O dólar, a China e o sr. Geithner
por Alejandro Nadal
É a primeira vista do secretário do Tesouro de Obama ao
estrangeiro. A recepção em Pequim foi com todas as honras que o
protocolo reserva a um funcionário do seu nível. Mas por
trás dos sorrisos e das flores pode-se ver a tensão nesta
primeira visita à China. Não é para menos. Washington e
Pequim estão amarrados por uma série de fortes
contradições em matérias de política cambial,
monetária e fiscal.
Durante o processo da sua confirmação como secretário do
Tesouro, Timothy Geithner acusou a China de intervir indevidamente no mercado
de divisas para manter o renminbi subvalorizado. Deste modo, repetiu a velha
canção das administrações Bush e Clinton sobre a
gestão cambial do gigante asiático: a
subvalorização do renminbi concedeu a esse país uma
vantagem nos mercados mundiais, embaratecendo ainda mais as suas
exportações. Por isso a China tem esses avultados excedentes na
sua conta corrente.
Desde que Pequim vinculou o renminbi ao dólar, em 1994, nunca um
secretário do Tesouro aproximara-se tanto em acusar directamente os
chineses de manipulação cambial. Em Washington isso tem
implicações legais, devendo activar negociações
directas com a China sobre a sua política cambial. Em Pequim essa
acusação é considerada especialmente ofensiva, sobretudo
se se considera o desastre na gestão económica que hoje afecta os
Estados Unidos.
O tema mais delicado nesta visita é a insegurança chinesa quanto
ao valor das suas reservas em dólares. Pequim é o principal
credor dos Estados Unidos e tem 1,5 milhão de milhões de
dólares nas suas reservas (o que rende uns 50 mil milhões de
dólares de juros por ano). Dessas reservas, 800 mil milhões
correspondem a títulos do Tesouro estado-unidense.
Por isso o valor do dólar está no centro das discussões.
Afinal de contas, a administração Obama projecta que o
défice fiscal deste ano chegará a 1,8 milhão de
milhões e o Tesouro planeia emitir uns 2 ou 3 milhões de
milhões de dívida adicional nos próximos dois anos.
Não é preciso ser um génio para ver em tudo isto uma
ameaça clara ao valor do dólar.
Neste contexto, a viagem de Geithner tem duas finalidades. Primeiro, insistir
em que Pequim mude a sua política cambial e permita a
apreciação do renminbi. Segundo, Washington deseja receber
garantias de que a China continuará a comprar os títulos do
Tesouro. As contradições entre estes dois objectivos saltam
à vista.
Para começar, a crise mundial mudou o cenário. Em 2005 a China
aceitou modificar a sua política cambial e em consequência o
renminbi valorizou-se 20 por cento. Mas a partir do último Verão,
quando a crise já reduzia a procura global, os chineses viram na
valorização um travão inaceitável às suas
exportações e regressaram à sua política cambial
anterior. Dessa perspectiva, Geithner vai deparar-se com uma forte
resistência.
Além disso, pedir á China mudanças na política
cambial implica uma desvalorização relativa do dólar. Isso
poderia ajudar as exportações dos EUA para a China. Mas a perda
de valor da divisa estado-unidense levará Pequim a duvidar ainda mais da
integridade das suas reservas em dólares.
A incredulidade dos chineses já chegou ao seu limite. Na seguna-feira,
um Geithner tenso e nervoso pronunciou um
discurso na Universidade de Pequim
. Ao
dizer que as reservas em dólares têm grande solidez, os estudantes
no auditório riram-se. Isso é uma pequenas amostra do cepticismo
com que as autoridades chinesas terão escutado o enviado de Obama.
A outra contradição é que se a China começar a
diversificar rapidamente a sua carteira de investimentos e de reservas, saindo
bruscamente da esfera do dólar, o Tesouro estado-unidense será
obrigado a elevar a taxa de juros. Isso poria em perigo qualquer
recuperação nos Estados Unidos e comprometeria a capacidade do
governo de regressar a um equilíbrio fiscal mais ou menos
controlável a curto prazo.
Como serão resolvidas estas contradições? Por agora,
não está claro para que espaço económico poderia
dirigir-se a nave chinesa. As outras moedas que poderiam cumprir um papel
adequado de reserva neste momento são o euro, a libra esterlina e o yen
japonês. Todas elas têm os seus próprios problemas, alguns
comparáveis com os do dólar. Mas os chineses poderiam iniciar um
processo gradual de afastamento da divisa estado-unidense, começando uma
transição de cinco ou dez anos rumo a uma moeda internacional
capaz de desempenhar o papel de reserva e meio de pagamento, sem as
complicações que hoje afectam o dólar. A visita de
Geithner poderia servir para arrancar um processo de negociações
para transformar a economia mundial. Mas os Estados Unidos teriam que abandonar
o desejo de prolongar artificialmente a vida do dólar como moeda de
reserva internacional. Duvido que Washington possa ver que os tempos em que o
dólar era o centro do universo monetário já acabaram.
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2009/06/03/index.php?section=opinion&article=031a1eco
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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