Crise da eurozona 2.0

por C. J. Polychroniou [*]

Bail-outs para o euro. Desde a troca de títulos gregos do mês passado, que apagou uns 100 mil milhões de euros da dívida soberana da Grécia, vários líderes europeus – desde o "visionário" presidente francês Nicholas Sarkozy até o primeiro-ministro e "tecno-sábio" italiano Mario Monti – têm declarado a crise da eurozona ultrapassada ou "quase ultrapassada". Isto é uma grande notícia, excepto para os milhões de cidadãos da UE, particularmente nos países periféricos, cujas vidas estão a ser destruídas pela brutalidade de inspiração germânica. Na verdade, a actual realidade económica da Eurolândia exige que se discorde, até violentamente, de políticos desligados das pessoas comuns. A periferia da UE é um navio que está a afundar e mesmo vários estados do núcleo estão a experimentar sintomas primários de síndrome de stress pós-traumático devido ao que podemos denominar de transição para uma nova ordem económica desajustada.

Tome-se como exemplo a Grécia, cuja troca de títulos foi celebrada como se pusesse fim à crise da eurozona. Contudo, é amplamente reconhecido que a t roca de títulos não fará qualquer diferença na capacidade geral do país para servir a sua dívida e quase toda a gente antecipa um outro "haircut" mais adiante – se não mesmo outro salvamento. De facto, o Fundo Monetário Internacional (FMI) vê um fosso de financiamento para a Grécia após 2014 que pode ir de 32 a 67 mil milhões de euros. De acordo com este mesmo cenário, o rácio dívida-PIB do país atingirá 171% em 2014 e permanecerá perto dos 150% em 2020. A tragédia grega está longe de ultrapassada.

Por que exactamente as coisas vão tão mal para a Grécia? Porque a sua economia está a levar uma pancada de classe mundial pela insistência da UE e do FMI em impor severas medidas de austeridade a uma nação que está em queda livre económica. E como o paciente tem ficado pior, os médicos charlatães duplicaram a dose da própria medicação que começou a lhe fazer mal. Assim, depois de ter recebido um segundo salvamento e a imposição de enormes perdas a investidores privados, espera-se que o governo grego aplique medidas de austeridade no monte de oito mil milhões de euros entre 2013 e 2015 – tudo isto numa economia com um PIB que se contraiu em cerca de 18 por cento desde 2009, uma taxa de desemprego próxima dos 22% e um padrão de vida a declinar rapidamente para níveis da década de 1960.

Em Portugal, a crise da dívida também tornou-se pior desde que o país recebeu um salvamento da UE/FMI totalizando 78 mil milhões de euros. O seu défice público triplicou nos primeiros dois meses deste ano, graças ao declínio de receitas fiscais relacionadas directamente com as duras medidas de austeridade impostas como condição para o salvamento. A aposta sensata é que Portugal suportará um acordo de reestruturação de dívida semelhante àquele arranjado para a Grécia. É de esperar que o drama português se intensifique de modo dramático nos próximos meses.

Na Espanha, a crise da dívida não está de modo algum próxima da estabilização, muito menos de decrescer. De facto, ela pode estar a aproximar-se de uma etapa explosiva, com graves ramificações sócio-económicas e políticas. (Como indicação do desenvolvimento da situação na Espanha, um milhão de pessoas foram às ruas recentemente para protestar contra reformas neoliberais no mercado de trabalho.) Os rendimentos de títulos espanhóis a 10 anos estão outra vez a tender a subir – apesar da recente decisão do governo de executar 27 mil milhões de euros de cortes adicionais, numa economia que já apresenta a maior taxa de desemprego (23%) em toda a Europa.

Na verdade, está a caminho uma nova erupção da crise de dívida da eurozona. Na Itália, retornos sobre títulos também estão a subir e muitos analistas do mercado estão a prever que os rendimentos tanto dos títulos italianos como dos espanhóis poderiam em breve ascender aos 7%.

O que parece estar a acontecer nestas duas economias – as maiores na periferia da eurozona – é que o impacto dos empréstimos baratos do Banco Central Europeu (BCE) está a desvanecer-se. E, de modo bastante interessante, sinais de que a Comissão Europeia (CE) em breve aumentará a sua "firewall" para aproximadamente um milhão de milhões de euros não parecem estar a ter qualquer efeito sobre a situação da dívida soberana na periferia. Por que? Porque investidores podem ler os dados económicos por si mesmo e o que eles vêem não são problemas fiscais mas, ao contrário, economias a enfraquecerem, desemprego crescente, políticas e tendências que cimentam a realidade de uma Europa a duas velocidades.

A crise da eurozona não está de volta: ela nunca deixou de estar presente. Ela simplesmente entrou numa hibernação muito breve, quando o mundo observava os líderes da Europa a experimentarem vários consertos para a crise errada. Não importa quanto dinheiro barato o BCE proporcione ou quão alta se eleve a muralha da "firewall", a doença económica da Europa não será curada sem maciça intervenção governamental para por a rodar outra vez a economia regional

A crise fiscal e de dívida da Europa emergiu devido à crise financeira de 2008, a qual revelou a arquitectura defeituosa do euro. A crise desde então tornou-se muito pior, porque o centro era, e ainda é, a consolidação fiscal expansionista e a austeridade visceral – parte inseparável de um esforço pervertido para recuperar a confiança dos negócios quando políticas orientadas para o crescimento teriam tido resultados mais imediatos e duradouros. O que necessitam as economias da Europa, especialmente aquelas na periferia, são políticas económicas fortes e pró-activas que colocarão o povo de volta ao trabalho, aumentarão receitas do estado e melhorarão o padrão de vida. O resultado final? Ainda não é demasiado tarde para líderes da UE guinarem este navio. Mas se eles não o fizerem, esteja pronto para a Crise da eurozona 2.0.

17/Abril/2012
[*] Investigador associado no Levy Economics Institute of Bard College.

O original encontra-se em http://www.levyinstitute.org/pubs/op_29.pdf


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