A crise em desdobramento e a relevância de Marx
Alguns de vocês talvez tenham estado presentes na nossa reunião de
Maio deste ano neste edifício, quando recordei o que havia dito a Lucien
Goldman, em Paris, poucos meses antes do histórico
Maio de 1968
francês. Em contraste com a perspectiva então prevalecente do
"capitalismo organizado", que se supunha ter deixado para trás
com êxito o estágio da "crise do capitalismo"
uma visão fortemente asseverada por Marcuse e nessa época
também partilhada pelo meu querido amigo Lucien Goldman insisti
no facto de que, em comparação com a crise em que estamos
realmente a
entrar, "a Grande Crise Económica Mundial de 1929-1933" se
parecer com "uma festa no salão de chá do
vigário".
Nas últimas semanas vocês tiveram uma antevisão do que eu
tinha em mente. Mas apenas uma
antevisão,
porque a crise estrutural do sistema do capital como um todo, a qual estamos a
experimentar na nossa época numa escala de era, está destinada a
ficar consideravelmente pior. Ela tornar-se-á na devida altura muito
mais profunda, no sentido de invadir não apenas o mundo das
finanças globais mais ou menos parasitárias como todos os
domínios da nossa vida social, económica e cultural.
A questão óbvia que devemos agora tratar refere-se à
natureza da crise global em desdobramento e as condições
necessárias para a sua solução factível.
A CONFIANÇA E A FALTA DELA
Se tentarem recordar o que foi infindavelmente repetido nas últimas duas
semanas acerca da crise actual, há uma palavra que se destaca,
ensombrando todos os demais diagnósticos apregoados e os remédios
correspondentes. Essa palavra é
confiança.
Se ganhássemos uma nota de dez libras por cada vez que esta palavra
mágica foi oferecida para consumo público nas últimas duas
semanas em todo o mundo, sem mencionar a sua continuada
reafirmação desde então, estaríamos todos
milionários. O nosso único problema seria então o que
fazer com os nossos milhões subitamente adquiridos. Pois nenhum dos
nossos bancos, nem mesmo os nossos
bancos nacionalizados
recentemente nacionalizados ao custo considerável de não
menos do que dois terços dos seus activos de capital poderia
fornecer a lendária "confiança" necessária ao
depósito ou ao investimento seguro.
Até o nosso primeiro-ministro, Gordon Brown, nos apresentou na semana
passada a frase memorável
"Confiança é a coisa mais preciosa".
Conheço a cantiga e provavelmente a maioria de nós
também a conhece que nos diz que: "O amor é a coisa
mais preciosa". Mas a
confiança no sistema bancário capitalista
ser a coisa mais preciosa?! Tal sugestão é absolutamente
perversa!
No entanto, a advocacia deste remédio mágico parece agora ser
universal. A palavra é repetida com tamanha convicção
como se a "confiança" pudesse simplesmente chover do
céu ou crescer em grande abundância em árvores financeiras
"capitalistamente" bem adubadas.
Há três dias atrás (a 18 de Outubro) o programa da BBC das
manhãs de domingo o programa Andrew Marr entrevistou um
eminente cavalheiro idoso, Sir Brian Pitman, o qual foi apresentado como o
antigo Chefe do negócio bancário do Lloyd's. Eles não
disseram quando ele liderou aquela organização, mas o modo como
falou logo o tornou claro. Pois transpirou através das suas
respostas respeitosamente recebidas que ele deve ter sido o Chefe do Lloyd's
Bank bem antes da Crise Económica Mundial de 1929-33. Consequentemente,
para encorajar os telespectadores, ele apresentou uma grande
inovação conceptual no discurso da confiança ao dizer que
as nossas perturbações eram todas elas devidas a alguma
"Super-confiança". E imediatamente demonstrou também o
significado de "Super-confiança", ao afirmar, mais de uma vez
naquela curta entrevista, que não pode haver problemas sérios
hoje, porque o mercado sempre toma conta de tudo, mesmo que por vezes ele
vá inesperadamente muito abaixo. Posteriormente ele sempre sobe outra
vez. De modo que ele também fará isso desta vez, e subirá
infalivelmente repetidas vezes no futuro. A crise actual não deveria
ser exagerada, disse ele, porque é muito menos séria hoje do que
a que experimentámos em 1974. Pois em 1974 tivemos uma semana de
três dias de trabalho na Grã-Bretanha [ainda que em nenhum outro
lugar] e agora não temos isso. Temos? E quem poderia argumentar contra
aquele facto irrefutável?
A TRÍADE PSEUDO-HEGELIANA
Assim, temos agora a palavra mágica explicativa para todas as nossas
perturbações não a apresentar-se como um
órfão infeliz, solitário, mas como parte de algo como uma
tríade "fukuyamizada" pseudo-hegelina:
confiança falta de confiança
e
super-confiança.
O único constituinte que falta neste discurso mágico
explicativo é agora o
fundamento real
do nosso perigoso sistema de banca e seguros que opera no terreno dos
truques de confiança
em proveito próprio que mais cedo ou mais tarde estão destinados
a serem (e de tempos em tempos realmente têm sido) descobertos.
De qualquer forma, toda esta conversa acerca das virtudes absolutas da
confiança na administração económica capitalista
assemelha-se muito à explicação oferecida pela mitologia
indiana acerca da base de suporte do universo. Pois naquela antiga
visão do mundo dizia-se que o universo era carregado, muito
reconfortantemente, sobre as
costas de elefantes.
E os poderosos elefantes?, você poderia perguntar. Ninguém
pensaria que isso fosse uma dificuldade. Pois os elefantes são, ainda
mais
reconfortantemente, suportados nas costas da
tartaruga cósmica.
Mas, e quanto à própria tartaruga cósmica? Não
é suposto que pergunte tal questão, para que não sirva de
alimento aos tigres de Bengala, antes de eles serem extintos.
Felizmente, talvez (?),
The Economist
é um bocadinho mais realista na sua avaliação da
situação.
No contexto deste nosso assunto penoso, a agora reconhecida pioria da crise
económica, vou apresentar-lhes citações exactas, incluindo
alguns números malditos de fracassos capitalistas que já
não são negáveis, retirados principalmente de
publicações bem estabelecidas e com uma consciência de
classe desavergonhadamente burguesa como
The Economist
e
The Sunday Times.
Vamos citá-las meticulosamente, palavra por palavra, não
só porque elas são eminentes no seu campo como também a
fim de evitar que nos acusem de "viés e distorção de
esquerda".
Marx costumava dizer que nas páginas de
The Economist
a classe dominante estava a "conversar consigo própria". As
coisas mudaram um pouco desde aquele tempo. Pois agora até mesmo no
campo especializado da "perícia económica" a classe
dominante precisa de um órgão de propaganda de
circulação em massa, com o objectivo da
mistificação geral. No tempo em que Marx viveu a classe
dominante estava cheia de "confiança", e também de um
grande bocado de "super-confiança" incontestada, para
necessitar disso. Assim, sob as menos arrogantes circunstâncias actuais,
o semanário de distribuição em massa com sede em Londres,
The Economist,
o farisaico porta-voz do anual "Davos Jamboree" dominado
pelos EUA é cauteloso ao conceder que a crise que estamos a
enfrentar hoje refere-se às dificuldades de "Salvar o
sistema", conforme a sua capa do número de 11 de Outubro de 2008.
Podemos admitir, naturalmente, que nada menos do que "salvar o
sistema" (ou não) é o que está em causa no nosso
tempo, mesmo que a discussão de
The Economist
deste problema seja um tanto estranha e contraditória. Pois no seu
modo habitual de tentar apresentar a sua posição altamente
partidária como uma visão objectivamente "equilibrada",
utilizando a fórmula do "por um lado isto e por outro lado
aquilo", o
The Economist
sempre consegue atingir a sua desejada conclusão em favor da ordem
estabelecida. Assim, também nesta ocasião,
The Economist
assevera no seu artigo principal de 11 de Outubro que "Esta semana
assistiu-se ao primeiro vislumbre de uma resposta global abrangente para o
fosso da confiança
". Agora, felizmente, espera-se que o "fosso da
confiança", embora reprovável em si próprio, se
remedeie graças a uma algo misteriosa "resposta global
abrangente".
Ao mesmo tempo, no lado mais realista, o semanário londrino
também reconhece no mesmo editorial que
"O dano para a economia real está a tornar-se aparente. Na
América o crédito ao consumidor está agora a contrair-se,
e cerca de
150 mil americanos perderam os seus empregos em Setembro,
o máximo desde 2003. Algumas indústrias estão seriamente
prejudicadas: as vendas de carros estão no seu mais baixo nível
em 16 anos pois os aspirantes a compradores são incapazes de obter
crédito. A General Motors fechou temporariamente algumas das suas
fábricas na Europa. Por todo o globo indicadores prospectivos, como
inquéritos de compras junto a administradores, estão
horrivelmente sombrios".
Eles não dizem, contudo, que "o fosso da confiança"
pode ter algo a ver com tais factos.
Naturalmente, a defesa do sistema deve prevalecer em cada artigo, mesmo se esta
tiver de ser apresentada com a expressão inquestionável de
visão pragmática.
Neste sentido, "salvar o sistema" para
The Economist
equivale à identificação totalmente acrítica da
revista com a operação de resgate económico ilimitado, e a
advocacia incontestável dos mesmo, a ser cumprida sem quaisquer
meios que se afastem dos habitualmente mais dogmaticamente glorificados
"recursos do mercado" em favor do perturbado sistema
capitalista. Assim, mesmo os mais queridos e bem testados dogmas da propaganda
(de um não só não existente
livre mercado,
que na realidade nunca existiu) podem agora ser atirados borda fora pela
nobre causa de "Salvar o sistema". Consequentemente, conta-nos
The Economist
que
"A economia mundial está claramente com um aspecto fraco, mas ela
poderia ficar um bocado pior. Este é o momento de colocar
dogma e política
de lado e concentrar em
respostas pragmáticas.
Isto significa
mais intervenção governamental
e cooperação no curto prazo,
mais do que os contribuintes, políticos ou na verdade os jornais do
mercado livre normalmente gostariam
".
[1]
Nós fomos presenteados anteriormente com sermões semelhantes do
presidente George W. Bush. Ele disse na sua intervenção na
televisão há duas semanas que
normalmente e instintivamente
ele é crente e apoiante apaixonado do
mercado livre,
mas sob as actuais circunstâncias excepcionais ele deve
pensar
em outros caminhos. Ele deve começar a pensar sob estas
difíceis circunstâncias, ponto final. Você não pode
dizer que não foi advertido.
As somas envolvidas na recomendada solução
"pragmática", as quais advogam varrer para o lado as
"preferências normais" dos "contribuintes e jornais do
mercado livre " (isto é, da solução agora defendida a
qual significa, na verdade, a necessária submissão das grandes
massas do povo a fardos fiscais crescentes, mais cedo ou mais tarde) são
literalmente
astronómicas.
Para citar
The Economist
mais uma vez: "em pouco mais de três semanas o governo da
América, como foi dito, expandiu seu passivo bruto em mais de US$1
milhão de milhões quase o dobro do custo da guerra do
Iraque até agora "
[2]
"Bancos americanos e europeus perderão cerca de US$10
milhões de milhões".
[3]
"Mas a história ensina uma lição importante: que
as grandes crises bancárias são essencialmente resolvidas pelo
lançamento de grandes blocos de dinheiro público"
[4]
.
Dezenas de milhões de milhões de dinheiro público
"dado", e justificado em nome da alegada "importante
lição da história", e naturalmente ao serviço
da incontestável boa causa de salvar o sistema, isto é certamente
um
bloco
muito grande. Nenhum vendedor ambulante de gelados poderia alguma vez sonhar
com tais blocos. E se acrescentarmos àquela grandeza o facto citado na
mesma página da revista de Londres, que só no decorrer do ano
passado "o índice de preços dos alimentos de
The Economist
saltou aproximadamente 55%"
[5]
e "A alta dos preços dos alimentos no fim de 2007 e
princípio de 2008 provocou tumultos em uns 30 países"
[6]
, nesse caso o bloco em causa torna-se ainda mais revelador quanto à
natureza do sistema que agora se encontra, ele próprio, numa crise
sempre a aprofundar-se.
Pode alguém pensar numa
maior acusação
para um sistema de produção económica e
reprodução social pretensamente inultrapassável do que
esta de que
no máximo do seu poder produtivo está a produzir
uma crise alimentar global,
e o sofrimento dos incontáveis milhões inseparáveis disto
por todo o mundo? Esta é a natureza do sistema que se espera salvar
agora a todo custo, incluindo a actual "repartição" do
seu custo astronómico.
Como pode alguém ter algum senso tangível de todos os
milhões de milhões desperdiçados? Uma vez que estamos a
falar acerca de grandezas
astronómicas,
pus esta pergunta a um amigo que é professor de Astrofísica na
Universidade de Londres. A sua resposta foi que eu deveria assinalar que
um milhão de milhões (trillion)
apenas é aproximadamente
uma centena de vezes a idade do nosso universo.
Agora, na escala da mesma grandeza, o número oficial habitualmente
subestimado da dívida americana, por si própria, monta nos nossos
dias a mais de
10 milhões de milhões.
Isto é,
um milhar de vezes a idade do nosso universo.
Mas deixem-me citar-vos um curto trecho de uma publicação
japonesa. Lê-se isto:
"Quanto dinheiro especulativo está a movimentar-se pelo mundo?
Segundo uma análise da Mitsubishi UFJ Securities, a dimensão da
"economia real" global, na qual bens e serviços são
produzidos e comercializados, é estimada em US$48,1 milhões de
milhões... Por outro lado, a dimensão da 'economia financeira'
global, o montante total de acções, títulos e
depósitos, eleva-se a US$151,8 milhões de milhões.
Portanto, a economia financeira inchou mais de três vezes relativamente
à dimensão da economia real, crescendo rapidamente durante as
últimas duas décadas. O fosso é tão grande quanto
US$100 milhões de milhões. Um analista envolvido nesta
estimativa disse que cerca da metade deste montante, US$50 milhões de
milhões, mal é necessário para a economia real. Cinquenta
milhões de milhões de dólares valem bem mais de 5000
milhões de milhões de yen, um número demasiado grande para
eu realmente compreender".
[7]
Na verdade é mesmo muito difícil compreender, quanto mais
justificar, como fazem os nossos políticos e banqueiros apologistas do
capital, as somas astronómicas de especulação
parasitária acumulada numa grandeza correspondente a 500 mil vezes a
idade do nosso universo. Se quiser uma outra medida sobre a grandeza em causa,
imagine apenas um infeliz contabilista dos tempos romanos, a quem fosse pedido
nada mais do que simplesmente escrever no seu quadro negro o número de
5000 milhões de milhões de yen em algarismos romanos. Ele cairia
em desespero total. Simplesmente não poderia fazer isso. E mesmo que
tivesse à sua disposição algarismos arábicos, os
quais não poderia ter tido, mesmo neste caso precisaria 17 zeros
após o número 5 a fim de registar a cifra em causa.
O perturbante, contudo, é que os nossos políticos e banqueiros
endinheirados parecem pensar apenas nos zeros, e não nas suas
ligações substantivas, quando apresentam estes problemas para
consumo público. E esta abordagem provavelmente não pode
funcionar indefinidamente. Pois é preciso muito mais do que zeros para
escapar do buraco sem fundo do endividamento global a que estamos condenados
pelo sistema que eles agora querem salvar a todo custo.
Na realidade, a recente popularidade de Gordon Brown tem uma grande
relação com zeros em mais de uma forma. A sua espantosa nova
popularidade que, bem pensado, pode acabar por ser um tanto
efémera foi demonstrada na semana passada pela manchete de
primeira página: "From Zero to Hero" ("De zero a
herói"). O artigo em questão sugeria que o nosso
primeiro-ministro realmente teve êxito em "salvar o sistema".
Aqui está como ele ganhou a grande aclamação.
NACIONALIZAÇÃO DA BANCARROTA CAPITALISTA
A razão porque ele foi louvado desse modo, como um herói, foi ter
inventado uma nova variedade de
nacionalização da bancarrota capitalista,
a ser adoptada com imperturbável "consciência de mercado
livre" também por outros países. Aquilo fez até
mesmo com que George W. Bush se sentisse menos culpado por actuar contra o seu
auto-proclamado "instinto apaixonado" quando nacionalizou um enorme
"bloco" da bancarrota capitalista estado-unidenses do qual um
único ítem os passivos das companhias hipotecárias
gigantes Fannie Mae e Freddie Mac montavam a 5,4 milhões de
milhões de dólares (o que quer dizer, a soma necessária
para 54 anos de execução da guerra do Iraque).
A "novidade pragmática" oposta "ao dogma e
à política" nas palavras de
The Economist
da recente nacionalização da bancarrota capitalista pelo
"New Labour" é que os contribuintes obtiveram
absolutamente nada
(por outras palavras, zero-zero-zero quantas vezes queira escrever, mesmo
dezassete vezes) pelas imensas somas de dinheiro investido em activos
capitalistas fracassados, incluindo nossos bancos britânicos
nacionalizados a dois terços. Esta espécie de
nacionalização da bancarrota capitalista é algo diferente
das versões anteriores, instituídas após a Segunda Guerra
Mundial quando a "Cláusula 4" do Partido Trabalhista a
advogar o controle público dos meios de produção
ainda fazia parte da sua Constituição. Pois em 1945 os
nacionalizados sectores em bancarrota da economia capitalista foram
transferidos para o controle do Estado, e enquanto durou foram generosamente
engordados outra vez a partir da tributação geral com o objectivo
da adequada "privatização" no devido momento.
Mesmo a nacionalização da Rolls Royce Company em 1971, sob o
primeiro-ministro conservador Edward Heath, seguiu o mesmo padrão
embaraçoso de nacionalização abertamente admitida e
controlada pelo Estado. Nos nossos dias, contudo, a beleza da
solução de Gordon Brown é que
remove o embaraço
enquanto multiplica muitas vezes os milhares de milhões
desperdiçados ao investir na bancarrota capitalista. Certamente ele
merece plenamente a sua promoção de "De zero a
herói" bem como o máximo louvor de "Salvador do
mundo" que lhe foi conferida por alguns outros jornais, devido à
sua grande modéstia de ficar satisfeito com o zero absoluto em troca dos
nossos
não dos
seus
milhares de milhões generosamente dispensados. Mas
poderá esta espécie de remédio governamental ser
considerada uma solução perdurável para os nossos
problemas mesmo em termos de curto prazo, para não mencionar a sua
necessária sustentabilidade a longo prazo? Só os loucos poderiam
acreditar nisso.
Na verdade, a recentes medidas adoptadas pelas nossas autoridades
políticas e financeiras apenas atenderam a um único aspecto da
crise actual: a
liquidez
dos bancos, das companhias de hipotecas e de seguros. E mesmo isso só
numa extensão muito limitada. Na realidade as enormes
"dádivas de blocos" não representam senão o
pagamento dos depósitos, por assim dizer. Muito mais será
necessário também quanto a isto no futuro, como as
perturbações ainda em desdobramento no mundo dos mercados de
acções continuam a enfatizar.
Contudo, bem além do problema da
liquidez
, uma outra dimensão apenas da crise financeira refere-se à quase
catastrófica
insolvência dos bancos e das companhias de seguros.
Este facto torna-se claro quando os seus
passivos
assumidos especulativamente e irresponsavelmente, mas nem por isso menos
existentes, são realmente levados em conta. Para dar apenas um exemplo:
dois dos nossos grandes bancos na Grã-Bretanha têm passivos que
montam a
US$2,4 milhões de milhões cada um,
adquiridos sob a suposição aventureira de que eles nunca
terão de ser cumpridos. Pode o estado capitalista salvá-los com
êxito com passivo dessa dimensão? Onde poderia o estado pedir
dinheiro emprestado com essa grandeza para a operação de resgate
necessária para tal finalidade? E o que seriam as necessárias
consequências inflacionárias de "repartir tais blocos"
da operação de resgate verdadeiramente gigantesca ao simplesmente
imprimir o dinheiro requerido na ausência de outras
soluções?
Além disso, os problemas não se esgotam de modo algum no perigoso
estado do sector financeiro. Pois de modo ainda mais intratável,
também os
sectores produtivos
da indústria capitalista estão com sérios problemas,
pouco importando quão altamente desenvolvida e favorecida eles possam
parecer estar através da sua posição de vantagem
competitiva na hierarquia global do capital transnacional. Devido ao nosso
tempo limitado, devo limitar-me a um exemplo, mas muito significativo.
Refere-se à indústria automóvel dos Estados Unidos,
grandemente humilhada nos últimos anos, apesar de todos os
subsídios recebidos do mais poderoso estado capitalista no passado, que
se contam em muitos milhares de milhões de dólares.
Deixem-me citar de um artigo publicado sobre a Ford Corporation e suas
fantasias globalizantes em 1994, publicado no
The Sunday Times.
Foi assim que os nossos distintos jornalistas financeiros pintaram naqueles
tempos a sua rósea pintura:
"A globalização plena está a ser tentada pelas
multinacionais ... 'Isto é definitivamente o bébé de
Trotman, disse uma fonte americana. 'Ele tem uma visão do futuro, a qual
diz que, para ser um vencedor global, a Ford deve ser uma
corporação verdadeiramente global". Segundo Trotman, que
disse a
The Sunday Times
em Outubro de 1993, "Como a competição automotiva se torna
mais global ao entrarmos no próximo século, a pressão para
descobrir
economias de escala
tornar-se-á cada vez maior. Se, ao invés de fazer dois motores
de 500 mil unidades cada um, pudermos fazer um milhão de unidades,
então os custos são muito mais baixos. Em última
análise haverá um punhado de actores globais e o resto não
estará ali ou estarão a lutar para sobreviver'. Trotman e seus
colegas concluíram que a plena globalização é o
caminho para bater competidores como os japoneses e, na Europa, o arqui-rival
da Ford, a General Motors, a qual mantém uma vantagem de custo sobre a
Ford. A Ford também acredita que precisa da globalização
para capitalizar em mercados emergentes no Extremo Oriente e na América
Latina".
[8]
Portanto, a "única" coisa que Alex Trotman o
britânico que era presidente da Ford Corporation naquele tempo se
esqueceu de considerar, apesar da sua impecável
qualificação aritmética de saber a diferença entre
500 mil e 1 milhão, foi isto: o que acontece quando
não podem vender
o 1 milhão (e muitas vezes mais) motores de carros, apesar da
estrategicamente contemplada e desfrutada vantagem de custo. No caso da Ford
Corporation, mesmo a maciça
taxa de exploração diferencial
que a companhia podia impor à escala mundial como enorme companhia
transnacional isto é, pagar por exactamente o mesmo trabalho 25
vezes menos aos trabalhadores da "Ford Philippines Corporation", por
exemplo, do que à sua força de trabalho nos Estados Unidos da
América mesmo esta vantagem inquestionável não
podia ser considerada suficiente para assegurar uma saída desta
contradição fundamental.
É aqui que estamos hoje, não só no caso da gravemente
humilhada Ford Corporation como também no da General Motors,
independentemente da sua vantagem de custo outrora profundamente invejada
até pela Ford Corporation dos Estados Unidos.
Ao falar acerca de um acordo recentemente estabelecido que proporciona
subsídios do estado americano às companhias gigantes de
automóveis do país, eis como a infeliz situação
actual da indústria automobilística estado-unidense é
descrita num dos últimos números de
The Economist:
"o acordo significa que as companhias de automóveis
abençoadas com a garantia do governo deveriam obter
empréstimos com uma taxa de juro de cerca de 5% ao invés dos 15%
que enfrentariam no mercado aberto nas condições de hoje".
[9]
Contudo, nenhum montante de subsídio de qualquer espécie pode ser
considerado suficientemente satisfatório, porque as "Três
grandes" General Motors, Ford e Chrysler estão
à beira da bancarrota, apesar do facto do bébé de sonho de
Trotsman ser agora um adolescente plenamente desenvolvido. Portanto
The Economist
deve admitir que
"A partir do momento em que subsídios industriais como este
começam a fluir, é difícil pará-los. Um estudo
recente do Cato Institute, um think-tank de extrema direita, descobriu que o
governo federal gastou cerca de US$92 mil milhões a subsidiar
negócios só em 2006. Deste total, apenas US$21 mil
milhões foram para agricultores, grande parte do resto foi para empresas
como a Boeing, a IBM e a General Electric na forma de apoio de crédito
à exportação e vários subsídios de
investigação.
Os Três grandes já se queixam de que levará demasiado tempo
repartir o dinheiro [do estado], e querem acelerar o processo. Também
querem outros US$25 mil milhões, possivelmente ligados à segunda
versão da lei de resgate da Wall Street. A lógica do salvamento
da Wall Street é que as finanças servem de base para tudo.
Detroit não pode começar a fazer tal reivindicação.
Mas, se o seu lobbying tiver êxito, será que demorará
muito para que companhias de aviação aflitas e retalhistas
fracassados se juntem à fila?"
[10]
A imensa expansão especulativa do aventureirismo financeiro,
especialmente nas últimas três ou quatro décadas, é
naturalmente inseparável do
aprofundamento da crise dos ramos produtivos da indústria
e as resultantes perturbações que se levantam com a
absolutamente letárgica acumulação de capital (e na
verdade acumulação fracassada) naquele campo produtivo da
actividade económica. Agora, inevitavelmente, também no
domínio da produção industrial a crise está a ficar
muito pior.
Naturalmente, a consequência necessária da crise sempre em
aprofundamento nos ramos produtivos da "economia real", como eles
agora começam a chamá-la e a contrastar a economia produtiva com
o aventureirismo especulativo financeiro, é o crescimento do desemprego
por toda a parte numa escala assustadora, e a miséria humana a ele
associada. Esperar uma solução feliz para estes problemas vinda
das operações de resgate do estado capitalista seria uma grande
ilusão.
Este é o contexto em que os nossos políticos deveriam realmente
começar a prestar atenção à afirmada
"importante lição da história", ao invés
de "distribuir grandes blocos de dinheiro público" sob a
pretensa "lição da história". Pois como
resultado do desenvolvimento histórico sob a regra do capital na sua
crise estrutural, na nossa própria época atingimos o ponto em que
devemos ser sujeitos ao impacto destrutivo de uma sempre a piorar
simbiose
entre a estrutura legislativa do estado da nossa sociedade e o material
produtivo bem como da dimensão financeira da ordem reprodutiva
societária estabelecida.
Compreensivelmente, aquele relacionamento simbiótico pode ser, e
frequentemente também acontece ser, administrado com práticas
absolutamente corruptas pelas personificações privilegiadas do
capital, tanto nos negócios como na política. Pois, não
importa quão corruptas possam ser tais práticas, elas
estão plenamente em sintonia com os
contra-valores institucionalizados
da ordem estabelecida. E dentro da estrutura da simbiose prevalecente
entre o campo económico e as práticas políticas dominantes
eles são legalmente bastante permissíveis, graças
ao mais dúbio e muitas vezes mesmo claramente anti-democrático
papel facilitador da
selva legislativa impenetrável
proporcionada pelo estado também no domínio financeiro.
A
fraudulência,
numa grande variedade das suas formas práticas, é a
normalidade do capital.
As suas manifestações extremamente destrutivas não
estão de modo algum confinadas à operação do
complexo militar-industrial. Nesta altura o papel directo do estado
capitalista no mundo parasitário das finanças é não
só fundamentalmente importante, em vista da sua grandeza que tudo
permeia, como tivemos de descobrir com chocante clareza durante as
últimas semanas, mas também potencialmente catastrófico.
O facto embaraçoso é que companhias hipotecárias gigantes
dos EUA, como a Fannie Mae e o Freddie Mac, foram corruptamente apoiadas e
generosamente abastecidas com garantias altamente lucrativas mas totalmente
imerecidas pela
selva legislativa
do Estado americano em primeiro lugar, bem como através de
serviços pessoais de corrupção política não
punida. Na verdade, a cada vez mais densa selva legislativa do estado
capitalista passa por ser o legitimador "democrático" da
fraudulência institucionalizada
nas nossas sociedades. Os editores e jornalistas de
The Economist
estão de facto perfeitamente familiarizados com as práticas
corruptas pelas quais, no caso das companhias hipotecárias gigantes
americanas, receberam do seu estado tratamento descaradamente preferencial
[aqui cito
The Economist
]
"permitiu à Fannie e ao Freddie operarem com
minúsculos montantes de capital.
Os dois grupos tinham núcleos de capital (como definido pelo seu
regulador) de US$83,2 mil milhões no fim de 2007, isto suportava
US$5,2 milhões de milhões
de dívidas e garantias, um
rácio de alavancagem
de 65 para um. [!!!] Segundo a CreditSights, um grupo de
investigação, a Fannie e o Freddie foram contrapartes em
valores de US$2,3 milhões de milhões
de transacções com derivativos, relacionadas com as suas
actividades de hedging.
Nunca seria permitido a um banco privado ter um balanço tão
altamente alavancado,
[11]
nem isto o
qualificaria para a máxima classificação de crédito
AAA.
... Eles utilizaram o seu
financiamento barato
na compra de activos de rendimento mais alto.
[12]
[Além disso,] Com tanto em jogo, não é de admirar que as
companhias tenham construído uma formidável máquina de
lobbying.
Foram dados empregos a ex-políticos.
Os críticos podiam esperar uma cavalgada robusta. As companhias
não temiam morder as mãos que as alimentavam".
[13]
Não temer "morder as mãos que as alimentavam"
refere-se, naturalmente, ao corpo legislativo do estado americano. Mas por que
deveriam elas ter medo? Pois companhias tão gigantescas constituem uma
simbiose total
com o estado capitalista. Isto é um relacionamento que corruptamente
se reafirma também em termos do pessoal envolvido, através do
acto de
contratar políticos
que poderiam servi-los preferencialmente, com um impressionante
"rácio de alavancagem de 65 para um" e a associada
classificação de crédito AAA,
mesmo de acordo com a relutante confissão de
The Economist.
A gravidade da presente situação é sublinhada de um modo
característico pela circunstância relatada nestas palavras por
The Economist:
"
traders
no mercado de credit-default swaps recentemente começaram a fazer
apostas sobre o impensável: que a América pode incumprir a sua
dívida
"
[14]
. Naturalmente, os referidos
traders
reagem mesmo a eventos de tal carácter e gravidade como os que
experimentamos hoje da única maneira possível: a espremer lucro
disto.
O INCUMPRIMENTO DOS EUA NÃO É IMPENSÁVEL
O grande problema para o sistema capitalista global é, contudo, que
o incumprimento da América não é de todo impensável.
Pelo contrário, ele é e tem sido desde há muito
uma certeza que se aproxima. Foi por isso que escrevi há muitos
anos (em 1995, para ser preciso que:
"Num mundo de
insegurança
financeira nada se adequa melhor à prática de jogar com somas
astronómicas e criminosamente não seguradas nas bolsas de valores
do mundo prenunciando um tremor de terra de magnitude 9 ou 10 na
"Escala de Richter" Financeira do que chamar as empresas que
se dedicam a tais jogos "
Securities
Management"; ... Quando exactamente e de que forma pode haver
muitas variedades, mais ou menos brutais os EUA incumprirão a sua
dívida astronómica não se pode ver neste momento.
Só pode haver duas certezas a este respeito. A primeira é que a
inevitabilidade do incumprimento americano
afectará profundamente toda a gente neste planeta. E a segunda, que a
posição de potência hegemónica preponderante dos EUA
continuará a ser afirmada de todas as formas, de modo a fazer o resto do
mundo pagar pela dívida americana por tanto tempo quanto seja capaz de
fazê-lo".
[15]
Naturalmente, a condição agravada de hoje é que o resto do
mundo mesmo com a historicamente muito irónica maciça
contribuição chinesa para a balança do Tesouro americano
é cada vez menos capaz de preencher o "buraco negro"
produzido numa escala sempre crescente pelo insaciável apetite da
América por financiamento da dívida, como demonstrado pelas
repercussões globais da recente crise hipotecária e
bancária dos EUA. Esta circunstância traz o necessário
incumprimento da América, numa das "variedades mais ou menos
brutais", para muito mais perto.
A verdade desta matéria perturbante é que pode não haver
caminho de saída para estas contradições finalmente
suicidas, as quais são inseparáveis do
imperativo da infindável expansão do capital, independentemente
das consequências
arbitrária e mistificadoramente confundido com
crescimento como tal
sem mudar radicalmente o nosso modo de reprodução social
metabólico através da adopção de práticas
responsáveis e racionais muito necessárias da única
economia viável,
[16]
orientada pela necessidade humana, ao invés do alienante, desumanizante
e degradante lucro.
É aqui que o obstáculo esmagador das
interdeterminações em causa própria do capital devem ser
confrontadas, não importa quão difícil isto deva ser sob
as condições prevalecentes. Pois a absolutamente
necessária adopção e o apropriado desenvolvimento futuro
da única economia viável é inconcebível sem a
transformação radical da própria ordem
socioeconómica e política estabelecida.
Gordon Brown recentemente exprimiu o seu desgosto acerca do
"capitalismo sem peias",
em nome da totalmente não especificada
"regulação".
Você pode recordar que Gorbachev, também, queria uma
espécie de capitalismo regulado, sob o nome de "socialismo de
mercado", e também deve saber o que lhe aconteceu e à sua
grotesca fantasia. Por outro lado, na expressão do primeiro-ministro
conservador britânico Edward Heath, há muito tempo atrás, o
mesmo pecado do "capitalismo sem restrições" era
"a face inaceitável do capitalismo". E apesar disso, o
"capitalismo sem peias", apesar da sua "face
inaceitável", permaneceu todas estas décadas não
só "aceitável" como no decorrer do seu novo
desenvolvimento tornou-se muito pior. Pois o fundamento causal dos
nossos problemas cada vez mais sérios não é a "face
inaceitável do capitalismo não regulamentado" mas a sua
substância destrutiva.
É aquela substância opressora que
deve resistir e anular
todos os esforços destinados a restringir o sistema do capital mesmo
minimamente como, na verdade, realmente se verificou ao efectuar isso
também na forma de metamorfose, na Grã-Bretanha, do [partido]
social-democrata "Old Labour" no neoliberal "New Labour".
Consequentemente, a fantasia periodicamente renovada de
regular o capitalismo
de um modo estruturalmente significativo só pode resultar numa
tentativa de dar nós nos ventos.
Mas a última coisa de que hoje precisamos é de continuar a dar
nós nos ventos, quando temos de enfrentar a gravidade da
crise estrutural
do capital, a qual exige a instituição de uma
mudança sistémica
radical. É revelador do carácter incorrigível do sistema
do capital que mesmo num momento como este, quando a imensa grandeza da crise
em desdobramento já não pode mais ser negada pelos mais devotos
apologistas
ex officio
do sistema uma crise descrita há poucos dias por nada menos que
o vice-governador do Banco da Inglaterra como a maior crise económica em
toda a história humana e nada pode ser contemplado, para
não dizer realmente feito, a fim de mudar os defeitos fundamentais de
uma ordem reprodutiva societária cada vez mais destrutiva por parte
daqueles que controlam as alavancas económicas e políticas da
nossa sociedade.
Em contraste com a recente iluminação do seu próprio vice,
o governador do Banco da Inglaterra, Mervyn King, não tinha quaisquer
reservas acerca da saúde do acarinhado sistema capitalista, nem teve ele
a mínima antecipação de uma crise a chegar quando louvou
aos céus o livro de Martin Wolf, apologético do capital, com o
seu auto-complacente e peremptoriamente assertivo título:
Porque a globalização funciona.
Ele considerou aquele livro "uma devastadora crítica intelectual
dos oponentes da globalização" e uma "civilizada,
sábia e optimista visão do nosso futuro económico e
político".
[17]
Agora, contudo, todos são forçados a
terem pelo menos alguma preocupação acerca da verdadeira natureza
e das necessárias consequências destrutivas da dogmaticamente
saudada globalização
capitalista.
Naturalmente, a minha própria atitude para com o livro de Wolf foi muito
diferente daquela de Mervyn King e outros que partilhavam os mesmos interesses.
Comentei na altura da sua publicação que
"o autor, que é o Comentador Chefe de Ciência
Económica do
Financial Times
de Londres, esquece-se de colocar a questão realmente importante:
Para quem ele funciona?,
se é que funciona. Ele certamente funciona, por enquanto, e de forma
alguma tão bem, para os decisores do capital transnacional, mas
não para a esmagadora maioria da espécie humana que deve sofrer
as consequências. E nenhuma quantidade da
"integração jurisdicional"
advogada pelo autor isto é, em bom inglês, o controle
directo mais apertado dos "demasiados estados" deplorados por um
punhado de potências imperialistas, especialmente a maior delas
vai conseguir remediar a situação. A globalização
capitalista na realidade não funciona e não pode funcionar. Pois
ela não pode ultrapassar as contradições
irreconciliáveis e os antagonismos manifestos da crise global estrutural
do sistema. A própria globalização capitalista é a
manifestação contraditória daquela crise, tentando
subverter o relacionamento
causa/efeito
numa vã tentativa de curar alguns efeitos negativos por outros
efeitos desejados que projecta,
porque é estruturalmente incapaz de tratar das suas
causas
".
[18]
Neste sentido, as recentes tentativas de conter os sintomas da crise que se
intensificam, pela cinicamente camuflada nacionalização de
grandezas astronómicas da bancarrota capitalista, através dos
recursos do estado ainda a serem inventados, só poderia sublinhar as
determinações causais antagónicas profundamente enraizadas
da destrutividade do sistema capitalista. Pois o que está
fundamentalmente em causa hoje não é simplesmente uma crise
financeira maciça mas o potencial de auto-destruição da
humanidade neste momento do desenvolvimento histórico, tanto
militarmente como através da destruição em curso da
natureza.
Apesar da manipulação concertada de taxas de juro e das recentes
cimeiras ocas dos países capitalistas dominantes, nada foi
perduravelmente alcançado com o "lançamento de gigantescos
blocos de dinheiro" no buraco sem fundo do "esmagado" mercado
financeiro global. A
"resposta global abrangente para o fosso da confiança",
como o desejo projectado de
The Economist
e dos seus mestres, pertence ao mundo da (não tão pura)
fantasia. Pois um dos maiores fracassos históricos do capital, como o
há muito estabelecido modo de controle social metabólico,
é a contínua predominância dos
estados-nação
potencialmente mais agressivos, e a impossibilidade de instituir
o estado do sistema do capital como tal
na base dos antagonismos estruturalmente arraigados do sistema do capital.
Imaginar que dentro da estrutura de tais determinações causais
antagonistas possa ser encontrada uma solução harmoniosa
permanente para o aprofundamento da crise estrutural de um sistema de
produção e de trocas mais iníquo o qual está
agora empenhado activamente em produzir mesmo uma crise alimentar global, por
cima de todas as suas outras contradições gritantes, incluindo a
sempre mais difusa destruição da natureza , sem mesmo
tentar remediar suas miseráveis iniquidades, é a pior
espécie de pensamento ilusório, beirando a irracionalidade total.
Pois, auto-contraditoriamente, ele quer reter a ordem existente apesar das
suas necessárias iniquidades explosivas e antagonismos. E a chamada
"integração jurisdicional dos estados em demasia" sob
uns poucos auto-indicados, ou um, como advogado por alguns apologistas do
capital, pode apenas sugerir a igualmente auto-contraditória
permanência da potencialmente suicida dominação
imperialista global.
Eis porque Marx é mais relevante hoje do que alguma vez já o foi.
Pois apenas uma
mudança sistémica
radical pode proporcionar a esperança historicamente sustentável
e a solução para o futuro.
Notas
[1] Todas estas citações foram retiradas do mesmo editorial de
The Economist,
11/Outubro/2008, p. 13.
[2]
The Economist,
11 October 2008, special section, p. 3.
[3] Ibid.
[4] Ibid., p. 4.
[5] Ibid.
[6] Ibid., p. 6.
[7] Shii Kazuo in
Japan Press Weekly,
Special Issue, October 2008, p. 20.
[8] "Ford prepares for global revolution", by Andrew Lorenz and Jeff
Randall.
The Sunday Times,
27 March 1994, Section 3, p. 1.
[9]
"A bail-out that passed. In the slipstream of Wall'street's woes, the Big Three land a huge subsidy."
The Economist,
October 4th, 2008, p. 82.
[10] Ibid., p. 83.
[11] A Lehman Brothers, um dos principais private merchant banks, tem um
rácio de alavancagem de 30 para 1. Isso é bastante mau.
[12]
"Fannie Mae and Freddie Mac: End of illusions"
,
The Economist,
July 19-25, 2008, p. 84.
[13]
"A brief family history: Toxic fudge"
,
The Economist,
July 19-25, 2008, p. 84.
[14] "Fannie Mae and Freddie Mac: End of illusions",
The Economist,
July 19-25, 2008, p. 85.
[15] "The Present Crisis", quoted from Part IV. of
Beyond Capital
(published in London in 1995), pp.962-3. (In Spanish in
Más allá del capital,
Vadell Hermanos Editores
, Caracas, 2001, pp. 1111-12.)
[16] Ver a este respeito: "Qualitative Growth in Utilization: The Only
Viable Economy", Secção 9.5 do meu livro,
The Challenge and Burden of Historical Time
, Monthly Review Press, New York, 2008, pp. 272-93. (Publicado in
Herramienta,
Numbers 36 and 37.)
[17] Mervyn King's endorsement, on the back cover of Martin Wolf's book,
Why Globalization Works
, Yale University Press, 2004.
[18] In "Education - Beyond Capital", Opening Lecture delivered at
the
Fórum Mundial de Educação,
Porto Alegre, July 28, 2004. In Spanish reprinted in
La educación más allá del capital
, Siglo Veintiuno Editores / Clacso Coediciones, Rio de Janeiro, 2008. Ver
também
o capítulo: "Why Capitalist Globalization Cannot Work?" no meu
livro,
The Challenge and Burden of Historical Time,
Monthly Review Press, New York, 2008, pp. 380-398; Spanish edition:
El desafío y la carga del tiempo histórico,
Vadell Hermanos Editores / Clacso Coediciónes, Caracas, 2008, pp.
371-389.
[*]
Palestra escrita para uma reunião em Conway Hall, Londres, a 21 de
Outubro de 2008. Os inter-títulos são da responsabilidade
de resistir.info.
O original encontra-se em
www.herramienta.com.ar/
e em
http://mrzine.monthlyreview.org/meszaros041108.html
.
Tradução de JF.
Este ensaio encontra-se em
http://resistir.info/
.
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