Rumo a um estado de excepção?
por Carlos Fazio
O México vive um processo larvar de fascistização. Se
não for travado agora, sua consequência lógica pode ser a
consolidação de um Estado terrorista. Convém ter em conta
que o terrorismo de Estado é algo mais do que a violenta
implantação de um regime ditatorial; é uma
política cuidadosamente planificada e executada que responde a um
projecto de dominação de classe tendente a configurar um novo
modelo de Estado que actua ao mesmo tempo pública e clandestinamente
através das suas estruturas institucionais.
Jalisco, em 2004, com Francisco Ramírez Acuña, e Oaxaca, em 2006,
sob as governaturas de Enrique Peña Nieto e Ulises Ruiz, são
ambos laboratórios para a imposição de um novo modelo de
dominação a nível nacional. Nos referidos casos, o Estado
abandonou aberta ou encobertamente o império do direito e adoptou formas
de excepção, pondo em vigor a máxima latina "o que
agrada ao príncipe tem força de lei". Nesses casos, os
governadores de Jalisco, estado do México e Oaxaca contaram com o aval
do ex-titular do Poder Executivo, Vicente Fox, e com a actuação
violenta de forças coercivas locais e federais.
A utilização da força mantem relação com a
perda de hegemonia do bloco de poder, através dos seus representantes
políticos e porta-vozes ideológicos, o que obrigou à
adopção de formas excepcionais para a solução das
crises. A fractura no bloco de poder, a ausência de consenso
político da parte dos interesses do capital monopolista e as constantes
disputas entre as fracções de classe dentro do bloco dominante e
a ineficácia dos instrumentos coercivos que garantiam um consentimento
condicionado das classes subordinadas por exemplo, a incapacidade dos
partidos Revolucionário Institucional e Acción Nacional para
canalizar a luta de classes dentro dos canais legitimados pelo sistema
levaram à substituição dos mecanismos de
dominação. Quanto mais graves e catastróficas sejam estas
crises, mais excepcionalidade adquirirá o Estado, mais apelará o
bloco no poder aos estamentos militares e paramilitares: Polícia
Federal Preventiva (PFP), sicários, esquadrões da morte, como
ocorre em Oaxaca, para resolver de maneira coerciva o que já não
pode conseguir pelo consentimento.
Guiados por uma fria racionalidade tecnocrática institucionalizada, na
conjuntura de 2006 a fraude eleitoral, a repressão violenta de tipo
contra-insurgente na Siderúrgica Lázaro Cárdenas-Las
Truchas (Michoacán), San Salvador Atenco (estado de México) e
Oaxaca, e um virtual estado de sítio em torno do Palácio
Legislativo de San Lázaro (em vésperas e durante o sexto
relatório do governo foxista e na mudança de comando
Fox-Calderón) foram as formas de controle directo do Estado e a
acomodação do mesmo à necessidades dos interesses
estratégicos afectados.
De maneira gradual, desde a insurreição camponesa-indígena
do EZLN em Chiapas (1994), o México tem vivido um lento processo de
militarização de todo o aparelho de Estado e adoptado cada vez
mais formas próprias de Estado de excepção. O
Estado-mediação foi cedendo espaço ao Estado-força,
o que, por si, implica a elaboração de um novo direito com base
essencialmente discrecional quanto às faculdades dos poderes
públicos, sem sujeição a critérios de razoabilidade
e auto-limitação.
A "legitimação" do uso da repressão violenta
desproporcionada e a prática da torturas contra altermundistas em Jalixo
(2004), pelo secretário de Governação do novo regime,
Ramírez Acuña, e a reprodução aumentada do modelo
em Michoacán, Atenco e Oaxaca (2006) configuram um novo Estado
contra-insurgente em germinaçaõ. Uma nova "filosofia"
e um novo tipo de dominação que, com o aval de Felipe
Calderón ainda antes de assumir o cargo de presidente imposto, e com o
concurso da Marinha de Guerra, a PFP, o Centro de Investigación y
Seguridad Nacional (Cisen) e a actuação de grupos militares em
Oaxaca exibem de maneira descarada a nova face de um Estado clandestino que
utiliza como método o crime o terror. Além disso, como
laboratório do horror, Oaxaca exibe a impunidade factual e
jurídica das forças "da ordem", amparadas por um Poder
Judicial cúmplice e timorato. Uma impunidade total para matar,
sequestrar-desaparecer ou deter dissidentes políticos, considerados
"vândalos", "subversivos" ou "terroristas"
nas estruturas do poder dominante, local e federal.
Perante a incapacidade das velhas formas de dominação para
defender a ordem capitalista dependente e contrapor-se à
contestação social em crescimento, a classe no poder incorpora
uma actividade para do Estado mediante uma dupla face de actuação
dos seus aparelhos coercivos: uma pública e submetida às leis, e
outros clandestina, que aplica o "terror benigno" à margem de
toda legalidade formal.
A formação de um "gabinete de choque" pelo
espúrio Calderón, com a chegada do ex-subdirector gerente do
Fundo Monetário Internacional, Agustín Carstens, à
Secretaria da Fazenda, e o "padrinho" Francisco Ramírez
Acuña a Governação, cujo prontuário em
organizações humanitárias inclui os delitos de tortura,
detenções arbitrárias e incomunicabilidade de
prisioneiros, dotado de amplas faculdades para coordenar acções
de segurança nacional, antecipam um governo de "mão
dura" afim aos interesses cimeiros do Conselho Coordenador Empresarial e
seus aliados do exterior. A designação de dois homens
extraídos dos sótãos da segurança do Estado,
Eduardo Medina Mora e Genaro García Luna, ambos peritos em terrorismo,
para a Procuradoria Geral da República e a Secretaria de
Segurança Pública, respectivamente, completa a mensagem. Com
Calderón, presidente débil, poderíamos assistir a um
processo de bordaberrização
[1]
do Estado, de um Estado de excepção.
[1]
Referência a Bordaberry, ex-boxeur que foi presidente do Uruguai no
período em que esteve entrava numa ditadura.
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2006/12/04/index.php?section=opinion&article=027a2pol
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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