Sair da aflição

por Stephen S Roach [*]

As moedas são sobretudo preços relativos. Na essência, são a medida do valor intrínseco de um economia em relação a outra. Nesta base o mundo não têve objecções em amortizar o valor dos Estados Unidos durante os últimos anos. O dólar desceu uns 20 por cento desde o seu ponto mais alto em 2002 em comparação com as moedas da maioria dos sócios comerciais dos Estados Unidos. Nos últimos tempos atingiu novas baixas frente ao euro e ao pujante dólar canadiano, provavelmente um presságio de que se enfraquecerá ainda mais.

Infelizmente nada disto é surpreendente. Como os estado-unidenses não têm estado a poupar o suficiente, os EUA devem importar poupanças do exterior para poder crescer. Além disso têm que manejar balanças de pagamento e défices comerciais para atrair capital estrangeiro. O défice de transacções correntes dos Estados Unidos, o maior indicador do desequilíbrio deste país em relação ao resto do mundo, em 2006 chegou a um nível record de 6,2 por cento do produto interno bruto antes de diminuir ligeiramente neste ano. Os EUA ainda devem atrair cerca de três mil milhões de dólares de capital estrangeiro a cada dia útil a fim de manter o crescimento da sua economia.

As ciências económicas são muito claras a respeito das consequências de desequilíbrios tão enormes: as entidades creditícias precisam receber compensação pelo envio de capital escasso a qualquer país com défice. Quanto maior for o défice, maior será a compensação. A moeda do país com défice habitualmente sofre as maiores consequências da compensação. Enquanto os Estados Unidos não enfrentarem os seus problemas de poupança o seu grande défice na balança de pagamentos persistirá e o dólar continuará a cair.

A única coisa positiva até agora foi que estes ajustes da moeda realizaram-se de maneira ordenada, o que indica uma diminuição anual do valor do dólar de um pouco menos de uns quatro por cento ao ano desde princípios de 2002. Contudo, nestes momentos aumenta a possibilidade de uma correcção desordenada, com consequências potencialmente grave para a economia estado-unidense e para a economia mundial.

RISCO DE RECESSÃO AUMENTA

Uma razão fundamental é o risco crescente de uma recessão nos Estados Unidos. O apogeu da bolha do mercado secundário de hipotecas (onde são revendidas as hipotecas com maior risco de não serem pagas), surpreendentemente semelhante aos excessos das empresas ponto.com da década de noventa, poderia perfeitamente constituir um aviso. Em ambos os casos, os mercados financeiros e os encarregados de conceber as políticas negavam-se a reconhecer os riscos. Contudo, as lições dos ajustes realizados após a bolha imobiliária são claras. Pergunte-se ao Japão, economicamente estagnado. Os EUA, naturalmente, haviam caído na sua própria recessão pós-bolha em 2000 e 2001.

Por desgraça, o final de tudo isto poderá ser ainda mais adversos para os Estados Unidos do que o que se verificou há sete ano. Em grande parte porque nestes momentos o consumidor estado-unidense se encontra em perigo. Os gastos de consumo actualmente representam 72 por cento do produto interno bruto, um número sem precedentes na história moderna de qualquer país.

A dissipação quanto às compras tem sido cada vez mais apoiada por bolhas imobiliárias e creditícias. Contudo, os preços das casas caíram e provavelmente continuarão a cair durante anos, e as sequelas da crise que resulta do não pagamento das hipotecas de risco elevado danificou seriamente o refinanciamento das hipotecas internas. Com um débil crescimento quanto aos postos de trabalho, o que também pressiona os rendimentos, os dias do consumismo estado-unidense provavelmente estão a chegar ao fim. Devido a isto será mais difícil evitar uma recessão.

Temerosos dessa possibilidade, os investidores estrangeiros tornam-se cada vez mais inconstantes quanto à compra de activos cujo valor esteja cotado em dólares. Os efeitos indirectos derivados da crise hipotecária dentro de outros mercados de activos, especialmente os activos referidos a hipotecas e às promissórias negociáveis apoiadas por activos, enfatizam estas preocupações. É provável que o apetite estrangeiro pelos instrumentos financeiros dos Estados Unidos seja reduzido consideravelmente nos próximos anos. Isso interromperia um importante caminho de fluxo de capital e pressionaria ainda mais o dólar para a baixa.

Os ventos políticos também sopram contra o dólar. Em Washington, a retórica agressiva contra a China é o desporto bipartidário da moda nestes dias. É muito possível que novas leis imponham sanções comerciais à China, a menos que esta realize ajustes importantes na sua moeda. Isso não só seria um grande erro político – tentar consertar um défice multilateral com mais de quarenta países forçando ajustes na taxa de câmbio com um país – como também implicaria que Washington pressionasse um dos prestamistas mais importantes dos Estados Unidos.

Isto, sem dúvida, reduziria o desejo da China de obter activos dos Estados Unidos e, a menos que outros comprador estrangeiro intervenha, o dólar sofrerá pressões ainda maiores. Por outro lado, quanto mais o sistema da Reserva Federal sob a direcção de Ben Bernanke continuar o método do dinheiro fácil de Alan Greenspan, maior será o perigo para o dólar.

Por que a preocupação com um dólar mais fraco? Os Estados Unidos em 2006 importaram mais de 2,2 mil milhões de dólares em bens em serviços. Uma queda abrupta do dólar encarece de maneira considerável estes artigos, o equivalente na prática a um aumento de impostos para os consumidores. Isto também poderia espicaçar o medo à inflação, e aumentaria as taxas de juro a longo prazo e incrementaria mais a pressão nos mercados financeiros e na economia, o que exacerbaria os riscos de que se verificasse uma recessão. Os optimistas poderiam reconfortar-se com a ideia de uma renovação impulsionada pela exportação que partisse de um dólar mais competitivo. Contudo, a história demonstra claramente: nenhum país conseguiu a prosperidade através da desvalorização.

Até agora o enfraquecimento do dólar não foi grande coisa. Isso deve estar a ponto de mudar. Em relação ao resto do mundo, os Estados Unidos brilham dolorosamente como pouco confiáveis. Assim acontece também com a sua moeda.

25/Setembro/2007

[*] Presidente da Morgan Stanley Asia.

O original encontra-se em www.nytimes.com


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
05/Out/07