Lutas de classe intensificam-se na Grécia
por Dimitris Fasfalis
[*]
Os trabalhadores na Grécia posicionam-se hoje na frente avançada
das lutas de classe europeias contra a tentativa do grande capital de fazer o
povo trabalhador pagar os custos da sua crise.
Mobilizações contra esta austeridade estão a difundir-se
por toda a Europa. Em França, houve greves e manifestações
a 27 de Maio e está planeado para 24 de Junho um dia de
acções. Em Portugal, 300 mil trabalhadores manifestaram-se nas
ruas de Lisboa a 29 de Maio para exprimir a sua rejeição ao plano
de austeridade do governo. Em Espanha, funcionários públicos
foram às ruas em 2 de Junho. Na Itália, foi realizada uma
manifestação nacional em Roma dia 5 de Junho, com greves e outras
acções planeadas para 14 de Junho. Na Grã-Bretanha, os
sindicatos e organizações de esquerda estão a organizar um
dia de manifestações a 22 de Junho. No Roménia,
funcionários públicos foram às ruas a 4 de Junho.
A resistência contínua na Grécia mostra aos trabalhadores
activistas e militantes da esquerda anti-capitalista que as suas lutas podem
abrir novos caminhos de avanço e determinar o resultado da actual crise
económica. A mais recentes greve geral de 24 horas na Grécia,
efectuada a 20 de Maio, registou um êxito do movimento dos trabalhadores
na ultrapassagem da campanha de propaganda dos mass media e das calúnias
provenientes do governo PASOK (Movimento Socialista Pan-Helénico). Mais
de 50 mil pessoas tomaram as ruas de Atenas e realizaram-se
manifestações nos principais centros urbanos do país
[1]
. Os professores do ensino público tomaram parte maciçamente na
manifestação de Atenas. A participação na greve foi
muito alta no sector público, mas menor no privado. As principais
federações sindicais também organizaram um dia de
comícios a 5 de Junho. Este combate está longe de acabado.
A greve geral de 5 de Maio
A greve geral e as manifestações de 5 de Maio foram um
êxito esmagador. Lançada pela Confederação Geral dos
Trabalhadores da Grécia (GSEE) e pelo sindicato dos empregados do estado
(ADEDY), o apelo para cessar o trabalho durante 24 horas foi cumprido
maciçamente tanto pelos trabalhadores do sector público como do
privado. Foram efectuadas manifestações em todas as principais
cidades por toda a Grécia, excepto Larissa. Elas realizaram-se em
Tripoli e Patra no Peloponeso, em Ioannina e Igoumenitsa no Épiro, em
Herakleion (Creta) e também em Salónica, a metrópole ao
Norte da Grécia onde milhares de manifestantes tomaram as ruas.
As maiores manifestações verificaram-se em Atenas. As ruas do
centro de Atenas foram tomadas por uma inundação humana de 250
mil cidadãos. A sua composição reflectiu a da classe
trabalhadora da metrópole grega em toda a sua diversidade: trabalhadores
do sector privado, tais como os dos estaleiros Skaramanga do Pireu,
trabalhadores de empresas de serviços públicos e do estado, tais
como os da companhia de electricidade (DEI), os professores e os enfermeiros do
sistema de saúde pública, desempregados e trabalhadores
reformados, imigrantes e trabalhadores não documentados, estudantes da
universidade e do secundário. Todas as palavras de ordem vindas das
fileiras de manifestantes exprimiram a recusa do povo a pagar os custos da
crise capitalista desencadeada pela finança global: "Não
à tempestade anti-trabalhadores", "Não à
flexibilidade, sim à semana de 35 horas", "Trabalhadores,
levantem-se! Eles estão a tomar tudo o que obtivemos",
"Nós pagámos os seus lucros, não pagaremos a sua
crise"
[2]
.
Johanna, de 30 anos, manifestou-se para "dizer não ao FMI. Eles
querem fazer-nos acreditar que vieram aqui para "resgatar" as
finanças do estado, mas não acredito nisso minimamente. Quem
aceitaria tal tratamento?"
Um profundo sentimento de injustiça está a guiar os protestos da
multidão. Yanni, um professor de 30 anos, explicou ao repórter de
l'Humanité:
"Toda a gente sente que não há justiça. O dinheiro
está ali mas eles não querem ir buscá-lo... Não
vejo outro caminho de saída: eles só nos apresentaram uma
opção"
[3]
.
A causas dos movimento contra o FMI/União Europeia/plano de austeridade
do governo do PASOK grego foram explicadas por Ilias Vretakou, vice-presidente
do sindicato ADEDY:
"Estamos a enviar de Atenas uma mensagem de luta e resistência para
os trabalhadores de todos os países europeus, contra a barbárie
dos mercados de capital, do governo e da União Europeia. O governo, o
FMI e a União Europeia decidiram levar os trabalhadores, a sociedade
grega, para a mais selvagem barbárie social que alguma vez conhecemos.
Eles estão a nivelar por baixo os trabalhadores e a sociedade.
Estão a roubar os nossos salários, estão a roubar nossas
pensões, estão a roubar nossos direitos sociais, estão a
roubar nosso direito à vida. Eles estão a impor a lei da selva
nas relações de trabalho,... reduzindo a taxa salarial para horas
extras. Eles tornaram possível para os patrões despedirem um
empregado mais velho e contratarem, com o mesmo dinheiro, três ou quatro
jovens trabalhadores em condições precárias"
[4]
Este discurso provocou aplauso entusiástico da multidão que havia
acabado de apupar o líder do GSEE, Panagopoulos, criticado pelos
sindicalistas de base pela relutância de Fevereiro no combate às
medidas de austeridade
[5]
. Dentre outros oradores, Claus Matecki (do sindicato alemão DGB) e Paul
Fourier (da CGT francesa) também provocaram aplausos vivos,
especialmente quando este último declarou: "Hoje, todos nós
somos gregos! Obrigado e boa sorte"
[6]
.
Dentre as forças políticas da esquerda, a Coligação
da Esquerda Radical (SYRIZA) e o Partido Comunista Grego (KKE) participaram
maciçamente nos protestos. Os social-democratas (PASOK) não
tiveram uma presença organizada, apesar das lutas internas da ala
esquerda do partido contra o plano de austeridade implementado pelo governo
PASOK.
Muitos dos manifestantes votaram PASOK em Outubro de 2009. Eles agora
estão desapontados e irados ao descobrir que a esquerda triunfante que
expulsou do governo o corrupto governo de direita de Kostas Karamanlis (Nova
Democracia) cedeu, sem qualquer combate, à política neoliberal do
capital financeiro. Dimitra, uma reformada residente na região de
Atenas, esperava que a vitória do PASOK "faria as coisas
melhor". Desapontada, ela está furiosa quando pensa no
primeiro-ministro George Papandreu, do PASOK: "Quando penso que votei por
idiota!"
[7]
A cobertura dos media das manifestações de 5 de Maio centrou-se
nos "kukuloforoi", os "mascarados", que atacaram
fisicamente símbolos da cultura de mercado e do capitalismo financeiro.
O banco Marfin e a rua Stadiu no centro de Atenas foram atacados por cocktails
Molotov e queimados. Três empregados do banco perderam as suas vidas no
incêndio. Os empregados do Marfin foram obrigados a trabalhar naquele dia
apesar do apelo à greve e foram literalmente trancados no banco.
Não havia plano para saída de emergência, tornando a sua
evacuação ainda mais difícil.
A resposta do movimento dos trabalhadores foi imediata e clara como cristal. Na
noite de 5 de Maio, o presidente da ADEDY explicou que estas
"práticas fascistas pretendem assustar o povo num momento em que a
luta de massa é necessária para travar as medidas que
lançam a vidas dos gregos na adversidade"
[8]
. No dia seguinte, 6 de Maio, uma multidão de luta reuniu-se na
Praça Sintagma, em frente ao Bouli (parlamento grego), a fim de
denunciar a adopção do plano de austeridade pelos representantes
eleitos da Assembleia Nacional
[9]
.
Este desencadear da violência de rua não deixa de se relacionar
com a exasperação para com o governo Papandreu. O plano de
austeridade imposto ao povo grego pelos mercados financeiros as
principais instituições financeiras, o FMI e a União
Europeia é uma flagrante negação da soberania
nacional e da democracia. Além disso, o governo aguenta-se no
chão desde Fevereiro e recusa-se a atender à mensagem das ruas.
Ao invés disso, intensifica o autoritarismo do plano de austeridade:
desde que foi aprovado pela Assembleia Nacional em 6 de Maio (com os votos dos
socialistas PASOK, da Nova Democracia e dos nacionalistas-racistas do LAOS),
ele será aplicado através de uma série de ordens do
Ministério das Finanças, não deixando qualquer
espaço para a interferência parlamentar e limitando os
representantes eleitos do povo a uma capacidade consultiva puramente formal.
A falta de legitimidade democrática do plano portanto abre a porta, em
alguns componentes mas margens do movimento social, a conceitos de legitimidade
da violência de rua (choques com a polícia, queima de
vários símbolos da ordem capitalista, etc). O partido da ordem
capitalista encabeçado pelo PASOK tem portanto como corolário a
violência dos "kukuloforoi" nas mobilizações.
Totalmente alheio aos "mascarados", o flagrante impulso
autoritário das medidas de austeridade alimenta uma aguda
tendência anti-parlamentar dentro de secções do movimento
dos trabalhadores. Slogans tais como "Deixe-os queimar!" ou
"Entreguem os ladrões ao povo!" foram gritadas várias
vezes na manifestação. Dúzias de manifestantes
também tentaram cortas as linhas de segurança do Parlamente,
até serem violentamente repelidas pelas forças policiais
[10]
.
Olhar o antes e o após 5 de Maio
As acções de 5 de Maio registaram um êxito porque foram
preparadas: a unidade da mobilização em massa não foi uma
resposta espontânea, mas antes o resultado de três meses de
mobilizações dos sindicatos de trabalhadores. Já em 24 de
Fevereiro, o movimento sindical comprometeu-se a combater o anunciado plano de
austeridade, negando portanto à classe dominante e seus porta-vozes um
monopólio da informação e da política. É
precisamente este criticismo, efectuado através de acções
nas ruas e lugares de trabalho, os quais permitiram ao movimento social
comunicar possíveis cenários diferentes daquele escrito pelo
capital financeiro. Portanto, a noção reaccionária e
desmobilizadora de que este plano é um mal necessário foi
abalada, abrindo o caminho para o contra-ataque popular.
Em 24 de Fevereiro, a primeira greve geral respondeu às medidas de
austeridade anunciadas pelo governo. Em Atenas, 45 mil pessoas estiveram nas
ruas; em Salónica, havia 10 mil. Na manifestação de
Atenas, Dimitri, um engenheiro civil de 28 anos, explicou as razões da
mobilização: "Queremos um emprego, salários decentes
e um verdadeiro sistema de segurança social. Nosso país tem de
respeitar normas da União Europeia que são injustas"
[11]
. Uma segunda greve geral de 24 horas teve lugar a 11 de Março,
juntamente com manifestações nas principais cidades do
país.
As greves gerais de 24 horas (24 de Fevereiro, 11 de Março, 5 de Maio e
20 de Maio) foram sem dúvida os exemplos mais visíveis das
mobilizações populares contra a austeridade. Mas outras
acções, de âmbito mais limitado, desempenharam um papel
crucial para elevar a força e assegurar a continuidade do movimento de
resistência. Fabrien Perrier, repórter do diário
l'Humanité,
do PCF, sublinhou a atmosfera de agitação social tomava conta de
Atenas no fim de Abril. "Em Atenas, a cada dia, as ruas estão a
reflectir os gritos dos manifestantes e a ira de corpos profissionais"
[12]
.
Muitas destas mobilizações ajudaram a preparar a greve geral. Em
5 de Março, por exemplo, foram efectuadas reuniões em massa em
muitas cidades para preparar a greve geral de 11 de Março. A
reunião em Volos (uma cidade na costa da Tessália, Norte de
Atenas) reuniu não só sindicalistas como também
trabalhadores despedidos da METKA, antecedendo um concerto de solidariedade de
muitos artistas. Da mesma maneira, o 1º de Maio estimulou as
mobilizações de massa antes da greve geral de 5 de Maio. O
sindicato dos empregados do estado (ADEDY) apelou à greve de 4 de Maio
pela mesma razão. O seu apelo foi seguido e foram efectuadas
manifestações naquele dia.
Estas mobilizações limitadas também permitiram ao
movimento dos trabalhadores empenhar-se na batalha para ganhar a opinião
pública. Muitas acções portanto responderam ao governo a
cada volta da crise. Portanto, quando George Papandreu efectuou uma
conferência de imprensa a 25 de Abril para anunciar que desencadearia o
mecanismo europeu de apoio financeiro, centenas de manifestantes responderam
nas ruas do centro de Atenas a gritas: "A luta do povo destruirá a
carnificina do FMI"
[13]
. Dois dias depois, a 27 de Abril,
funcionários públicos estavam em greve e professores estavam a
acampar na Praça Sintagma, em frente ao Parlamento, para denunciar a
hemorragia sofrida pelo sistema público de educação. Nesse
meio tempo, o porto de Pireu foi bloqueado por uma greve de 24 horas dos
trabalhadores marítimos a seguir ao apelo do seu sindicato, o PNO.
Passo a passo, o que parecia inevitável na cabeça da maioria
tornou-se uma questão a ser resolvida pela correlação de
forças. Um inquérito de opinião do jornal grego
To Vima
estimou a proporção daqueles contra a redução de
salários em 79,5% da população
[14]
. Dentro do movimento social, os participantes estão a ganhar
confiança e a ideia de que o resultado da luta ainda não
está estabelecido ganha terreno. Despina, de 27 anos, não tomou
parte nas manifestações de 4 de Maio de empregados
públicos. Ela sublinhou contudo ao repórter do
Humanité
que "aqueles que estão no movimento estão certos: eles
entenderam as causas deste movimento. Os funcionários públicos
são as primeiras [vítimas directas das medidas de austeridade],
mas todos na Grécia vão sofrer. Os sindicatos estão unidos
e o governo está começando a abalar"
[15]
.
Todas as pessoas progressistas saúdam a resistência dos
trabalhadores gregos à ditadura do capital financeiro. As
mobilizações dos últimos três meses têm sido
dignas da herança política da luta contra a junta ditatorial
(1967-1974) e da resistência anterior ao fascismo. Muitas questões
cruciais ainda estão para serem resolvidas.
Antes de mais nada, a estratégia seguida pela liderança sindical
está aberta ao questionamento. Face a um governo que se recusa a atender
aos protestos do povo nas ruas e além disso obriga o parlamento a
aplicar medidas ditadas pelos grandes negócios, não haverá
um risco de que repetidas greves de 24 horas acabassem por ser a prova da
impotência do movimento para alterar o curso dos acontecimentos? O
movimento dos trabalhadores em França sofreu um retrocesso
desmoralizante na Primavera do ano passado após três rodadas de
greves gerais de 24 horas. O desenlace dos acontecimentos ainda não
está decidido na Grécia.
Mas o tempo poderia estar do lado dos trabalhadores, desde que os seus
líderes tenham a coragem necessária. Até quando, por
exemplo, poderia o governo PASOK e seus parceiros europeu aguentar-se face a
uma greve geral ilimitada dirigida por assembleias-gerais do movimento de massa?
Uma segunda questão relaciona-se com a estrutura organizativa do
movimento social. Será ela capaz de unir-se numa vou ou plataforma
única? Será capaz de estabelecer um órgão
democrático e unificado que fale pelos seus diferentes componentes nas
ruas e assegure controle autónomo das suas mobilizações?
Estas questões parecem cruciais uma vez que determinarão durante
os próximos meses o êxito ou o fracasso da tentativa dos
trabalhadores de dar nascimento a novas possibilidade e portanto repelir a
fatalidade da barbárie neoliberal. As apostas são altas: o futuro
imediato do estado social está a ser decidido hoje nas ruas de Atenas.
Notas
1. Ver "Grèce, après la grève" by Andreas
Sartzekis.
2. Avgi, May 6.
3. L'Humanité, May 6.
4. Avgi, May 6.
5. A primeira greve contra as medidas de austeridade foi lançada pela
ADEDY dos empregados do estado em 11 de Fevereiro, ao passo que as
lideranças de topo do GSEE recusaram-se a aderir argumentando que os
interesses dos trabalhadores do sector privado não eram postos em perigo
pelos anúncios do governo. É útil sublinhar que
Panagopoulos é membro do Movimento Socialista Pan-helénico
(PASOK) encabeçado pelo primeiro-ministro George Papandreu. Face
à crescente pressão das bases, os líderes do GSEE
alinharam com a ADEY a 24 de Fevereiro durante a primeira greve geral de 24
horas. L'Humanité, May 6.
6. L'Humanité, May 6.
7. L'Humanité, May 11.
8. Avgi, May 6.
9. Avgi, May 7.
10. Avgi, May 6.
11. L'Humanité, February 25.
12. L'Humanité, April 27.
13. Avgi, April 25.
14. L'Humanité, May 5.
15. L'Humanité, May 5.
[*]
Natural de Quebec, vive em Paris. Uma versão anterior deste artigo
foi publicada em francês com o título "La résistance
sociale en Grèce: bilan et perspectives".
O original encontra-se em
http://www.socialistproject.ca/bullet/366.php
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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