Chips espiões
Imagine um mundo sem privacidade! Um mundo no qual todas e cada uma das suas
compras é supervisionada e registada numa base de dados e cada um dos
seus pertences está numerado. Onde uma pessoa, a várias centenas
de quilómetros de distância, ou talvez noutro país, tem um
registo de tudo o que você comprou, de tudo o que possui, das roupas no
seu armário, de cada par de sapatos" (Katherine Albrecht e Liz
McIntyre em
Chips espías,
Grupo Nelson, 2006).
É o mundo RFID (identificação por radiofrequência,
na sigla em inglês). Provavelmente nunca ouviu falar de tal coisa, mas
é como uma praga que se estende por todas as indústrias que
têm relação com a vida quotidiana de qualquer um de
nós. Trata-se de pequenos chips electrónicos cuja
informação é lida a distância e substituem, dentre
outras coisas, os códigos de barras para ler preços.
Estão em livros, máquinas de barbear, sapatos, roupas,
medicamentos, comida empacotada, para mencionar objectos de uso
doméstico. No seu trabalho pode haver muitos mais objectos com
etiquetas RFID, como computadores, impressores, caixas de papel e outros
artigos de escritório. Existem cartões de crédito e de
compra que usam este sistema.
A maior diferença destes chips em relação ao código
de barras é que a informação pode ser detectada a
distância, desde uns poucos metros até quilómetros
(conforme o tipo de chip), e pode ser lida através da sua roupa, da sua
carteira, mala, mochila ou maleta. Se a compra do objectivo etiquetado for
feita com cartão, a etiqueta "personaliza-se" e fica
identificada com o comprador. A generalização deste sistema
provocará um aumento da exposição a
radiofrequências, com impactos sobre a saúde.
Também existem versões do sistema RFID para implantes em humanos,
como o VeriChip. O México foi o primeiro país onde foi usada:
em 2004 foi colocado um chip diminuto (menor do que um grão de arroz) em
18
agentes da Procuradoria Geral da República (PGR), supostamente para
identificá-los quando tenham contacto com documentos confidenciais. O
presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, declarou que se poderiam
implantar estes chips nos cidadãos colombianos que quisessem ir
trabalhar no Estados Unidos, para que o governo desse país possa
controlar o local onde se encontram.
Foram denunciadas falhas graves na segurança que estes chips pretendem
ter. Já foram clonados inclusive chips implantados em humanos,
permitindo a estranhos os acesso à informação.
Comprovou-se que a informação dos cartões de
crédito que usam este sistema podem ser roubadas mais facilmente que as
de fita magnética. Isto não impede que a adopção
desta tecnologia avance a passos gigantes, porque estão em jogo
interesses muito fortes, tanto comerciais como governamentais.
As etiquetas RFID não são novas. Existe há anos, mas a
sua utilização era limitada pelo seu preço e tamanho. Com
a miniaturização e a baixa de preço (actualmente custam 20
pesos por unidade, mas prevê-se que chegarão aos 2 pesos),
empresas transnacionais como a Benetton e Gillette-Procter & Gamble
começaram a utilizá-los, inclusive directamente no produto que
chega ao consumidor. Mas o ponto de ruptura desta indústria chegou
quando a Wal-Mart exigiu aos seus 100 maiores fornecedores que a partir de
Janeiro de 2005 implementassem esta tecnologia ao nível das entregas em
armazém (em paletes ou caixas), do contrário deixariam de comprar
seus produtos. Vários outros grandes supermercados, como Tesco e
Kroger, também os usam.
Para as grandes empresas significa uma automatização dos sistemas
de compras, distribuição e vendas que elimina grande parte dos
trabalhadores que antes controlavam estes processos, ao mesmo tempo que lhes
permite fazer o seguimento dos consumidores, suas preferências, zonas
onde se encontram, etc, aumentando as suas possibilidades de
manipulação do consumo. Actualmente a tecnologia está a
expandir-se e o objectivo da empresa é chegar a colocá-la em cada
produto que o consumidor adquire, tal como o fez a Gillette com as
máquinas de barbear Mach3.
No México, a distribuidora de produtos farmacêuticos Maypo,
segunda fornecedora de medicamentos para o sector da saúde, está
a colocar chips RFID em cada medicamento que vende ao Seguro Popuplar e outros
programas de saúde pública.
Além das suas aplicações comerciais, são
significativas as aplicações de RFID na vigilância com fins
políticos, policiais, inclusive repressivos e carcerários. A
proliferação dos sistemas de identificação RFID
(actualmente discute-se ou instrumenta-se a sua aplicação em
passaportes, bilhetes, cartões de identificação,
transportes, imigrantes, detidos, polícias, vigilantes, etc)
implicará um aumento das distâncias a que se podem ler e da
quantidade de estações para a sua leitura. Uma das
aplicações vendidas no México insere um chip entre a sola
e o salto dos sapatos no processo de fabricação, tornando
impossível ver o chip a vista desarmada, mas permitindo a quem puder ler
esta informação conhecer o paradeiro do seu dono em qualquer
lugar em que se encontre.
Já é possível fazer este tipo de seguimento através
dos telefones celulares, que de facto funcionam como GPS (sistema de
posicionamento geográfico por satélite). Tal como os RFID, a
maioria dos utilizadores não o sabe. À semelhança de
outras novas tecnologias, sua aceitação depende de a maioria das
pessoas não saber realmente o que implicam. E isto, apesar de tanta
vigilância, é cada vez mais difícil.
10/Dezembro/2006
[*]
Investigadora do Grupo ETC
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2006/12/10/index.php?section=opinion&article=024a1pol
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|