A grande vitória da esquerda nas eleições alemãs
As eleições na Alemanha acabaram numa confusão quase total
e formar uma coligação governante será quase tão
difícil quanto efectuar a quadratura do círculo, mas algumas
coisas são claras.
As políticas antisociais do principal partido governante, o Partido
Social Democrata de Gerhard Schroeder, foram punidas severamente pelos
eleitores irados. Mas assim também o grande partido da
oposição, a União Democrata Cristã de Angela Merkel
a qual, apesar do seu apoio às mesmas políticas penosas, havia
contado com uma vitória fácil. Ambos obtiveram cerca de 35 por
cento, baixas quase recordes.
Quando Schoreder surpreendeu toda a gente ao convocar eleições um
ano antes do tempo, muitos alemães estavam amargamente irados contra ele
e o seu partido por cortar pagamentos aos desempregados, reduzir
pensões, aumentar pagamentos por cuidados médicos e
remédios, e não só descumprir a sua promessa de reduzir o
desemprego pela metade como deixá-lo ascender ao nível de 5
milhões, aproximadamente 10 por cento e quase 20 por cento na Alemanha
do leste. Uma auto-confiante Angela Merkel continuou a prever uma grande
vitória. Ela começara a campanha com um avanço de quase
24 pontos. Mas como os votantes perceberam que os planos que tinha na manga,
como aqueles dos seus parceiros igualmente amigos dos negócios do
Partido Democrático Livre
(Free Democratic Party),
tornariam a vida ainda mais miserável para o povo trabalhador e os
pequenos negócios, começaram a recuar.
Alguns apoiaram os Democratas Livres, esperando de certo modo que pudessem ser
mais independentes, quando as suas políticas igualmente más ou
piores. Mas outros retornaram relutantemente para os Sociais Democratas como o
menor de dois males. Assim, dentro de muito poucas semanas Schroeder, um
mestre de campanhas que exsudava confiança mesmo quando a desvantagem
parecia sem esperança, encenou um admirável retorno que quase
colmatou a diferença. No dia da eleição, domingo, os
sociais democratas haviam-se movido para uma porcentagem de um ou dois pontos
dos democratas cristãos. Mas nem um nem outro tiveram maioria, nem
mesmo quando se juntaram aos seus parceiros tradicionais, os Verdes com os
Sociais Democratas, os Democratas Livres com os Democratas Cristãos.
O factor que impediu a ambos os campos atravessarem a linha dos 50 por cento
necessária para formar um governo estável foi o recém
formado Partido da Esquerda, uma combinação do Partido do
Socialismo Democrático (PDS), descendente mas muito diferente do antigo
partido dirigente na República Democrática Alemã, e um
jovem partido de Sociais Democratas desgostosos, militantes sindicalistas e
variados grupos de extrema esquerda e organizações na Alemanha
Ocidental, o WASG.
Dirigido no leste por Gregor Gysi do PDS e no oeste por Oskar Lafontaine, um
antigo líder dos Sociais Democratas do Sarre, esta nova aliança
tirou a respiração de todos os outros, que haviam previsto
reencenar o antigo jogo infantil
"Ring Around the Rosy"
com pessoal alternativo mas políticas quase iguais. O PDS, com a sua
base de eleitores quase totalmente no leste, três anos atrás
estava reduzido no Bundestage a duas deputadas solitárias, com os demais
a tratarem-nas como se não existissem e obviamente à espera de
que nas eleições seguintes as fizessem ir embora.
Mas a nova aliança frustrou tais expectativas e tornou-se um espectro
real a assombrá-los, conseguindo nos inquéritos nas primeiras
semanas da campanha no leste e no oeste em conjunto de 12 a 13 por cento dos
votantes.
Era claro que os ataques a este partido e aos seus líderes seriam
pesados e sujos. Quando Oskar Lafontaine cometeu um erro e falou em
"trabalhadores estrangeiros" a serem usados para substituir
trabalhadores alemães um assunto delicado na Alemanha a
imprensa (erradamente) acusou-o de utilizar a ideologia nazi e apressou-se a
etiquetar todo o novo Partido de Esquerda de "reaccionário" e
"racistas". Parece provável que Lafontaine estivesse
realmente confuso acerca do assunto, mas ele rapidamente explicou que
não era contra trabalhadores estrangeiros e sim contra os operadores que
os exploravam, apinhando-o em contentores desumanos como "local de
moradia" e pagando-lhes amendoins, deprimindo assim os níveis
salariais para toda a gente. A campanha dos media foi um truque desonesto: o
PDS, de longe os maior componente da nova aliança, sempre tomou a
dianteira na oposição ao racismo e às medidas
governamentais contra trabalhadores estrangeiros e aqueles que procuram asilo;
enquanto os Cristãos Democratas basearam parte da sua campanha sobre
preconceitos contra a grande minoria turca, e os Sociais Democratas
frequentemente também manifestaram hipocrisia e coisas piores quando
estava em causa o tratamento de residentes estrangeiros. O seu ministro do
Interior foi um dos piores disseminar e espalhar preconceitos
anti-muçulmanos. Até as calúnias e etiquetas mais sujas
foram o procedimento padrão na batalha incessante para reduzir a
Esquerda.
A sua razão real para odiar o Partido de Esquerda era clara: era o
único na campanha a rejeitar a ideia, promovida em quase todos os
jornais e comentários da TV dentro e fora da Alemanha, de que cortar
direitos dos trabalhadores e rasgar o programa de bem estar social
alcançado em lutas ao longo de anos era o caminho para ultrapassar o
desemprego. Esta linha acerca de "reformas duras mas
necessárias" para por a economia de volta sobre os seus pés,
usada por Schroeder e os Verdes durante sete anos, conformadas com as
"reformas" exigidas pelos grandes negócios: cortar nossos
impostos, cortar nossas fatia da lei da segurança social, cuidados
médicos e pagamentos aos desempregados, dar-nos mais liberdade para
despedir trabalhadores sempre que quisermos, e que nos encorajará a
fazer mais contratações. A única
perturbação com esta teoria é que ela nunca funcionou! As
grandes companhias exigiram e receberam cada vez mais destes
cortes, enquanto intimidavam e rejeitavam cada vez mais trabalhadores. De
facto, a sua exportação de lucro é maior do que nunca
o consumo interno é que foi drasticamente reduzido. Esta
é a causa principal da actual economia melancólica (bem como o
facto de que todo o sistema do "mercado livre", o capitalismo,
está cada vez mais a implodir).
A partir do momento em que o Partido de Esquerda salienta tudo isto e
opõe-se aos cortes defendidos pelos outros partidos e os seus apoiantes
industriais e financeiros, o media baniram-no da lista dos "partidos
democráticos", relegando-o às fileiras dos "partidos
extremistas à esquerda e à direita"! Dessa forma, aumentar
impostos para os milionários e suas corporações e utilizar
o dinheiro para educação e serviços sociais ao mesmo tempo
que se evita o mau uso das tropas alemãs em acções
militares estrangeiras é maliciosamente etiquetado como subversivo.
A propaganda tem algum efeito. Talvez mesmo mais potente do que a propaganda
foi a crescente ansiedade acerca da devastação que os
conselheiros do
big business
de Angela Merkel infligiriam aos padrões de vida. Muitos votantes
preocupados voltaram-se novamente para Schroeder e, semana após semana,
os inquéritos reduziram a Esquerda de 13 para 9, a seguir 7 por cento
dos votos.
Então porque os apoiantes da Esquerda tiveram uma noite eleitoral
tão alegre reunidos na enorme tenda próxima ao antigo
Palácio da República da RDA (um símbolo que os
políticos da Alemanha Ocidental não podem derrubar)?
Os resultados da eleição estiveram a aparecer nos écrans
gigantes pendurados em torno da tenda e do lado de fora. A Esquerda
começou a cerca de 7,7 por cento, a seguir subiu para 7,9 por cento,
8,1, 8,2, finalmente fixando-se em 8,7 por cento mais do que o dobro da
sua taxa de 2002. Mais elevadas do que quaisquer inquéritos haviam
previsto, isto significando pleno status como um grupo regular no Budestage,
com mais de 50 cadeiras (num total em torno das 600). Isto significa mesmo
ultrapassar os Verdes do ministro dos Estrangeiros Fischer, que obteve 8,1 por
cento.
Apesar das complicadas manobras envolvidas na tentativa de acordar alguma
coligação governante, todos os outros partidos concordaram em que
eles jamais se juntariam numa coligação com o odioso partido da
esquerda. Ele permanecerá, como sempre planeou, na
oposição. Mas pelo menos terá a oportunidade de falar no
Budestage e nos media, opondo-se à acumulação de armamento
e a aventuras militares, combatendo todas as políticas de arruinar os
pobres, expondo a hipocrisia de tolerar neo-nazis (quando não em
palavras, também em acções), opondo-se a todos os cortes
nas políticas de protecção de empregos. As Esquerda
não pode aprovar quaisquer leis, mas a sua pressão pode ser muito
eficaz, especialmente com o novo partenariado que cria um partido de toda a
Alemanha, visível também na Alemanha Ocidental, onde os seus
candidatos tiveram em média 4 a 8 por cento na maior parte das
área e aproximadamente 20 por cento na região do Sarre de Oskar
Lafontaine. Ele já não pode ser totalmente ignorado.
Os políticos e os media farão tudo para fragmentar esta nova
unidade da esquerda. Tentarão virar Lafontaine contra Gysi (ou
vice-versa), e dividir os variados grupos e agrupações entre os
muitas vezes inexperientes deputados ao Budestag, ou entre eles e os seus
eleitores. Mas se eles puderem manter-se juntos, pelo menos sobre
questões chave, isto poderia alterar toda a cena política
alemã. E uma vez que o PDS tem sido um actor chave para reconstruir a
cooperação de esquerda a nível europeu, isto pode ter um
efeito ainda mais vasto, criando um efeito propagador e estimulando a esquerda
em outros países a ultrapassar diferenças e mover-se em conjunto
contra novos e perigosos ataques contra os povos.
Uma última nota: as aclamações mais ruidosas naquela
grande tenda, além daqueles que saudavam cada novo resultado, seguiam-se
a referências a duas questões: o combate para ganhar completa
igualdade de homens e mulheres nas posições de liderança e
oposição a todos os ataques racistas ou anti-estrangeiros ou
neo-nazis. Nada de semelhante foi relatado das reuniões
pós-eleitorais dos outros partidos.
[*]
Jornalista e escritor americano residente há muitos
anos em Berlim Leste. É o autor de
Crossing the River: A Memoir of the American Left, the Cold War, and Life in East Germany
, (University of Massachusetts Press, 2003).
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/grossman200905.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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