Em estudo na Islândia:
Retirar aos bancos comerciais a capacidade de criar moeda
por Romaric Godin
Um relatório do Parlamento islandês sugere dar unicamente ao banco
central o monopólio da criação monetária. Uma
verdadeira revolução, se a ideia fosse aplicada.
Decididamente, a Islândia é o país da criatividade
financeira. Depois de ter mostrado, em 2009, que existia efectivamente uma
alternativa à transferência da dívida bancária para
a dívida pública, a ilha nórdica poderia preparar-se para
realizar uma grande experiência monetária.
Em 31 de Março, de facto, o presidente do comité de assuntos
económicos do Althingi, o parlamento islandês, Frosti
Sigurdjonsson, enviou um relatório ao primeiro-ministro, Sigmundur
Gunnlaugsson, sobre a reforma do sistema monetário islandês. E
é uma verdadeira revolução o que ele propõe.
A ausência de domínio do banco central sobre o sistema
monetário
O relatório procura reduzir o risco de bolhas e de crises no
país. Em 2009 a Islândia experimentou uma crise muito aguda que se
seguiu a uma explosão do crédito alimentado por um sistema
bancário tornado demasiado generoso nos empréstimos e demasiado
inconsciente na sua gestão dos riscos.
Nem o Estado, nem o banco central islandês (
Sedlabanki
) puderam travar este frenesim. "Entre 2003 e 2006, recorda Frosti
Sigurdjonsson, o Sedlabanki elevou a sua taxa de juro e advertiu contra um
sobre-aquecimento,
o que não impediu o bancos de [continuar a] aumentar a massa
monetária".
Como funciona o sistema actual
No sistema actual, são de facto os bancos comerciais que criam o
essencial da massa monetária, concedendo empréstimos à
discrição. O banco central não pode senão tentar
desencorajar ou encorajar, pelo movimento das taxas ou por medidas não
convencionais, esta criação. Mas a transmissão da
política monetária aos bancos nunca é uma garantia.
Apesar da alta das taxas do Sedlabanki, a confiança e a euforia que
reinava na Islândia no princípio dos anos 2000 sustentou o
processo de criação monetária. Quando a procura existe,
nada pode impedir os bancos de emprestar. Quando ela desaparece, nada pode
constrangê-los a fazer. E muitas vezes estes movimentos são
excessivos, o que cria desequilíbrios e depois correcções
por crises em que o Estado Deve frequentemente vir em socorro dos bancos. E
quando é preciso retomar a actividade, os bancos centrais muitas vezes
têm dificuldade em serem ouvidos.
O caso da zona euro é uma prova. Foi preciso que o BCE usasse meios
imensos, o anúncio de uma QE de 1.140 mil milhões de euros, para
que o crédito começasse a se reerguer na zona euro e, ainda
assim, até agora de modo muito limitado.
Uma ideia antiga
Daí esta ideia central do relatório de Frosti Sigurdjonsson:
retirar aos bancos o poder de criação monetária. Como
sublinha o antigo presidente da autoridade financeira britânica, Aldair
Turner, que prefacia o relatório, "a criação
monetária é uma matéria demasiado importante para ser
deixada aos banqueiros".
Esta ideia na realidade não é nova. Após a crise de 1929,
economistas estado-unidenses haviam proposto, em 1933, o "plano de
Chicago" que propunha abolir a capacidade dos bancos de criarem moeda por
si mesmos. Ela teve um grande êxito, mas não uma verdadeira
tradução concreta.
Em 1939, o economista Irving Fischer, um do que haviam examinado mais de perto
a crise de 1929, havia proposto transferir o monopólio da
criação monetária ao banco central. James Tobin, Milton
Friedman e outros reflectiram igualmente sobre este assunto. Mas a proposta
islandesa, que Frosti Sigurdjonsson apresenta como "uma base de
discussão" para o país, é a primeira proposta de
passagem a um outro sistema que ele denomina o "sistema monetário
soberano".
Decidir acerca da criação monetária no interesse da
economia
Qual é este sistema? O relatório indica que a Islândia
"sendo um Estado soberano com uma moeda independente é livre para
reformar seu sistema monetário actual, que é instável, e
por em vigor um sistema monetário de melhor qualidade". Neste
sistema, só o Banco central terá o monopólio da
criação monetária, nenhuma coroa poderá circular se
não tiver sido emitida na origem pelo Sedlabanki.
Este último poderá portanto fazer evoluir a massa
monetária em função dos seus objectivos "no interesse
da economia e de toda a sociedade". Frosti Sigurdjonsson propõe que
um "comité independente do governo tome decisões sobre a
política monetária de modo transparente".
O Banco central criará a moeda concedendo empréstimos aos bancos
comerciais para que eles a seguir emprestem somas equivalentes às
empresas e aos particulares, mas também financiando aumentos de despesas
públicas ou isenções de impostos, ou ainda pela recompra
de dívidas públicas. Para impedir a criação
monetária pelo sistema bancário, serão criados dois tipos
de contra junto do banco central.
Contas de transacções e de investimentos
As primeiras serão as "contas de transacções".
Estas contas representarão depósitos dos particulares e das
empresas. Os bancos comerciais administrarão estas contas, mas
não poderão modificar os montantes. O dinheiro depositado nestas
contas não produzirá juro, mas será garantido na
totalidade pelo banco central.
Um segundo tipo de contas, as "contas de investimentos", será
criado em paralelo. Os agentes económicos poderão transferir
fundos das contas de transacção para as contas de investimentos.
O dinheiro colocado nestas contas será investido pelos bancos e
será bloqueado durante um período determinado.
Os bancos poderão então propor àqueles que colocam seu
dinheiro nestes fundos diferentes tipos de produtos, nomeadamente produtos de
risco com alto rendimento. Trata-se concretamente de separar tanto quanto
possível o dinheiro do crédito. O risco ligado ao crédito
não desaparece, mas é limitado pela obrigação
não emprestar senão o dinheiro depositado nestas contas de
investimentos.
Corridas Bancárias
Para Frosti Sigurdjonsson, este sistema permitirá uma gestão mais
realista da massa monetária não mais no interesse dos agentes
privados, mas naquele da colectividade. A garantia sobre os depósitos
permitirá evitar uma corrida aos guichets
(Ban Run),
sem reduzir a responsabilidade daqueles que teriam investido nos produtos de
risco.
Com este sistema, não é necessária uma
separação bancária entre banco de investimento e banco de
depósito uma vez que a actividade de banco de depósitos
será garantida pelo banco central. De resto, a garantia implícita
do Estado de que beneficiam os grandes bancos desaparecerá por si mesma.
Gerir a transição
Para a transição, Frosti Sigurdjonsson propõe transferir
os depósitos detidos nos bancos comerciais para as contas de
transacção. Esta transição será feita pela
emissão de um crédito sobre os bancos que será detido pelo
Sedlabanki e que será pago ao longo de vários anos pelos bancos.
Este "passivo de conversão" elevar-se-ia a 450 mil
milhões de coroas islandesas, ou seja, 3,05 mil milhões de euros.
Este dinheiro saído dos bancos comerciais será portanto
progressivamente substituído pelo dinheiro oriundo do banco central.
Nesta fase de transição, as somas pagas pelos bancos poderiam
servir seja para reduzir a dívida pública, seja para reduzir, se
necessário, a massa monetária, pela anulação de uma
parte dos fundos dispendidos.
Os problemas colocados
Esta proposta não resolverá todos os problemas. Certamente, os
empréstimos serão sem dúvida menos importantes e o
crescimento da economia sem dúvida menos forte. Mas o projecto é
ter uma economia mais estável e, no longo prazo, ao mesmo tempo mais
efectiva. Ao invés de ver a economia crescer a 5% ao ano, depois
corrigir para 3%, poder-se-ia ter um crescimento estável de 2% sem
solavancos...
A independência do comité do Banco central será muito
hipotética, pois o Estado será uma correia natural da
criação monetária e um risco de excesso não se pode
excluir, ainda que o Estado também possa pretender representar o
interesse geral tão bem quanto este comité independente.
Mas há uma ambiguidade que pode ser problemática. As
ligações com os outros sistemas monetários
clássicos para uma pequena economia como a Islândia ainda
estão por explorar.
Matthew Klein, no Financial Times
, sublinhou igualmente que este novo sistema não reduz o risco de
financiamento de investimentos a longo prazo por investimento a curto prazo que
esteve na origem da crise de 2007-2008.
Enfim, não se trata senão de uma proposta. O primeiro-ministro
recebeu bem o relatório. Mas irá ele lançar uma tal
convulsão de grande amplitude? Os islandeses estarão prontos a
dar o passo? A discussão, pelo menos, está lançada.
Ver também:
Relatório do parlamento islandês
Plano para recuperar o poder de criação monetária
, 14/Abril/2015
O original encontra-se em
www.latribune.fr/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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