O colapso da aventura no Iraque e o balanço dos crimes contra a
humanidade
por Durval de Noronha Goyos
[*]
Na semana passada, o chefe das forças armadas britânicas, general
Sir Richard Dannat, deu a aventura no Iraque por perdida militarmente e
propôs aos líderes políticos a retirada das tropas do Reino
Unido, que é sabidamente o principal aliado dos Estados Unidos da
América (EUA) naquela malsinada empreitada.
A declaração foi contemporânea à
divulgação, por fontes altamente fidedignas, que a invasão
levada a efeito em 2003 causara a morte de nada menos do que 650 mil
iraquianos. À guisa de comparação, Sadam Hussein
está sendo julgado, por ilegítimo tribunal de
exceção, pelo homicídio de 150 curdos.
Nos EUA e no Reino Unido, a aventura do Iraque está a ser hoje cada vez
mais criticada, mesmo por aqueles irresponsáveis que a apoiaram
originalmente, sob a perspectiva da incompetência política e
administrativas dos agentes dos governos Bush e Blair e não sob os
critérios do direito internacional, o que teria
implicações de todo diversas e, de resto, mais adequadas.
De fato, a Carta da Organização das Nações Unidas
(ONU), em seu artigo 2(4) proíbe qualquer ação armada, a
menos que nos casos de auto-defesa ou de medida autorizada por este organismo
multilateral. Ora, a Resolução 1441 do Conselho de
Segurança da ONU não autorizou qualquer medida militar contra o
Iraque, o que fez por caracterizar a ação dos EUA e do Reino
Unido como ilegal.
Como resultado, os EUA e seus aliados tornaram-se
tyranni absque titulo,
pelo vício de legitimação e, enquanto forças de
ocupação,
tyranni quoad exercitium,
pelo exercício ilegal do poder. Mais ainda, no exercício
tirânico do poder, as forças de ocupação cometeram
os mais diversos crimes contra a Humanidade e violaram um amplo elenco de
convenções internacionais, desde as de Genebra, passando pela
contra a tortura, indo até os estatutos de Roma do Tribunal Penal
Internacional.
Por sua vez, as forças ilegais de ocupação, que sofrem
altas baixas pessoais, e que perderam o efetivo controle sobre o
território iraquiano para os diversos grupos de insurgentes, buscam uma
estratégia de saída. O títere Parlamento iraquiano,
dominado por maioria de origem xiita, aprovou, dias atrás, uma emenda
à Constituição dando um caráter federal ao
país, a ser dividido em três zonas: uma xiita, ao sul; uma sunita,
no centro; e outra curda, ao norte.
Essa iniciativa é o germe do arquitetado, pelas forças de
ocupação praticamente derrotadas, fim do Iraque como Estado.
Ironicamente, o Iraque havia sido construído artificialmente como
país pelo Reino Unido, na Conferência de Versailles que se seguiu
ao fim da 1ª Guerra Mundial, já que a potência desejava
dominar o petróleo que havia sido encontrado no norte. Como os portos
situavam-se ao sul, impunha-se aos imperialistas a geografia então
moldada.
Se a nova iniciativa prevalecerá, somente o futuro poderá dizer.
O destino do Iraque parece cada vez mais sujeito à força das
armas, desencadeada pela irresponsável e criminosa aventura das
potências responsáveis. Permanecerá, todavia, a
tragédia e a miséria mais absoluta no seio do povo iraquiano e,
com ela, a responsabilidade criminal de seus agentes, nos termos do direito
internacional.
18/Outubro/2006
[*]
Advogado admitido no Brasil, em Portugal e na Inglaterra e País de
Gales. Sócio principal do gabinete Noronha Advogados. Licenciado em
direito pela PUC-SP (1975). É árbitro do GATT (General Agreement
on Tariffs and Trade) y da OMC (Organização Mundial do
Comércio) e professor de direito do comércio internacional na
pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).
Publicou diversos livros, dentre eles
O novo direito internacional público.
Do mesmo autor:
Os EUA e a opressão à liberdade de expressão
O Congresso americano e a infame redução das liberdades individuais
O original encontra-se em
http://ultimainstancia.uol.com.br/colunas/ler_noticia.php?idNoticia=32433
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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