As fábricas da ideologia
Dentre as instituições que influenciam e moldam as
"reformas" efectuadas através do mundo todo, o Banco Mundial
contribuiu para forjar um dogma aplicado universalmente. Ele acaba de ser
posto seriamente contestado num relatório de avaliação
elaborado por um grupo de economistas reconhecidos
[1]
. Após umas pinceladas, os avaliadores passam aos assuntos
sérios: "uma grande parte da investigação é
medíocre" ou "tecnicamente deficiente" e o Banco errou ao
fundamentar suas tomadas de posições sobre tais
"não-demonstrações". Muitos investigadores do
Banco "parecem pensar que ferramentas técnicas são
suficientes para estabelecer um nexo de causalidade". Muito poucos
estudos são conduzidos com investigadores dos países em
desenvolvimento não pertencentes ao Banco. O resto impressiona.
Primeiro exemplo destas derivas: as reformas. Toda a
argumentação liberal em favor dos fundos de pensão repousa
num teorema desta espécie: "uma vez que em geral se espera uma
taxa de rendimento financeiro superior à taxa de crescimento, as
reformas pela Segurança Social têm necessidade de
contribuições mais elevadas para assegurar o mesmo nível
de reformas dos fundos de pensões". Conclusão: o sistema
pela Segurança Social é menos eficaz. Mas este tipo de
raciocínio repousa, segundo o avaliador que o cita, sobre um "erro
grosseiro" que nem "um estudante do primeiro ano" cometeria: as
reformas mais elevadas que os fundos de pensão poderiam almejar à
partida seriam em seguida pagas pela "baixa das reformas daqueles que
virão mais tarde".
Segundo exemplo: os trabalhos de David Dollar. Este economista do Banco
Mundial é o co-autor de um artigo famoso estabelecendo que o crescimento
é bom para os pobres
(Growth is good for the poor).
O comentário é severo: "Uma boa parte desta linha de
investigação sofre de deficiências são graves que os
seus resultados estão muito longe de poderem ser considerados como
fiáveis". Se esta tese foi avançada é porque ela ia
no sentido das posições do Banco ao passo que outros trabalhos,
como por exemplo aqueles de Branko Milanovic, outro investigador do Banco
Mundial, eram "ignorados". Com certeza: eles mostravam que
"é o crescimento que, em geral, conduz à abertura comercial,
e não o inverso" e que esta abertura tem efeitos
"particularmente desfavoráveis sobre os baixos e médios
rendimentos nos países pobres".
Trata-se de mecanismos de filtragem que são descascados por Robin Broad,
uma economista que não fazia parte do painel
[1]
. Ela distingue seis mecanismos principais: recrutamento, desenvolvimento de
carreira, selecção dos papéis, desencorajamento dos
discursos discordantes, manipulação dos dados e escolha de
comunicação para o exterior. Os investigadores que ela
interrogou confessavam que não raro que lhes fosse pedido que fizessem
uma avaliação "para provar que o programa X funciona".
Esta abordagem lança as bases de uma verdadeira sociologia dos centros
de investigação em economia que os estudaria enquanto aparelhos
de produção, avaliando a força de ataque que representam
os batalhões de investigadores pagos para ilustrar as benfeitorias do
neoliberalismo.
Estas críticas bem certeiras não impedem as
instituições visadas de continuar imperturbavelmente o seu
"trabalho". O primeiro relatório da OCDE consagrado à
Índia deplora o rigor da legislação do trabalho e sugere
"ajustar o nível de protecção do emprego para
aumentar o emprego". Nos países da zona euro, a OCDE recomenda
"suavizar a legislação relativa à
protecção do emprego" e "aumentar a flexibilidade dos
salários". E é sem surpresa que o FMI felicita a
União Europeia pelas "reformas" dos mercados do trabalho:
Dominique Strauss-Kahn terá muito a fazer para dar uma aparência
"de esquerda" às suas próximas
intervenções.
A longa litania de relatórios estimulados pelo governo francês
não escapa ao pouco mais ou menos e ao não importa o que; assim,
a ideia da Comissão Attali, segundo a qual a liberalização
da grande distribuição permitiria criar "várias
centenas de milhares de empregos" tem a ver mais com o guichet do caixa do
que com a análise económica. Não há dúvida
que é a ideologia dominante que se fabrica nestas verdadeiras centrais
de produção e não é inútil revelar o seu
modo de produção.
Novembro/2007
(1) os documentos citados estão disponíveis em
http://hussonet.free.fr/mondiali.htm
[*]
Estatístico e economista francês
.
O original encontra-se em
http://hussonet.free.fr/bmcritic.pdf
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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