O massacre dos iraquianos
por Eduardo Maia Costa
[*]
O estudo, agora divulgado, da revista científica britânica
The Lancet
sobre a mortalidade no Iraque depois da invasão de 2003 apresenta
conclusões brutais: cerca de 655 mil iraquianos mortos, uma
média de 500 por dia!
Este estudo foi realizado entre Maio e Julho deste ano por uma equipa de
epidemiologistas americanos e incidiu sobre 47 núcleos residenciais
seleccionados aleatoriamente, contendo cada núcleo 40 lares. Foram
analisados os dados de 1849 lares, onde viviam 12 801 pessoas. A taxa de
mortalidade, que era antes da invasão de 5,5 por mil habitantes, passou
para 13,3 por mil nos 40 meses subsequentes àquela. Calcula-se que
até Julho passado houve um total de 654 965 mortes como
consequência da guerra, o que corresponde a 2,5% da
população, sendo 601.027 devidas a violência, geralmente
por arma de fogo.
O estudo confirma e actualiza um anterior, também publicado na mesma
revista, e que estimava que durante o período de Março de 2003 a
Setembro de 2004 teriam ocorrido 100 mil mortes no Iraque por causas
relacionadas com a guerra. Quem quiser ter mais informação sobre
o estudo, terá acesso ao seu texto através do site
www.thelancet.com/
.
Não importa aqui analisar criticamente a metodologia utilizada, mas
afigura-se que é a mais adequada, embora assente em estimativas, uma vez
que não existem registos oficiais exaustivos e credíveis. Por
isso, a análise comparativa entre o antes e o depois da invasão
em matéria de mortalidade em núcleos residenciais escolhidos
aleatoriamente apresenta-se como a análise mais rigorosa possível
nas condições actuais. Aliás, a seriedade
científica da revista é inquestionável.
O que importa, sim, realçar, é o que estes números
impressionantes mostram: o que se tem passado no Iraque nestes
últimos
três anos e meio é um verdadeiro massacre do povo iraquiano, que
atinge todos os estratos etários, mas sobretudo os mais jovens,
comprometendo o rejuvenescimento da população e a
recuperação do país, massacre directamente provocado, num
primeiro momento, pelos invasores e ocupantes estrangeiros, através do
seu arsenal aéreo, e, num segundo momento, sobretudo pela
repressão da insurreição, e pela perseguição
sectária de que são encarregados os "esquadrões da
morte", que as "autoridades" não podem, ou não
querem, travar.
Completamente errado seria pensar que a ocupação é apesar
de tudo necessária para manter alguma estabilidade governativa e
institucional e que a retirada dos ocupantes traria a guerra civil e o caos
completo ao Iraque. É que o problema está precisamente na
ocupação, e só o seu fim, com a devolução da
soberania ao povo iraquiano, poderá abrir um caminho de
pacificação e um processo político livremente negociado
entre os partidos e as forças representativas do povo iraquiano que
conduza à reorganização do estado e à
legitimação do poder. Um processo que não poder ser ditado
pelos ocupantes, pois já se viu que o povo iraquiano não aceita
tutelas de tipo colonial nem governantes impostos por essa via.
Quanto tempo levará ainda para os ocupantes perceberem isso? Quantos
mortos terá ainda que haver da parte de ocupantes e de ocupados para que
isso se torne claro para os primeiros? A denúncia do massacre é
essencial para pressionar governantes tão teimosos e arrogantes como os
da principal potência ocupante. E este estudo da revista
The Lancet
é um elemento precioso nesse sentido.
14/Outubro/2006
[*]
Procurador-Geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça, coordenador
da equipa de juristas que elaborou a
Acusação
apresentada perante
a Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque, realizada em
Lisboa em Março de 2005.
O original encontra-se em
http://www.tribunaliraque.info/pagina/artigos/depoimentos.html?artigo=142
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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