Paramilitarismo e dominação
por Carlos Fazio
Após a chegada de Felipe Calderón ao governo iniciou-se uma nova
fase na guerra de baixa intensidade em Chiapas. No contexto de uma
militarização acelerada da vida pública nacional, o
renovado projecto contra-insurgente em Chiapas adquire modalidades
próprias perante o avanço e consolidação dos
municípios autónomos zapatistas em resistência.
Definido como "inimigo interno", o
Exército Zapatista de Libertação Nacional
e suas bases de apoio são agora alvo
de uma nova escalada de violência instrumentada pela Secretaria da Defesa
Nacional, na qual participam diferentes corpos policiais de nível
federal e estadual, e que além disso conta a reactivação
de antigas estruturas paramilitares e a presença in situ de elementos
dos Corpos da Paz estado-unidenses.
O objectivo encoberto é a "recuperação" do
território em poder dos zapatistas. Ou seja, a terra e seus interesses:
petróleo, gás, energia eléctrica, biodiversidade,
água doce, madeiras, urânio e a possibilidade de instrumentar
megaprojectos depredadores ao serviço do grande capital nacional e
estrangeiro. A nova etapa do conflito tem a ver com o anúncio de
Calderón de que "ressuscitará" o
Plano Puebla Panamá
(PPP), que juntamente com a segunda fase do Plano Colômbia e a
Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul
(IIRSA), fazem parte dos esforços
geoestratégicos dos Estados Unidos tendo em vista uma
restauração autoritária da sua hegemonia na América
Latina para a competição inter-imperialista com os megablocos da
Europa e da Ásia-Pacífico.
O ressurgimento e novo protagonismo de grupos paramilitares que irromperam na
geografia de Chiapas durante a governação de Patrocínio
González Garrido, e cresceram e desenvolveram-se durante as
gestões de Júlio César Ruiz Ferro e Roberto Albores
Guillén, como Los Chinchulines, Paz y Justicia e MIRA, todos de filiados
ao PRI, reconvertidos hoje na Organização para a Defesa dos
Direitos Indígenas e Camponeses (Opddic) e a União Regional
Camponesa Indígena (URCI), indica uma relação de
causalidade entre as desigualdades sociais e a violência política.
A continuidade do modelo de arrasamento dos últimos quatro governos
neoliberais precisa da utilização da força para proteger
interesses económicos ou para tentar transformá-los. É
para esse esquema de dominação autoritária e classista que
os grupos paramilitares se tornam funcionais. Sua tarefa é conseguir,
mediante a violência, a deslocação forçada das bases
de apoio zapatistas para propiciar uma re-latifundização do
território. Se o plano de desterritorialização
avançar, a "privatização" da segurança e o
consequente domínio paramilitar redundará numa
reconcentração da terra em poucas mãos. Assim, trata-se,
a rigor, de uma contra reforma agrária violenta a favor de grupos
transnacionais, que exigem a "libertação" do
território para submetê-lo à lógica do mercado.
As estratégias de violência institucional e para-institucional,
iniciadas em 1995, são um aspecto fundamental no desenvolvimento dos
planos de ocupação territorial e garantia armada dos
megaprojectos concebidos para Chiapas pelo grande capital. Na dinâmica
económica transnacional, a apropriação violenta do
espaço e das pessoas adquire, univocamente, sua
resignificação como mercadoria.
Na actualidade, nos espaços controlados pelos municípios
autónomos zapatistas, afirma-se o direito à vida, ao
território, à auto-determinação, à
organização, à resistência popular, à
identidade cultural.
Resistir é negar-se a aceitar as propostas de inclusão do seu
pensamento, da sua vontade, dos seus sentidos de representação no
mundo ocupado, não habitado, por perspectivas de agronegócios,
obras de infraestrutura e exploração de recursos naturais.
Precisamente porque a referida cultura de resistência obstrui a
mercantilização da vida, os poderes reais recorrem ao sitiamento
militar-paramilitar, com o apoio visível no terreno da Polícia
Sectorial, da Agência Estatal de Investigação, da
Agência Federal de Investigação, da Polícia Federal
Preventiva, das polícias municipais e das redes de inteligência do
Cisen.
A classe dominante sabe que através da força ou dos mecanismos de
sedução mercantil deterioram-se e corroem-se os cimentos da
identidade. Por isso, na guerra contra-insurgente em curso utilizam
indígenas contra indígenas. Nesta conjuntura, os paramilitares
da Opddic e da URCI estão a ser utilizador como invasores ou
saqueadores. Sua acção violenta contra os zapatistas
(invasões de terras, sequestros, espancamentos, incêndios de
aldeias, destruição de campos de milho, roubo de milho) e a
ameaça de desencadear uma nova fase do terrorismo de Estado em Chiapas
servirão como mecanismos para a apropriação e
legalização da terra por parte de vorazes
neo-latifundiários e agro-industriais.
A aspiração deles é que, tal como ocorre na Colômbia
sob o controle do presidente dos paramilitares, Álvaro Uribe, o
círculo da desterritorialização seja encerrado com a
legalização do obtido na ilegalidade, mediante a violência.
A ofensiva neoliberal em Chiapas ocorre no contexto de uma violenta
recomposição de forças no interior do actual Estado
mafioso de dominação, assinalado pela militarização
do país, pelos sinais da mão dura calderonista e pela
saída às ruas de uma ultra-direita beligerante hegemonizada pelos
sectores mais reaccionários da hierarquia da Igreja católica.
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2007/03/26/index.php?section=opinion&article=023a1pol
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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