Iraque: A quem aproveita a guerra fratricida?
por La Jornada
Após o atentado que destruiu a mesquita da Cúpula Dourada, em
Samarra, um dos mais importantes templos xiitas no Iraque, desencadeou-se uma
onda de violência cujas principais vítimas são de origem
sunita: mais de 130 integrantes deste ramo do islão foram assassinados
em Bagdad e em Bassorá nas últimas horas, e mais de uma centena
de lugares de oração sunitas foram atacados com diferentes graus
de agressividade. As conversações para formar um governo de
unidade entre as forças políticas dos três principais
grupos de população sunitas, xiitas e curdos
descarrilaram em consequência da escalada, e no ocidente antecipa-se
já uma guerra civil naquele país ocupado.
Com os reflexos mentais adubados pela desinformação dos grandes
media, dá-se por assente que o ataque à mesquita foi perpetrado
por algum dos grupos insurgentes sunitas que combatem os ocupantes
anglo-estadunidenses e o governo curdo-xiita de Yalal Talabani e Ibrahim al
Yaafari, apesar de nenhum grupo haver reivindicado a acção
criminosa. Contudo, a suposta autoria sunita do ataque está longe de
ser óbvia, assim como não o são os diversos ataques a
templos e multidões xiitas que se têm perpetrado no
destroçado país árabe.
Os sunitas, de facto minoritários em termos demográficos e
expulsos do poder pela invasão e arrasamento do Iraque, têm tudo a
perder com esta classe de acções destinadas a granjear-lhe o
ódio da maioria xiita e minar as possibilidades de preservar em alguma
medida a unidade nacional, severamente fracturada pelo texto constitucional
ideado pelos ocupantes ocidentais.
Em troca, a confrontação entre iraquianos de diferentes etnias e
correntes islâmicas, e o linchamento maciço de sunitas, favorecem
de modo evidente os interesses dos invasores anglo-estadunidenses. Por um
lado, Washington e Londres continuam persuadidos de que a
população sunita é o principal sustentáculo da
resistência armada contra a ocupação, por outro, actos
tão provocadores como o referido dão oportunidade aos governos de
George W. Bush e Tony Blair para justificar a permanência das tropas
estadunidenses e britânicas no território iraquiano. Além
disso, a ruptura das conversações para a formação
do governo torna evidente o caos imperante no Iraque posterior à
ditadura de Saddam Hussein e permite argumentar quanto à necessidade de
perpetuar a ocupação militar.
Tendo essas considerações em mente, torna-se iniludível
considerar a possibilidade de que o atentado tenha sido planeado e executado
pelos próprios estadunidenses. Ninguém ignora que Washington e
seus serviços secretos montaram, em repetidas ocasiões,
provocações como essa para atiçar conflitos que podiam
favorecer os interesses imperiais.
Quanto à capacidade de operação dos soldados ocidentais
destacados no Iraque, é preciso recordar que recentemente, em
Bassorá, as autoridades locais detiveram militares britânicos que
operavam disfarçados de árabes, e que as forças de Londres
protagonizaram um violento resgate dos seus efectivos da prisão local.
Washington carece da capacidade e também, talvez, da vontade de
pacificar o Iraque, mas tem, em troca, meios de sobra para vestir alguns dos
seus comandos com uniformes da polícia local e mandá-los explodir
uma mesquita.
Sim, sem dúvida a destruição do templo xiita tem como
finalidade semear "a discórdia civil", como disse Bush; sim,
trata-se de um "crime para incitar o ódio sectário",
segundo palavras de Talabani. Além disso, poderia muito bem tratar-se
de um atentado de autoria estadunidense, como assegurou sem rodeios o
presidente do Irão, o xiita Mahmud Ahmadineyad.
Se não estivesse clara a vontade do governo de Washington de destruir o
Iraque, bastaria considerar os suportes gráficos e videográficos
que documentam a destruição vesânica perpetrada nesse
país pelos invasores, os quais, na primavera de 2003, bombardearam
hospitais, escolas, igrejas e bairros residenciais, permitiram o saqueio de
museus e bibliotecas e consentiram na pilhagem e no incêndio dos
principais gabinetes públicos. Por que haveriam de hesitar tanto na
hora de arrebentar uma mesquita, sobretudo se com isso se tornassem, na sua
própria lógica, "imprescindíveis" naquela
país árabe?
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2006/02/24/edito.php
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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