por Sergey Latyshev
Ao falar no Comité de Relações Exteriores do Senado, o
secretário de Estado adjunto para a Europa e Eurásia, Wess
Mitchell, declarou que os EUA estão a punir a Rússia porque
Moscovo impede Washington de estabelecer controle sobre a Eurásia de
modo a restaurar a sua supremacia mundial...
Os EUA, finalmente, admitiram abertamente porque lutam contra a Rússia e
que não aceitarão nenhum outro resultado no atual confronto com
Moscovo senão a sua capitulação, porque a supremacia
mundial dos EUA é impossível sem o controlo total sobre a
Eurásia, que atualmente não têm.
Tudo isso não são conjeturas dos "teóricos da
conspiração" ou "propaganda de Putin", mas a
quinta-essência da política dos Estados Unidos, tal como afirmado
pelo secretário de Estado adjunto para a Europa e Eurásia
Wess Mitchell
no seu discurso perante os membros da Comissão de
Relações Exteriores do Senado.
Mitchell explicou aos senadores que o financiamento ao Departamento de Estado
depende no essencial da política dos EUA em relação
à Rússia. Ele qualificou o "reconhecimento de que a
América entrou num período de grande competição de
poder" como "o ponto de partida da Estratégia Nacional de
Segurança", tendo enfatizado que os governos anteriores não
estavam suficientemente preparados para isso e não prepararam o
país para vitória nesta competição.
O alto representante do Departamento de Estado enfatizou ainda: "Ao
contrário das hipóteses otimistas dos governos anteriores, a
Rússia e a China são concorrentes sérios que estão
a construir os recursos materiais e ideológicos para contestar a
primazia e a liderança dos EUA no século XXI".
Depois disto Mitchell detonou uma bomba. No entanto, isto apenas será
uma surpresa para aqueles que não compreenderam ainda que a
Rússia já foi envolvida num estado de guerra híbrida ativa
com os EUA:
"Ela (a Rússia) continua a estar entre os principais interesses de
segurança
nacional dos Estados Unidos impedir o domínio da massa terrestre
eurasiática por poderes hostis".
Neste ponto Mitchell detonou uma bomba atómica com terríveis
consequências destrutivas, não apenas uma bomba comum.
Em primeiro lugar, o estabelecimento do controle total sobre a Eurásia
é declarado como a tarefa mais importante para os EUA. Uma
reivindicação é feita para a obtenção de uma
vitória clara da civilização do Mar sobre a
civilização da Terra, centro e único pilar de apoio da
Rússia. Em segundo lugar, Washington abertamente declara a prioridade
das exigências mais estritas da geopolítica no sentido mais
catastrófico (O Mar deve inundar a Terra) acima de quaisquer
trivialidades de direitos humanos usadas na "diplomacia
pública".
Em terceiro lugar, um desafio é lançado à própria
existência da Rússia ela apenas pode cessar o seu
domínio na sua própria área geográfica de
existência, sendo fragmentada ou dividida em pequenos Estados fantoches.
Em quarto lugar, a Rússia é qualificada de país
"hostil". Isso implica que a guerra híbrida foi declarada
há muito tempo e que os EUA tentarão, como Mitchell observou
antes, vencer. Assim, ele reconheceu que as tentativas de Moscovo de chegar a
um acordo com Washington podem ser bem-vindas apenas se forem uma
capitulação.
Enfim, finalmente, e em quinto lugar, a menção de Mitchell de
"poderes hostis" no plural só pode significar que ele quis
subentender o aliado estratégico da Rússia a China, a
única potência independente na periferia da Eurásia. Os EUA
consideram a China seu principal concorrente económico e ameaça
militar, que em alguns aspetos é tão poderosa quanto a
ameaça russa, e a longo prazo ainda mais perigosa. Assim, "impedir
o domínio" também da China nos espaços abertos da
Eurásia implica o mesmo cenário que para a Rússia:
desmantelar o Império Celeste atraindo alguns países para o
cuidado e favor de Washington, e que não tenham quaisquer
reivindicações geopolíticas.
Esta é a escala em que as coisas estão.
Devemos nos preparar para a terceira guerra mundial?
Em termos gerais, o que quer que se faça, Mitchell declarou que os EUA
se preparam para um conflito universal, uma nova guerra mundial, e "o
objetivo central da política externa do governo é preparar a
nossa nação para enfrentar esse desafio, fortalecendo
sistematicamente os fundamentos militares e políticos do poder
americano". O caminho para a vitória é a
destruição da Rússia, contra a qual é
necessário, de acordo com o plano do Departamento de Estado, submeter e
unir vizinhos da Rússia e vassalos americanos na Europa para
dançarem segundo a música de Washington.
A diplomacia, de acordo com Mitchell, é um elemento menor nas
relações com a Rússia, que, a propósito,
círculos influentes em Moscovo teimosamente se recusam a reconhecer,
acalentando a ilusão de "fazer um acordo" com Washington sobre
algo além da capitulação. O alto representante do
Departamento de Estado designou claramente que "nossa política para
com a Rússia procede do reconhecimento de que, para ser eficaz, a
diplomacia dos EUA deve ser apoiada por poder militar inigualável e
totalmente integrado com nossos aliados e todos os nossos instrumentos de
poder".
Mitchell gabou-se de que, no último ano e meio (quando, acrescentamos, o
"agente russo" Donald Trump já estava sentado na Casa Branca),
os EUA obtiveram dos aliados da NATO um aumento de 40 mil milhões de
dólares em gastos militares e "alcançados virtualmente todos
os objetivos políticos" nesse sentido, incluindo o estabelecimento
no âmbito da aliança do Atlântico Norte de dois novos
Comandos, a implementação de preparações
híbridas de guerra e "grandes iniciativas plurianuais para
fortalecer a mobilidade, a prontidão e a capacidade da
aliança". Aqui, obviamente trata-se de poder ofensivo e não
defensivo. E não diz respeito apenas aos países da NATO.
A linguagem de Mitchell revela que os EUA consideram a sua política em
relação à Rússia em termos militares:
"Nós colocamos particular ênfase em reforçar os
Estados da linha de frente da Europa que são mais suscetíveis
à pressão geopolítica russa. Na Ucrânia e na
Geórgia, levantamos as restrições do governo anterior
à aquisição de armas defensivas para resistir à
agressão territorial russa". O Cáucaso, a região do
Mar Negro, até mesmo a Europa Central são chamadas por Mitchell
de zonas de combate geopolítico contra a Rússia, competindo
"por corações e mentes".
E aqui o Departamento de Estado dos EUA, de acordo com as suas
declarações, encontra-se na linha de frente: todas as 50
missões diplomáticas americanas na Europa e na Eurásia
"desenvolvem, coordenam e executam planos de ação sob medida
para repelir operações de influência russa nos seus
países anfitriões". A este respeito, os Balcãs
mereceram uma menção especial, onde "a diplomacia americana
desempenhou um papel de liderança na resolução da disputa
pelo nome entre a Grécia e a Macedónia e está-se
empenhando com a Sérvia e o Kosovo para impulsionar o diálogo
liderado pela UE".
É improvável que pessoas sérias tenham sequer a menor
dúvida sobre a quem se deve a crise nas relações entre a
Rússia e a Grécia, e que não foram de modo algum
diplomatas russos que tentaram romper o entendimento mútuo entre Atenas
e Skopje e que "subornaram" alguém, por vezes usando para esse
propósito "espiões em sotaina". A representante oficial
do Ministério de Relações Exteriores da Rússia,
Maria Zakharova
, por exemplo, apontou diretamente para os americanos por terem sido os
criadores do escândalo diplomático, declarando: "nós
sabemos". E agora foi também Mitchell quem confirmou ter sido o
Departamento de Estado que fez tudo, e não o desprezível
primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, que simplesmente correu para o lado
dos inimigos da Rússia.
Derrotar a Rússia economicamente
"Em paralelo" com esses esforços destinados a abalar a
Rússia, segundo Mitchell, os EUA levam a cabo toda uma série de
ações de natureza económica: 217 entidades físicas
e jurídicas russas estão sob sanções, seis
missões diplomáticas fechadas, "60 espiões foram
removidos do solo dos EUA" com o Departamento de Estado "estreita e
efetivamente coordenado com os aliados europeus". Aliás, a
propósito, Mitchell admitiu involuntariamente por que motivo os
serviços secretos anglo-saxónicos precisavam do "caso
Skripal" e quem organizou esta provocação.
O alto representante do Departamento de Estado expressou
satisfação com o curso da guerra económica contra a
Rússia: "em média, as empresas russas sancionadas"
perdem cerca de um quarto de sua receita operacional, a avaliação
total de ativos de uma empresa cai uns 50% e é assim obrigada a reduzir
o seu pessoal num terço. De acordo com as estimativas de especialistas
do Departamento de Estado dadas por Mitchell, "nossas
sanções, cumulativamente, custaram ao governo russo dezenas de
milhares de milhões de dólares além do impacto mais amplo
nos sectores estatais e o efeito inibidor das sanções dos EUA na
economia russa." Mitchell deu a situação da empresa RUSALl e
também dos ataques ao rublo russo, que perdeu fortemente por esse
motivo, como um exemplo de êxito na guerra híbrida contra a
Rússia.
Vamos esmagá-los até capitularem
No entanto, se a Rússia parar de resistir à expansão dos
EUA na Eurásia em primeiro lugar, na Ucrânia parar
de combater a política dos EUA na Síria que Mitchell
caracterizou como "agressão russa", então agitaremos a
bandeira branca, então a América estará pronta para
negociar a capitulação: "Mas em todas essas áreas,
cabe à Rússia, não à América, dar o
próximo passo. A nossa política permanece inalterada:
imposição constante de custos até que a Rússia mude
de rumo".
Há alguns momentos ainda mais curiosos no discurso de Mitchell. Ao
argumentar sobre a política da Rússia, mas sem ter a oportunidade
de saber em que ela realmente consiste, ele atribui a lógica americana e
seus métodos de política externa às ações de
Moscovo.
Auto-exposição
Aqui estão algumas citações:
"Nossa estratégia é animada pela constatação
de que a ameaça da Rússia evoluiu para além de ser
simplesmente uma ameaça externa ou militar; inclui
operações de influência descarada sem precedentes,
orquestradas pelo Kremlin (na realidade Washington, nota do autor) no solo de
nossos aliados e mesmo aqui nos Estados Unidos".
"A ameaça de operações de influência russa
existia muito antes da eleição presidencial de 2016 e
continuará muito depois desse ciclo eleitoral, ou do próximo, ou
do próximo. Como os recentes expurgos do Facebook revelam, o Estado
russo promoveu vozes marginais na esquerda política, não apenas
na direita, incluindo grupos que defendem a violência, a invasão
de prédios federais e a derrube do governo dos EUA.
A Rússia fomenta e financia causas polémicas e depois
fomenta e financia as causas opostas a essas causas. A tese de Putin é
que a Constituição Americana é uma experiência que
fracassará se for contestada de maneira correta a partir de dentro.
Putin quer desmembrar a República Americana, não a influenciar
uma eleição ou duas, mas a inflamar sistematicamente as linhas de
fracturas que existem em nossa sociedade".
Tendo acusado a Rússia moderna de usar métodos
"bolcheviques" e "soviéticos" no impasse
geopolítico com os EUA, Mitchell fez de Putin o "pai" da
política externa dos EUA desde há algum tempo: "uma
estratégia de caos para efeito estratégico".
Obrigado, sr. Mitchell, pela sua franqueza
Na generalidade, vale a pena ser grato a este eminente funcionário do
Departamento de Estado. Mitchell não apenas delineou os
propósitos da política externa dos EUA, mas também revelou
os métodos que Washington pretende usar para colocá-los em
prática. Ele mostrou a todos os que estão dispostos a encarar a
verdade de frente o perigo assustador que os EUA representam para o resto do
mundo e, em primeiro lugar, para a Rússia.
Ver também:
A supremacia militar perdida dos EUA
A versão em inglês encontra-se em
thesaker.is/...
e o original (em russo) em
cont.ws/@sensei/1049508
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.