Lembram-se de quando o infame Goldman Sachs apresentou uma ameaça velada
ao Parlamento grego, em Dezembro, advertindo-os de que deveriam eleger um
primeiro-ministro favorável à austeridade ou arriscar-se a ter a
liquidez do banco central cortada para os seus bancos? (Ver
aqui
a mensagem de 6 de Janeiro). Parece que o Banco Central Europeu
(encabeçado por Mario
Draghi, antigo administrador do Goldman Sachs International) agora cumpriu a
ameaça.
Na semana seguinte ao candidato do Syriza, Alexis Tsipras, tomar posse como
primeiro-ministro, o BCE anunciou que não aceitaria mais títulos
do governo grego e dívidas garantidas pelo governo como colateral para
empréstimos do banco central a bancos gregos. Os bancos ficaram
reduzidos a obter a sua liquidez junto ao banco central através do
"Emergency Liquidity Assistance" (ELA), o qual tem taxas de juro
elevadas e pode ser terminado pelo BCE à vontade.
Numa entrevista publicada pela revista alemã
Der Spiegel
em 6 de Março,
Alexis Tsipra disse
que o BCE estava "a por um
laço em torno do pescoço grego". Se o BCE continuar seu jogo
duro, advertiu, "estaremos de volta ao suspense que vimos antes de
Fevereiro" (referindo-se à perturbação no mercado que
acompanhou as negociações antes de uma extensão por quatro
meses ser finalmente acordada).
O laço em torno do pescoço da Grécia é isto: o BCE
não aceitará títulos gregos como colateral para a liquidez
de banco central que todos os bancos precisam, até que o novo governo
Syriza aceite o programa de austeridade muito estrito imposto pela troika (a
Comissão da UE, o BCE e o FMI). Isso significa vender ao desbarato de
activos públicos (incluindo portos, aeroportos, companhias de
electricidade e petróleo), cortar salários pensões,
aumentar impostos drasticamente e desmantelar serviços sociais, assim
como criar fundos especiais para salvar o sistema bancário.
Estas são tácticas de extorsão como as da máfia
pelas quais economias inteiras são subjugadas ao reembolso integral a
bancos estrangeiros dívidas que devem ser pagas com trabalho,
activos e património de pessoas que nada fizeram para nelas incorrer.
Brincar de ver quem é mais corajoso com o dinheiro do povo
A Grécia não é o primeiro a sentir o aperto do laço
no seu pescoço. Como nota
The Economist
, em 2013 o BCE anunciou que dali a dias cortaria o Emergency Lending Assistance
(ELA) a bancos cipriotas, a menos que o governo concordasse com os seus termos
de salvamento. Ameaças semelhantes foram feitas em 2010 para obter a
concordância do governo irlandês.
Da mesma forma, diz
The Economist,
a crescente dependência dos "bancos gregos" ao ELA deixa o
governo à mercê do BCE quando ele tenta renegociar o salvamento.
Mark Weisbrot comentou
no
Huffington Post:
Deveríamos deixar claro o que isto significa. Este movimento do BCE era
completamente desnecessário ... Ele parece muito a uma tentativa
deliberada de minar o novo governo.
... O BCE podia ... estabilizar os yields dos títulos gregos a
níveis baixos, mas ao invés disso preferiu ... ir ao extremo
oposto e extremo é mesmo o que quero dizer para promover
uma corrida aos depósitos bancários, afundar a bolsa grega e
puxar para cima os custos dos empréstimos gregos.
Weisbrot observou que a troika mergulhou a Eurozona em pelo menos dois anos
adicionais de recessão desnecessária a partir de 2011, porque
"eles estavam a brincar de vem quem é o mais o corajoso ... O BCE
deliberadamente permitiu que estes actores do mercado criassem uma crise
existencial para o Euro, a fim de forçar concessões dos governos
da Espanha, Itália, Grécia, Portugal e Irlanda".
O torniquete da liquidez do Banco Central
Não só os bancos gregos, mas sim todos os bancos, confiam na
liquidez do banco central, porque todos eles estão tecnicamente
insolventes. Todos eles emprestam dinheiro que não têm. Confiam em
que serão capazes de tomar emprestado de outros bancos, o dinheiro do
mercado, ou do banco central quando precisarem equilibrar suas contabilidades.
O banco central (o qual tem o poder de imprimir dinheiro) é a barreira
final neste truque de prestidigitação. Se aquela fonte de
liquidez secar, os bancos vêm abaixo.
Na Eurozona, o bancos central nacionais dos países membros renunciaram a
este crítico poder de crédito em favor do Banco Central Europeu.
E o BCE, tal como o Federal Reserve dos EUA, marcha ao som dos tambores dos
grandes bancos internacionais e não da vontade democrática do
povo.
Para que não haja qualquer dúvida, vamos rever o memorando de
Dezembro da Goldman ao Parlamento grego, reimpresso no Zerohedge. Intitulado
"Da GRecuperação à GRecaída"
("From GRecovery to GRelapse")
, ele advertia:
Nisto jaz o principal risco para a Grécia. A economia precisa que o
único prestamista de último recurso ao sistema bancário
mantenha ampla provisão de liquidez. E isto não é porque
os bancos possam exigir recursos para ajudar a reduzir futuros riscos de
refinanciamento para a soberania. Mas também porque os bancos já
confiam em títulos do governo ou garantidos pelo governo para manter
constantes os actuais níveis de liquidez.
No caso de um grave choque do governo grego com prestamistas internacionais, a
interrupção da provisão de liquidez aos bancos gregos pelo
BCE poderia potencialmente levar mesmo a umas prolongadas "férias
bancárias"
("bank holiday")
estilo Chipre. E os temores do mercado quanto à potencial saída
do Euro podiam chegar a esse ponto. [Ênfase acrescentada.]
Por que o BCE teria de "interromper a provisão de liquidez"
apenas devido a um "choque com prestamistas internacionais"? Como
observou Mark Weisbrot, o movimento era completamente desnecessário. O
banco central pode ligar ou desligar a torneira do crédito à sua
vontade. Qualquer país que resista a cooperar com o programa de
austeridade da troika pode descobrir que os seus bancos foram cortados desta
liquidez crítica, porque o governo e os bancos já não o
consideram mais como "bons riscos de crédito". E este
julgamento condenatório torna-se uma profecia auto-realizável,
como está a acontecer na Grécia.
"A cobertura sobre o bolo"
Jogando sal sobre a ferida, a inchada dívida grega foi incorrida para
salvar os próprios bancos internacionais aos quais ela agora está
amplamente endividada. Pior, aqueles bancos compraram a dívida com
empréstimos baratos do BCE!
Pepe Escobar escreve
:
A troika vendeu à Grécia uma trapaça económica ...
Essencialmente, a dívida pública grega passou das mãos
privadas para as públicas quando o BCE e o FMI "resgataram"
bancos privados (alemães, franceses, espanhóis). A dívida,
naturalmente, inchou. A troika interveio, não para salvar a
Grécia, mas para salvar a banca privada.
O BCE comprou dívida privada aos bancos por uma fortuna, porque o BCE
não podia comprar dívida pública directamente ao estado
grego. A cobertura sobre esta camada do bole é que os bancos privados
encontraram o dinheiro (cash) para comprar a dívida pública da
Grécia exactamente do... BCE, aproveitando-se das taxas de juros
ultra-amistosas. Isto é roubo absoluto. E foram os ladrões que
estabeleceram as regras do jogo desde o princípio.
Isto traz-nos de volta ao papel da Goldman Sachs (alcunhado por Matt Taibbi
como o "Polvo vampiro"), o qual "ajudou" a Grécia a
entrar na Eurozona através de um esquema altamente discutível
envolvendo um swap de divisas que utilizou taxas de câmbio
artificialmente altas para ocultar a dívida grega.
O Goldman então deu a volta e cobriu
(hedged)
suas apostas
curto-circuitando a dívida grega
.
Previsivelmente, estas apostas derivativas saíram muito erradas para o
menos refinado dos dois jogadores. Um empréstimo em 2001 de 2,8
mil milhões para a Grécia tornou-se uma dívida de
5,1 mil milhões em 2005
.
Apesar deste fardo pesado, em 2006 a Grécia permaneceu dentro das
orientações do BCE de défice orçamental de 3%. Ela
entrou em grave perturbação só após a crise
bancária de 2008. No fim de 2009 o Goldman aderiu às
apostas em baixa sobre a dívida grega
lançadas pelos
pesos pesados dos hedge funds
ao aplicar pressão de venda sobre o Euro, forçando a
Grécia ao salvamento externo
(bailout)
e a medidas de austeridade que desde então destruíram a sua
economia.
Ambrose Evans-Pritchard escreveu
no
Telegraph
britânico em 2 de Março:
O Syriza tem há muito argumentado que a sua dívida [pós
2009] é ilegítima, alegando que o BCE comprou títulos
gregos em 2010 a fim de salvar o sistema bancário europeu e impedir o
contágio num momento em que a eurozona não tinha uma barreira
(firewall)
financeira, não para ajudar a Grécia.
O sr. Varoufakis [o recém nomeado ministro grego das Finanças]
disse que o resultado foi deter um incumprimento grego a credores privados o
que teria levado a um grande corte
(haircut)
para bancos estrangeiros se os acontecimentos tivessem podido seguir seu rumo
normal, reduzindo o fardo da dívida para a Grécia a níveis
administráveis. Ao invés disso, as autoridades da UE tomaram uma
série de passos para impedir este momento purgativo
(cathartic),
impingindo finalmente pacotes de empréstimos de 245 mil
milhões sobre o contribuinte grego e empurrando a dívida
pública para 182 por cento do PIB.
O sistema tóxico da banca central
Pepe Escobar conclui:
Cuidado com os Mestres do Universo a distribuírem sorrisos. Draghi e o
... pistoleiros do BCE podem distribuir todos os sorrisos do mundo, mas o que
eles mais uma vez estão a demonstrar graficamente é como a
tóxica banca central é agora o sacrossanto inimigo mortal da
democracia.
Os bancos centrais nacionais já não são ferramentas dos
governos para o benefício do povo. Os governos tornaram-se ferramentas
de um sistema global de banca central que serve os interesses de
instituições financeiras internacionais gigantescas. Estas bestas
gigantes "demasiado grandes para falir" devem ser salvas a expensas
de bancos locais, dos seus depositantes e da generalidade das economias locais.
Como escapar aos tentáculos desta tóxica hierarquia
bancária assemelhada a um polvo?
Para países com um pouco mais de espaço para manobrar do que a
Grécia, uma opção retirar depósitos públicos
e privados e colocá-los em bancos de propriedade pública. Os
megabancos são considerados demasiado grandes para falir só
porque o dinheiro do povo está amarrado a eles. Podia-se permitir-lhes
falirem se os fundos públicos não ficassem em risco.
O SBFIC (Savings Banks Foundation for International Cooperation) alemão
propôs um projecto-piloto com base no modelo das caixas económicas
(Sparkassen)
para a Grécia. Outras opções provocadoras também
foram propostas, a serem objecto de um outro artigo.
14/Março/2015
[*]
Procuradora, presidente do
Public Banking Institute
e autora de 12 livros,
incluindo
Web of Debt
e
The Public Bank Solution
. Seus sítios web
são Web of Debt, Public Bank Solution e Public Banking Institute.
O original encontra-se em
ellenbrown.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.