Dissolver o Euro: uma ideia que se imporá
por Jacques Sapir
[*]
Desde o fim da Primavera, chega-nos dos países do Sul da Europa um
concerto de "boas notícias". O crescimento estaria a retornar
em Portugal, na Espanha e até mesmo na Grécia. As taxas
mantêm-se a um nível considerado como "razoável".
Em resumo, a crise da zona Euro estaria nas nossas costas. Contudo, ao olhar
melhor, pode-se seriamente duvidar da realidade destas afirmações.
Da mesma forma, a subida dos créditos não pagos no balanço
dos bancos é um indicador muito seguro da acumulação de
problemas (gráfico 2).
Tendo em conta a importância da economia italiana, que é a
terceira economia da zona Euro, é claro que a zona Euro está
longe, muito longe, de estar livre de problemas.
Se a economia europeia se arrasta na recessão desde 2000, isto verifica-se exactamente por causa do Euro. O facto de a Alemanha ter tirado proveito confirma isso, tanto devido às vantagens comparativas específicas deste país como à política que foi efectuada desde 2002 (as "reformas" Harz-IV). O Euro está no cerne do problema da Europa. Ele condena a maioria dos países que o adoptaram à recessão ou à crise, como na Europa do Sul. A Alemanha "exportou" para estes países entre 4 e 5 milhões de desempregados. A opção de um federalismo europeu [7] , outro dos problemas políticos que ela introduz, choca-se com a amplitude dos fluxos de transferências a que a Alemanha deveria consentir em benefício dos países da Europa do Sul [8] . A Alemanha suportaria efectivamente 90% do total destas transferências líquidas, ou seja, entre 220 e 232 mil milhões de euros por ano (o que equivale 2200 a 2320 mil milhões em dez anos), entre 8% e 9% do seu PIB. Outras estimativas dão níveis ainda mais elevados, atingindo 12,7% do PIB. [9] . Convém portanto extrair todas as consequências: o federalismo não parece uma opção realista para os países da Europa do Norte e em primeiro lugar para a Alemanha. É irrelevante apresentá-lo como uma possível solução. [10] A dissolução, único horizonte razoável? A amplitude da recessão que atinge numerosos países anuncia um retorno da crise. A solvabilidade dos Estados não está mais garantida. O colapso dos recursos fiscais em numerosos países constitui um acelerador da crise. Esta situação testemunha perfeitamente a presença de defeitos estruturais na concepção e na execução da moeda única. [11] Estes últimos, desde há muito negados ou minimizados [12] , estão hoje em vias de serem reconhecidos. SOLUÇÃO SALVADORA PARA A EUROPA DO SUL Uma dissolução da zona Euro não seria uma "catástrofe" como muitas vezes se pretende, mas pelo contrário uma solução salvadora para a Europa do Sul e a França. É isto que mostra o estudo "Les Scénarii de Dissolution de l'Euro", publicado no princípio de Setembro. [13] Ali se pode ler, seguindo as diferentes hipóteses estudadas, não só o efeito muito benéfico das desvalorizações sobre a economia francesa como também sobre aqueles países hoje devastados pela crise, como a Grécia, Portugal ou Espanha. Naturalmente, segundo as hipóteses retidas, quanto ao carácter mais ou menos cooperativo desta dissolução mas também quanto à política económica seguida, as estimativas do crescimento divergem. Na pior, será preciso esperar um crescimento acumulado de 8% no terceiro ano após o fim do Euro e na melhor um crescimento de 20%. Para a Europa do Sul, o crescimento acumulado é em média de 6% para a Espanha, de 11% para Portugal e de 15% para a Grécia na hipótese mais desfavorável para estes países. Uma primeira lição se impõe então: a dissolução da zona Euro restauraria o crescimento em TODOS os países da Europa do Sul e provocaria uma baixa maciça e rápida do desemprego. Para a França, pode-se estimar a baixa do número de desempregados entre 1,0 e 2,5 milhões em três anos. Além disso, restabelecer-se-ia o equilíbrio dos regimes de reformas e de protecção social. No caso da França, este retorno ao equilíbrio seria muito rápido (em dois anos). Haveria efeitos importantes sobre as antecipações das famílias cujo horizonte seria libertado das inquietações provocadas por reforma em repetição. O consumo aumentaria e com ele o crescimento, mesmo que não se possa estimar este efeito. Esta dissolução daria outra vez à Europa do Sul sua vitalidade económica, mas seria lucrativa também para a Alemanha, pois uma Europa do Sul em expansão continuaria a comerciar com o seu vizinho do Norte após um reajustamento das competitividades. [14] Os inconvenientes seriam muito limitados. Tendo em conta os impostos, o impacto de uma desvalorização de 25% em relação ao Dólar sobre o preço dos combustíveis não provocaria senão uma alta de 6% a 8% do produto "na bomba". Desaparecido o Euro, as dívidas dos diferentes Estados seriam redenominadas em moeda nacional. Uma tal política imporia também controles de capitais em cada país. Notemos que este já é o caso em Chipre! Estes controles, além do facto de que contribuiriam para desfinanciarizar estas economias, limitariam consideravelmente a especulação e permitiriam aos Bancos Centrais visar objectivos de paridade. Uma vez atingidas estas paridades, um sistema de flutuações coordenadas das moedas, como no tempo do ECU, poderia ser posto em acção. Historicamente, o que desferiu o golpe mortal neste sistema foi a especulação monetária. Suprimida esta, ou fortemente reduzida, o sistema poderia funcionar novamente. Da "moeda única" à "moeda comum"? Esta ideia atrai um certo número de homens (e de mulheres) políticos. E ela está longe de ser absurda, muito pelo contrário. De facto, uma moeda comum deveria ter sido adoptada desde o princípio. Do que se trata? Pode-se imaginar que o sistema monetário europeu reconstituído que se teria após a dissolução do Euro desemboque numa "moeda comum" vindo acrescentar-se às moedas existentes, a qual seria utilizada para o conjunto das transacções (bens e serviços mas também investimentos) com os outros países. Esta dissolução da zona Euro, se ela resultar de um acto concertado da parte dos países membros, deveria dar nascimento a um sistema monetário europeu (SME) encarregado de garantir que a necessária flexibilidade dos câmbios não se transforme em caos. Se um tal sistema for posto em acção, haveria necessariamente consequências importantes sobre o sistema monetário internacional. Este novo SME deveria, para poder funcionar correctamente, ter as seguintes características: (i) As paridades entre as moedas dos países que fazem parte deste SME devem ser fixas, ainda que permanecendo revisáveis de maneira regular para evitar que se reproduzam os desequilíbrios que hoje devastam o Euro. Isto implica a constituição de uma unidade de conta europeia e a regulamentação dos movimentos de capitais no interior da zona. Se os movimentos de capitais para fins de investimento não colocam problemas devido à fixação das paridades, não deve haver senão um mercado muito reduzido das opções, ele próprio severamente regulamentado. De resto, o mercado monetário não deve ser feito senão à vista (au comptant) com interdição absoluta das posições descobertas.
Este sistema corresponderia na realidade à existência de uma moeda
concebida como uma unidade de conta vindo acrescentar-se às moedas
nacionais existentes. Esta situação seria muito propícia
à ressurreição do Euro, mas sob a forma de uma moeda comum.
[1] Thelier C., "Italie, une rentrée agitée", NATIXIS Special Report , n° 155, 13 septembre, Paris. [2] Artus P., "En quoi pourrait consister une nouvelle aide à la Grèce?" FLASH-ECONOMIE Natixis , n° 598, 30 août 2013, Paris. [3] Biböw J., "The Euro and Its Guardian of Stability" in Rochone L-P et S. Yinka Olawoye (edits), Monetary Policy and Central Banking : New Directions in Post-Keynesian Theory , Edwrd Elgar, Cheltenham et Northampton, 2012, pp. 190-226. [4] Flassbeck H., "Wage Divergence in Euroland : Explosive in the Making" in Biböw J. et A. Terzi (edits.), Euroland and the World Economy Global Player or Global Drag ? , Palgrave MacMillan, Londres, 2007. [5] B.C. Greenwald et J.E. Stiglitz, "Toward a Theory of Rigidities" in American Economic Review , vol. 79, n°2, 1989, Papers and Proceedings , pp. 364-369. L. Ball et D. Romer, "Real Rigidities and the Nonneutrality of Money" in Review of Economic Studies , 1990, vol. 57, n°1, pp. 183-203. [6] Voir sur ce point Biböw J. et A. Terzi (edits.), Euroland and the World Economy Global Player or Global Drag ? , op.cit.. [7] Artus J., Trois possibilités seulement pour la zone euro , NATIXIS, Flash-Économie , n°729, 25 octobre 2012. [8] Sapir J., "Le coût du fédéralisme dans la zone Euro", billet publié sur le carnet Russeurope le 10/11/2012, URL: http://russeurope.hypotheses.org/453 [9] Artus P., "La solidarité avec les autres pays de la zone euro est-elle incompatible avec la stratégie fondamentale de l'Allemagne : rester compétitive au niveau mondial ? La réponse est oui", NATIXIS, Flash-Économie , n°508, 17 juillet 2012. [10] Comme le fait Michel Aglietta, Zone Euro : éclatement ou fédération , Michalon, Paris, 2012 [11] Sapir J., Faut-il Sortir de l'Euro ? Le Seuil, Paris, 2012. [12] Des travaux comme ceux collationnés dans Biböw J. et A. Terzi (edits.), Euroland and the World Economy Global Player or Global Drag ? , Palgrave MacMillan, Londres, 2007. [13] Sapir J., et P. Murer (avec la contribution de C. Durand), Les scenarii de la dissolution de l'Euro , Étude de la Fondation Res Publica , septembre 2013, Paris, 88p. [14] Artus P. (red), "C'est la compétitivité-coût qui devient la variable essentielle" in Flash-Economie , Natixis, note n° 596, 30 août 2013, Paris.
16/Setembro/2013
[*] Economista. O original encontra-se em russeurope.hypotheses.org/1526 Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |