Crise do dólar e crise do euro
por Robert Kurz
A crise da valorização real do capital transforma-se sempre
também em crise do dinheiro. O dinheiro, porém, não existe
imediatamente como dinheiro mundial, mas apenas como moeda com um determinado
nome de dinheiro nacional. À medida em que o capital se expande em
estruturas transnacionais vai-se tornando notória a
contradição com o carácter de moeda nacional do dinheiro.
O dólar, sendo moeda do comércio mundial e moeda de reserva
mundial, permanece simultaneamente ligado aos EUA, enquanto estado nacional.
Porém, o fundamento para a sua função de moeda mundial na
globalização já não é a
posição dominante da economia nacional dos EUA, mas apenas o seu
papel como "poder garante" do capitalismo de crise planetário,
em virtude da máquina militar sem concorrência, que de certa
maneira constitui o "ouro" do dólar. Só por isso
é que o capital dinheiro global excedente se desloca predominantemente
para aplicações em dólares, como pretenso "porto
seguro", financiando assim o transbordante défice da balança
de pagamentos dos EUA. Mas esta constelação é
precária, pois ameaça levar à queda do dólar e com
ela à perda da função de dinheiro mundial, uma vez que o
peso do sempre crescente défice externo repercute-se no carácter
nacional da moeda.
A crise do dólar que se desenha poderia sugerir uma futura
ascensão do Euro ao papel de dinheiro mundial. Mas tal aparência
é enganadora, pois é impossível à União
Europeia assumir o papel de "poder garante" global. Nas
condições de crise dominantes, uma máquina militar com as
dimensões da dos EUA seria infinanciável, mesmo num espaço
de tempo histórico. E até os EUA já há muito correm
o risco de perder o controlo, como se vê não apenas no Iraque.
Economicamente, a União Europeia não tem de facto nenhuma
posição dominante própria, pelo contrário,
está ligada à estrutura de défice dos EUA, com as suas
exportações de capital e de mercadorias na
globalização. Sobretudo, porém, o Euro é um produto
artificial. A União Monetária não corresponde a nenhum
estado nacional europeu. Não há aqui nenhuma vantagem face aos
EUA, apenas a contradição entre capital transnacional e
espaço monetário assume aqui uma forma diferente.
A União Monetária Europeia ameaça levar à
desintegração, em vez de à integração,
porque foi apenas sobreposta a espaços funcionais estatais nacionais que
continuam com níveis de produtividade diferentes. Os défices
explosivos na balança da pagamentos em Espanha, Grécia e
Portugal, na ordem de 7 a 10% do PIB, já não podem ser
amortecidos com a desvalorização cambial das moedas nacionais,
porque estes países têm agora a mesma moeda que os países
com superavit (sobretudo a RFA). Esboça-se um desastre semelhante ao da
unificação alemã, onde os diferentes níveis de
produtividade da RFA e da RDA foram compelidos a um tecto monetário
comum. A consequência foi o conhecido e até hoje não
dominado desastre da integração económica da Alemanha
Oriental. No âmbito do espaço do Euro, porém, o problema
não pode ser disfarçado com pagamentos-transferências, como
no âmbito da RFA. Por isso, sob a pressão da
globalização, a União Europeia está claramente
à deriva. Os países do sul da Europa, na sua
aflição, começam a desalavancar o mercado interno europeu
com medidas de protecção nacional. Paralelamente à crise
do dólar está à vista uma crise do Euro a curto prazo. No
capitalismo de crise global, em última instância, é toda a
função do dinheiro que soçobra, precisamente porque o meio
dinheiro não consegue ser universal, mas continua ligado a
espaços monetários delimitados.
O original foi publicado no
Neues Deutschland,
de 02/Junho/2006.
A tradução em português encontra-se em
http://obeco.planetaclix.pt/rkurz230.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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