, em todo o país
árabes inocentes foram presos, interrogados e torturados - o que a CIA
chama de métodos especiais de interrogatório - pelo simples fato
de serem árabes. Segundo indícios levantados por Unger,
constata-se que também pelo fato de serem pobres e sem influência
no clã Bush.
"Não há por que pensar que todos os membros de sua
família [bin Laden] o renegaram", disse Paul Michael Wihbey,
filiado ao Instituto de Estudos Políticos e Estratégicos
Avançados, ouvido por Unger. O jornalista aponta também outros
dois parentes de bin Laden - Mohamed Jamal Kalifa e Kalil Binladin - como
personagens envolvidos com o terrorismo e trabalhando ativamente para a
Al-Qaeda. A agência de notícias alemã
Deutsche Presse-Agentur
chegou a noticiar que Kalil era suspeito por possuir negócios em Minas
Gerais e possivelmente um centro de treinamento terrorista em Belo Horizonte,
ligada ao Hezbollah.
No escândalo Irã-contras, na ajuda secreta dos EUA ao grupo de
Osama bin Laden no Afeganistão na década de 70, no apoio ao
ditador genocida Saddam Hussein nos anos 80, no apoio dos sauditas à
empresa petrolífera de Bush filho (Harken Energy), na Carlyle Group, na
Guerra do Golfo em 1991 e, agora, na repatriação de sauditas
após o 11 de setembro - em todos os casos acima citados, os clãs
Saud e Bush compartilham, citando Unger, "segredos que envolviam riqueza
pessoal incalculável, poderio militar espetacular, os recursos
energéticos mais ricos do mundo e os crimes mais odiosos que se pode
imaginar".
Informações como estas são a ponta do
iceberg
e servem para começarmos a calcular o grau de
desinformação e manipulação na qual a imprensa
está imersa, brutalmente distante do verdadeiro jogo de poder existente
em duas das maiores dinastias atualmente existentes - uma delas fantasiosamente
nomeada "democracia norte-americana".
UNGER, Craig.
As famílias do petróleo: as relações secretas entre
os clã Bush e Saud;
tradução: Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro, Record,
2004, 418 pág. Título original:
House of Bush, House of Saud.
O seu autor foi subeditor do
New York Observer
e editor-chefe da revista
Boston Magazine.
Publicou artigos sobre George H. W. Bush e George W. Bush nas revistas
New Yorker, Esquire, Vanity Fair,
e é consultor da CNN sobre a indústria do petróleo e as
relações entre Arábia Saudita e Estados Unidos. Mora em
Nova Iorque.
O original encontra-se em
http://www.fazendomedia.com/novas/internacional040106.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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