O México descobre a luta de classes:
eleições e perspectivas económico-sociais
por José C. Valenzuela Feijóo
[*]
"Lutaremos como se possa, com o que se possa e até onde se
possa."
A. M. López Obrador, recordando Juárez.
(No Zócalo, 16/07/2006).
I- O conflito de base subjacente
II- O padrão de acumulação neoliberal em vigor. Breve recapitulação
III- Parêntesis: o neoliberalismo e o seu efeito de decomposição
IV- A mudança estrutural. As grandes opções
V- A eleição e a fraude
VI- Os de cima e os de baixo. Os modos da política
VII- As forças que podem pressionar pela mudança. Alguns antecedentes.
VIII- Breve incursão sobre o tipo de liderança e seu condicionamento
IX- Perspectivas
Notas
I- O conflito de base subjacente
No México, o actual conflito eleitoral é a expressão de um
conflito sócio-político mais profundo. Por um lado está o
padrão capitalista neoliberal, imperante há duas décadas e
meia e hoje impulsionado por Calderón. Pelo outro lado, um projecto
também capitalista, mas com uma orientação mais
democrática e nacionalista. Trata-se, então, de um conflito
entre duas formas ou modos do capitalismo. Os grupos sociais beneficiados pelo
neoliberalismo são pequeníssimos: o grande capital financeiro
especulativo, alguns grandes grupos industriais com capacidade exportadora
(assentes nos baixos salários e em alguma possível vantagem
comparativa natural) e o capital estrangeiro. O outro modelo, impulsionado por
López Obrador (doravante AMLO), beneficia em primeiro lugar a burguesia
industrial, especialmente a que trabalha para o mercado interno; a seguir,
camadas médias urbanas, operários e camponeses. A
congruência, pelo menos relativa, entre os
interesses objectivos
dessas classes ou fracções de classe e o que
possibilita
um ou outro estilo de capitalismo é o que determina aquilo que podemos
denominar
alinhamento e bloco potencial.
Naturalmente, o que foi indicado aponta para um agrupamento ideal, o que
supõe uma perfeita consciência classista. Na realidade, o
alinhamento é diferente pois o factor ideológico opera provocando
comportamentos políticos "não congruentes". Algo que
no México é visível e de grande alcance. Exemplo: o
actual bloco neoliberal no poder acaba por ser apoiado por segmentos não
menores de classes ou fracções de classe cujo interesse objectivo
não se conjuga com o que o neoliberalismo é capaz de gerar. Este
modelo beneficia quando muito uns 5% da população total. Mas na
última eleição votou por Calderón algo mais de um
terço dos votantes. O factor que aqui opera é o da
alienação social ou "falsa consciência de
classe", fenómeno muito extenso no caso mexicano.
[1]
Por isso mesmo também se dá uma forte dissociação
entre o peso efectivo e o peso potencial do bloco progressista. Contudo, a
figura e o carisma de AMLO elevou o peso efectivo e o peso potencial do bloco
progressista e levou-o a uma quota eleitoral que se deve aproximar dos 40%.
[2]
A diferença, nada menor, entre o bloco progressista efectivo e o
potencial também nos indica o peso da ideologia dominante e sua
capacidade hegemónica ainda forte. No "poder
hegemónico", vale recordar Gramsci, influem dois factores
básicos: i) a capacidade da classe dominante para forjar
alianças classistas, o que supõe a concessão de alguns
benefícios, especialmente económicos, às classes
subordinadas;
[3]
ii) a cooptação dos intelectuais radicais e a
geração de uma ideologia capaz de penetrar profundamente nas
classes subalternas. No México, nos velhos tempos do PRI e do modelo de
industrialização substitutiva que emerge já com
Cárdenas (anos trinta do século XX), o primeiro factor que
hoje se qualifica como "populismo" era especialmente
significativo. Com o advento do neoliberalismo, este factor dissolve-se: as
concessões económicas do actual bloco de poder aos de baixo quase
desapareceram. Por isso mesmo, tudo passou a depender do factor ideologia.
Com a difusão e penetração dos
mass media,
este poder decuplicou. Mas como, por outro lado, actua solitário e
"não só de telenovelas vive o homem", no combate
"realidade da miséria" versus "ideologia da
prosperidade" (ou "foxilândia"), a realidade
começou a ganhar terreno. O que, obviamente, tem estado na base da
grande popularidade de AMLO. Ainda que de imediato convenha advertir: neste
ascenso, opera uma simbiose significativa: o descontentamento com a
situação actual associa-se sentimentalmente à figura
pessoal de AMLO. Ou seja, não estamos na presença do
desenvolvimento e avanço de um corpus ideológico (isto é,
um sistema de ideias) efectivamente alternativo. Observa-se antes um
enfraquecimento do compromisso anterior com os de cima e a adesão
emocional a uma figura que se crê reivindicar os de baixo. Esta atitude
opera mais em termos intuitivos e emocionais do que a partir de uma
reflexão amadurecida. Trata-se, portanto, de uma consciência
classista muito embrionária e que, pelo menos por agora, funciona
perfilhando uma espécie de "cesarismo" mitigado. Contudo, se
observarmos o passado, o passo é gigantesco. Hoje, os pobres
começam a sentir-se dignos e com direitos para discutir a vontade dos
ricos. A dicotomia ainda é a de "pobres contra ricos". Mas
daqui para salto a uma etapa superior, a do conflito de "classe contra
classe", poderá não haver tanta distância.
II- O padrão de acumulação neoliberal em vigor. Breve
recapitulação.
Para melhor situar o conflito em processo convém recordar o quadro
estrutural vigente. O que pode e não pode resultar. Trata-se do modelo
neoliberal em curso e podemos ensaiar uma síntese muito breve dos seus
traços fundamentais.
Primeiro, temos um salto muito forte na taxa de exploração (ou
taxa de mais valia). De acordo com as nossas estimativas esta teria passado de
um nível de 4.13 por volta de 1981 até um nível de 6.35 em
2004.
[4]
Para colocar isto em termos simples: uma taxa de mais valia de 6.35 implica
que um operário produtivo típico trabalha para si pouco mais de 8
minutos e para o capital pouco menos de 52 minutos. Além de se tratar
de um salto muito pouco habitual deve sublinhar-se o método seguido: o
grosso do aumenta é explicado a partir da
queda do salário real.
Ou seja, o mais retrógrado dos métodos que permitem elevar a
taxa de mais valia.
[5]
Segundo: opera uma
redistribuição intra-capitalista da mais-valia. Ao aumentar o
grau de monopólio eleva-se a porção apropriada pelo sector
monopólico (no interior do qual o grande capital estrangeiro desempenha
um papel dominante). Além disso, eleva-se drasticamente a parte
apropriada pelo capital dinheiro de empréstimo e bursátil (juros,
lucros de capital) e cai a parte que vai parar nas mãos do capital
produtivo industrial (lucro empresarial).
Terceiro: ainda que o
excedente e o potencial de reprodução ampliada do sistema se
eleve substancialmente, a taxa de acumulação
(acumulação sobre excedente) tende a descer. Consecutivamente,
eleva-se a parte do excedente que se utiliza como gasto improdutivo.
Quarto: observa-se um salto no
grau de abertura externa e uma forte desregulação dos fluxos
externos, de capital e comerciais. Em geral, a propensão para o
défice estrutural externo acentua-se e o "tecto de
crescimento" que este impõe torna-se menor do que o de outras
épocas.
Quinto: o sistema passa a
operar com baixos ritmos de crescimento (pode-se falar de uma
situação de quase estancamento) e com um grau de instabilidade (o
flutuabilidade do investimento e do PIB) superior ao experimentado no
padrão anterior.
Sexto: a capacidade de
absorção ocupacional do sistema afunda-se e concentra-se, quase
exclusivamente, nos sectores improdutivos. Este traço, combinado com o
um e o dois, dá lugar a um padrão de distribuição
do rendimento extremamente regressivo.
[6]
Num plano mais político,
convém sublinhar dois aspectos cruciais: a) no bloco de poder
dá-se um deslocamento em favor do capital financeiro especulativo e
contra o do capital industrial. É o primeiro (muito imbricado com o
capital estrangeiro) o que passa a ocupar as posições de comando;
b) muda o mecanismo de dominação que privilegia o bloco de
poder. Se antes faziam-se concessões económicas significativas
às camadas médias burocráticas, à classe
operária mais organizada e aos camponeses (ou seja,
"alimentava-se" o bloco histórico herdado da
revolução), no novo padrão essas prebendas tendem a
desaparecer. A seguir, a ideologia quase na sua pureza passa a
funcionar como o recurso único do consenso possível.
Em geral, temos uma
combinação muito perversa de exploração muito
elevada, forte desperdício e crescimento lento ou nulo. Por isso mesmo,
deve-se perguntar qual a possível "racionalidade
histórica" do modelo neoliberal. À primeira vista,
pareceria que se trata de uma pura irracionalidade: sabemos que um capital que
não acumula é um capital destinado, a longo prazo, a desaparecer.
Mas isto é a aparência. A realidade nunca existe gratuitamente.
[7]
Por isso, se indagarmos bem, podemos discernir a funcionalidade (temporal,
é claro) do modelo: um, redefinir para baixo o valor da força de
trabalho, para assim facilitar o acesso a uma fase de acumulação
mais complexa e pesada. Dois, recompor a composição do produto,
possibilitando uma especialização internacional mais eficiente.
Mas trata-se de possibilidades que não se materializam em termos de
crescimento. O neoliberalismo latino-americano é muito eficaz na
elevação da taxa de exploração, mas não
é capaz de estimular a acumulação pesada. Além
disso, é capaz de destruir boa parte do parque industrial e de elevar o
grau de abertura externa. Mas não é capaz de impulsionar uma
abertura desenvolvimentista, no estilo por exemplo da Coreia do Sul. O que o
modelo pode fala-nos da sua funcionalidade. O que não pode as
tarefas pendentes fala-nos das suas impotências e caducidade
assegurada. Ou seja, porque, depois de um certo tempo, exige sua
substituição por outro padrão de acumulação,
que seja capaz de assegurar um crescimento capitalista dinâmico.
Não seria preciso dizer:
tais mutações exigem a mediação da política.
III- Parêntesis: o neoliberalismo e o seu efeito de
decomposição
Indicámos que o neoliberalismo implica uma mudança no bloco de
poder. Na qualidade de força dirigente surge o capital
financeiro-especulativo. Ou seja, um capital que: a) opera no espaço
circulatório: b) é improdutivo: apropria-se mas não cria
maia-valia; c) acede à mais-valia pela via dos juros e dos lucros
bursáteis especulativos ou flutuações do capital
fictício
[8]
; d) compete com o capital produtivo pela mais-valia, pois o que ganha um
perde o outro; e) é um tipo de capital que pelo carácter do seu
ciclo e quase total alheamento do espaço da produção,
acentua
in extremis
a fetichização das relações económicas
[9]
; f) quando se transforma em fracção dominante, em regra provoca
uma tendência ao estancamento económico, ao mesmo tempo que
acentua a instabilidade económica e decompõe o capital produtivo;
g) pelo menos no contexto latino-americano, provoca um efeito de
contágio no capital industrial ou produtivo. Perante o leque
díspar de rentabilidades que gera o quadro neoliberal, o capitalista
industrial percebe que ganha mais se se puser a investir em papeis (capital
fictício), o que dá lugar à denominada
"bursatilização" ou
"financeirização" da empresa industrial.
[10]
Ou seja, esta experimenta uma espécie de degeneração
produtiva e começa a operar como uma vulgar correctora de valores.
Diversos autores sublinharam o
impacto malsão desta fracção do capital. Keynes,
nomeadamente, foi muito crítico e chegou a clamar pela
"eutanásia do rentista". Marx foi igualmente duro.
Qualifica-os de "bandidos honrados" e aponta o facto de que "o
sistema de crédito, cujo eixo são os supostos bancos nacionais e
os grandes prestamistas de dinheiro e usurários que pululam em torno
deles, constitui uma enorme centralização e confere a esta classe
parasitária um poder fabuloso que lhe permite não só
dizimar periodicamente os capitalistas industriais como imiscuir-se do modo
mais perigoso na verdadeira produção, da qual este bando
não sabe absolutamente nada e com a qual nada tem a ver".
[11]
Mas há algo mais e que
vai mais além da economia pura. É o efeito de
decomposição moral
que provoca o domínio desta fracção do capital. Para o
caso, vale recordar o juízo muito agudo de Marx: "enquanto a
aristocracia financeira fazia as leis, regia a administração do
Estado, dispunha de todos os poderes públicos organizados e dominava a
opinião pública mediante a situação de facto e
mediante a imprensa, repetia-se em todas as esferas, desde a corte até a
taberna mais ordinária, a própria prostituição, a
mesma fraude descarada, o mesmo afã pelo enriquecer-se, não
mediante a produção e sim mediante o escamotear da riqueza alheia
já criada. E nomeadamente nas altas esferas da sociedade burguesa
propagou-se o desenfreamento pela satisfação dos apetites mais
malsãos e desordenados, que a cada passo se chocavam com as
próprias leis da burguesia; desenfreamento no qual, pela lei natural,
vai buscar sua satisfação a riqueza procedente do jogo,
desenfreamento pelo qual o prazer converte-se em crápula e no qual
confluem o dinheiro, a lama e o sangue. A aristocracia financeira, tanto nos
seus métodos de aquisição como nos seus prazeres,
não é senão o
renascimento do lumpenproletariado nas altas esferas da sociedade
burguesa".
[12]
O neoliberalismo também
provoca um efeito de decomposição na classe operária,
especialmente no proletariado industrial. Ou seja, no segmento classista mais
forte (pelo seu potencial orgânico e político) do bloco popular.
A classe operária
experimenta uma exploração redobrada e uma
descida absoluta
no seus níveis de vida. Mas há algo mais. O ritmo
anémico da acumulação determina uma capacidade de
absorção ocupacional muito baixa. Por isso, observa-se uma forte
descida na porcentagem da classe operária (trabalhadores assalariados ao
serviço do capital) em relação à
ocupação total. Mais ainda, observa-se até uma descida
absoluta na sua dimensão numérica.
Dos que permanecem na classe,
há duas deslocações a sublinhar: i) aumenta o peso
percentual dos ocupados em actividades improdutivas; i) aumenta o peso dos
ocupados em estabelecimentos médios e pequenos. O que, só por
si, deve debilitar significativamente o peso específico (seu poder de
incidência política) da classe. Para isto também
contribuem o aumento no exército industrial de reserva, a chamada
"flexibilidade laboral" e o carácter
"precário" do grosso da actual ocupação
industrial.
O emagrecimento quantitativo do proletariado provoca um sério
efeito de desclassificação.
O que nos leva a perguntar: o que sucede com estes desclassificados? Qual o
seu destino social?
Alguns caem na marginalidade
social mais completa: consomem-se no álcool, na droga, na
depressão, etc. Em breve desaparecem como sujeitos sociais e até
como pessoas.
A grande maioria, em todo o
caso, procura reinserir-se em outros sectores económicos, aqueles que
por definição não podem ser capitalistas. Portanto, devem
incorporar-se a um quadro estrutural sociologicamente diferente, assumir status
e papeis sociais diferentes e, afinal de contas, reinventar-se como personagens
sociais. Em termos psicológicos, a transformação costuma
ser bastante traumática. Mas aqui interessa-nos indagar minimamente no
"novo" e nas consequências sócio-políticas que
gera.
Partamos de um dado elementar:
aqueles que o capitalismo não absorve, aqueles que não encontram
um capital variável que os procure, são por
definição pessoas pobres, sem controle de meios de
produção. E como só têm sua força de
trabalho, arriscam a aniquilação directa. Como fazem? O caminho
é conhecido: de um modo ou de outro arranjam-se para conseguir um
mínimo e precário meio de produção: uma bicicleta,
um cabaz, a cozinha e a máquina de costura doméstica, um martelo,
um cubículo de dois por dois, uma maleta de viajante, um lugar na rua,
etc. Ou seja, trata-se de conseguir um minimo-minimorun de recursos
(necessariamente ultra-rudimentares) para poder desenvolver alguma actividade
económica elementar. Daqui, uma primeira consequência: os
sectores marginalizados pelo capital incorporam-se ao pequeno comércio e
à pequena produção (aparentemente, mais à primeira
do que à segunda). Em suma,
expande-se um sector da pequena economia,
rudimentar e de muito baixa produtividade. Consecutivamente, o que foi o
pôde ser proletariado industrial metamofoseia-se e aparece como
"pequena burguesia pauperizada".
Neste sector, o processo de
trabalho assume um carácter basicamente pessoal-familiar. E no caso do
pequeno comércio, muitas vezes de rua e ambulante, que parece absorver o
grosso das sobras populacionais do capitalismo, observam-se outros
traços de interesse: i) o trabalhador muda muito de lugar e de
actividade e, por isso mesmo, não costuma ter clientelas fixas.
Além disso, tende ao desenraizamento; ii) a lógica
económica em que se insere pressiona-o a comprar barato e vender caro.
Ao mesmo tempo, não costuma funcionar com margens de preços mais
ou menos estáveis. De facto, este circuito e as condições
em que operam estimulam os truques e enganos, ao comprar e sobretudo ao vender:
iii) as condições em que desenvolve seu trabalho não
favorecem nem a disciplina pessoal nem uma vida que funcione com horizontes de
longo prazo. Além disso, trata-se de uma actividade quotidianamente
incerta e alheia a qualquer tipo de segurança social (serviços
médicos, pensões de velhice, etc); iv) a instabilidade e
incerteza podem lumpenizar bastante parte destes segmentos. Além disso,
costuma empurrá-los para actividades ilícitas: roubos,
sequestros, narcotráfico, etc. Certas tradições
rural-comunitárias muito mexicanas comtrapõem-se a estas
tendências. Mas trata-se de valores e usos que, sobretudo no meio
urbano, vêem-se desintegrando muito rapidamente.
Estes sectores,
quantitativamente muito extensos, não podem estar nada felizes com o
sistema. Ao contrário. Mas, pelas suas próprias
condições objectivas, não possuem capacidade organizativa
e costumam ser politicamente instáveis. Ou seja, oscilantes. Podendo
passar desde a actos de rebeldia extrema até a condutas passiva e de
desprezo para com a política. Inclusive, sob determinadas
condições, podem chegar a servir como base ou carne de
canhão de movimentos fascistas. Em linhas gerais pode-se sustentar: se
a esquerda estiver bem organizada e for lúcida, pode canalizar a raiva
destes segmentos por caminhos racionais e politicamente eficazes. Se
não estiver, podem-se desviar para movimentos fascistóides. Ou
então, o que por agora seria mais provável, deles podemos esperar
que surjam grandes e parciais arrebentamentos de rebeldia. Parciais num duplo
sentido: sem continuidade temporal e focalmente loalizados. Ou seja, alheios
a qualquer estratégia de longo prazo.
IV- A mudança estrutural. As grandes opções
Quais podem ser as
opções de substituição do modelo neoliberal? Em
termos de lógica económica e de modo muito sinóptico,
podemos distinguir as três que se seguem:
a) Um padrão
secundário exportador.
Neste caso, enfatiza-se o avanço para uma fase de
industrialização pesada, controla-se em direcção ao
rebaixamento da taxa de juros, insiste-se na abertura externa mas agora em
termos regulados (impusionam-se as exportações industriais e
regula-se o crescimento das imortações), não se modifica
substancialmente a distribuição do rendimento e eleva-se
substancialmente a taxa de acumulação. Também se expande
a ocupação industrial e observa-se uma forte
regulação estatal. A fracção hegemónica
é o grande capital industrial. Exemplo deste padrão pode ser a
Coreia do Sul.
b) Um padrão
capitalista democrático-nacional.
Em relação ao padrão neoliberal as mudanças
básicas seriam: melhoria substancial no emprego e na
distribuição do rendimento, crescimento industrial mais voltado
para os bens de consumo e em função do mercado interno.
Regulação estatal significativa, operando como
fracção hegemónica da burguesia industrial que trabalha
para o mercado interno e que é menos monopólica. Aproxima-se do
projecto de AMLO.
[13]
c) Um estilo de
transição ao socialismo.
Trata-se já de uma mutação maior e podemos supor que
implicaria uma coexistência entre um moderno sector socialista e um
não débil sector capitalista. Muito provavelmente trabalha para
o mercado interno, elevando o grau de industrialização e
melhorando a distribuição do rendimento.
Na actual conjuntura, os
modelos a) e c) não funcionam como opções efectivas. O
socialista por óbvias razões de correlação de
forças (nacional e internacional), pela grande debilidade da classe
operária mexicana e pela decomposição ideológica
que experimentou o ideal socialista. A opção a) resulta
surpreendente que não seja arvorada. Há aqui a expressão
de uma miopia política e económica maior da grande burguesia
industrial e de debilidade frente aos EUA. A longo e até a médio
prazo não deve ser descartada.
A opção restante,
a (b), foi a que se perfilou e ganhou força. De facto, é a que
vem operando como única alternativa efectiva e relevante ao modelo
neoliberal em curso. E foi a que nas últimas eleições
presidenciais [02/Julho/2006] se colocou no primeiro plano do cenário
político.
V- A eleição e a fraude
As eleições
não são tão insignificantes como um certo
"ultrismo" costuma qualificá-las nem tão decisivas como
são sonhadas pelo reformismo. São um barómetro, uma
conjuntura em que se concentram as forças políticas e
opinião das gentes. Além disso, podem funcionar como
factor desencadeador
de movimentos sócio-políticos de grande significado. No caso
que nos preocupa, as eleições presidenciais acabaram por
sintetizar o conflito entre duas grandes opções: a do modelo
neoliberal (Calderón) e a de um capitalismo nacional e
democrático (López Obrador). Ou seja, entre a delgada camada
oligárquica hoje dominante e o vasto oceano que hoje forma o povo
mexicano. Por isso mesmo, a conjuntura eleitoral torna-se de grande
importância e convém que seja examinada detidamente.
Quatro meses antes das
eleições, a vantagem de AMLO sobre os seus adversários era
enorme. Contudo, sua presença nos media (televisão em especial)
era reduzida. E por aquela data começou uma feroz campanha de
propaganda da direita e do governo.
[15]
Uma pequena parte, não mais de uns 15% centrava-se no programa de
Calderón. Tudo o mais apontava para um ataque impiedoso a AMLO. A
propaganda, pelo rádio e pela televisão, foi esmagadora, por
vezes à razão de duas ou três mensagens por minuto de
transmissão. Isto, pelo lado da propaganda explícita pois
noticiários e até programa desportivos e de espectáculos
acrescentavam mais e mais ataques a AMLO. Não menos chamativo foi o
conteúdo da propaganda: poucas vezes se viu tão crasso e
grosseiro. Inventaram-se números sobre a despesa e a dívida do
Distrito Federal sob a administração AMLO (sem parar de mentir
quando o orçamento foi aprovado por um Parlamento se maioria de AMLO e
com a aprovação do partido PAN, o de Calderón), chegou-se
a sustentar que AMLO repetira o programa do seu principal inimigo, o
ex-presidente Salinas (que foi grande impulsionador do neoliberalismo, ontem e
hoje apoiado por Calderón) e que se AMLO se tornasse presidentes, as
camadas médias perderiam casas, frigoríficos, liquidificadores e
televisão. A norma (ao que parece concebida por publicistas
espanhóis) foi a mentira e a mais completa falta de escrúpulos e
de ideologia. Aqui, o "imperativo categórico" do professor
Kant foi atirado directamente no caixote do lixo. E poderíamos muito
bem falar de
imoralidade absoluta.
[16]
E convém reiterar: a crítica ideológica como
por exemplo acusar AMLO de "desprezar o livre mercado", de
"subsidiar os pobres" e "fomentar a intervenção
estatal", de "não promover o investimento estrangeiro",
de "apoiar o divórcio" e não "querer vender a
Pemex aos gringos", etc
[17]
desapareceu por completo e foi substituída pela mentira soez, no
melhor estilo de Goebbels. Não é o caso de evitar o juízo
moral que esta conduta merece, mas é mais interessante apontar o aspecto
mais oculto que se
manifesta
neste tipo de conduta. Um: quase não se fala do projecto
próprio. A atenção concentra-se no rival. Daqui podemos
deduzir: não existe nenhuma vontade de convencer acerca das bondades ou
vantagens do próprio projecto. Dois: a crítica ao oposto
não maneja argumentos (ideias, raciocínios,
deduções) de ordem racional mas, muito pelo contrário,
instala-se na ordem puramente emocional: os medos, os perigos, as ansiedades.
Em suma, abandona-se o espaço da razão e nos instala directamente
no plano das emoções mais elementares e primitivas. No fundo,
encontramos uma tentativa, certamente inconsciente, de reviver o modo de
dominação medieval, o do medo aos santos infernos e às
mais terrenais fogueiras que pregavam curas e bispos para submeter o
campesinato indigente. Podemos, em consequência, deduzir: na elite
neoliberal o afã hegemónico (isto é, de
convencer
) é ou muito fraco ou inexistente. O que poderá talvez dever-se
à rusticidade intelectual dos ideólogos (tecnocratas)
neoliberais. Ou então, ao facto de que implícita e
inconscientemente maneja-se a ideia de uma
impossibilidade estrutural:
o modelo neoliberal não dá para atrair grandes massas da
população. Por isso mesmo, deve-se recorrer à
coacção directa. Algo assim como um
"purgatório" iniludível, o que se justificaria (para as
possíveis e não muito abundantes "boas
consciências") pela promessa, a longo-longo prazo, de uma
expansão económica capaz de melhorar o bem estar geral. Para o
que, a curva distributiva em "U" investigada por Kuznets, poderia
representar alguma racionalização.
[18]
Com um problema nada pequeno: em tais padrões de desenvolvimento, a
distribuição regressiva encontra justificação
histórica enquanto for associada a altos ritmos de
acumulação e crescimento, algo totalmente alheio ao padrão
neoliberal.
Retomemos nosso fio. A brutal
propaganda da direita debilitou AMLO. Contudo, nos dias anteriores à
eleição, poucos jornalistas (falamos de jornalistas inseridos no
establishment
dos grandes media) duvidavam do seu triunfo. Ao nível dos
inquéritos, se retirarmos os mais extremos e fizermos médias por
classes, dava-se uma diferença de 4-2 pontos percentuais em favor de
AMLO.
[19]
A eleição
realizou-se dia 2 de Julho. Os resultados oficiais, bastante demorados e
sinuosos, davam como ganhador o candidato das direitas, por uma margem de meio
ponto percentual. A surpresa foi grande, espalharam-se as dúvidas e,
pelo menos para os perdedores, foi algo muito difícil de aceitar.
[20]
A fraude é mais do que
provável. Afinal de contas, trata-se de um velho costume da
política mexicana. Mas agora, juntamente com os métodos mais
tradicionais (dos quais dia a dia vão aparecendo mais provas), parecem
haver-se incorporado alguns mecanismo cibernéticos muito refinados. As
evidências têm-se multiplicado (ao mesmo tempo que todos os media
repicam acerca da "grande jornada democrática" e de um
"sistema eleitoral que é modelo e digno de ser imitado a
nível mundial" glup!), mas aqui não podemos entrar
nesse plano, que antes de tipo técnico-policial. Num plano mais
apriorístico, há matemáticos que falam de
inconsistências lógicas muito suspeitas na temporalidade dos
cálculos. No plano das redes do poder, há dados gritantes:
i) o candidato da direita foi padrinho de casamento do actual director do
órgão máximo responsável pela contagem;
i) o cunhado do candidato da direita, dono de uma empresa de
computação, obteve um sumarento e obscuro contrato como o
organismo eleitoral máximo; iii) a grosseira campanha de
propaganda deste organismo supostamente neutral, depois da
eleições, contra
as colocações de AMLO. Mas há algo mais: a direita e o
seu candidato vêm-se negando rotundamente a aceitar uma segunda contagem
dos sufrágios. Por outras palavras, recusam um procedimento que lhes
deveria conceder se realmente têm mais votos uma
legitimidade muito forte. A aposta é clara e deve ser sublinhada:
aponta-se para a
dominação sem legitimidade.
Ou seja, violência sem consenso, poder não revestido de
legitimidade.
VI- Os de cima e os de baixo. Os modos da política
A mudanças sociais podem
ser muito diversas, mas podemos agrupá-las em duas modalidades
básicas. 1)
Reformas:
se preservarem os traços mais essenciais do sistema e alterarem alguns
traços secundários ou de segunda ordem. 2)
Revoluções:
se alterarem os traços mais essenciais do sistema, ou seja,
suas relações de propriedade e as correspondentes
relações de classe:
"as revoluções, as verdadeiras (...), transformam as
instituições e deslocam a propriedade".
[21]
A classe subordinada pode desenvolver dois modos de luta política: a)
luta ou política reformista; b) luta ou política
revolucionária. Pela seu lado, a luta da classe dominante também
assume dois estilos: a) luta reformista; b) política conservadora e
reaccionária. Neste caso, recusa-se toda classe de
alterações no sistema. No primeiro, aceitam-se mudanças
(reformas) na medida em que não afectarem as bases do sistema.
As reformas que pressionam os
de baixo e desejam ou aceitam os de cima podem ser convergentes.
Materializam-se, dão lugar a uma transição que vai de uma
etapa ou fase para outra etapa ou fase no desenvolvimento do sistema. Em
regra, a resposta reformista da classe dominante é o método mais
eficaz para preservar o sistema a longo prazo: além de assegurar seu
dinamismo produtivo, contribui para solidificar a legitimidade da ordem social
vigente. As políticas intransigentes da classe dominante, pelo
contrário, costumam pressionar o avanço das posturas
políticas revolucionárias no seio da classe explorada. Mas se o
radicalismo entra em acção, a classe dominante não
poderá responder com diálogos e sim com o uso sem
restrição do poder repressivo estatal. Como advertia Marat nos
inícios da Revolução Francesa: "pretender que homens
que durante dez séculos gozaram de toda a liberdade para dominar-nos,
roubar-nos e oprimir-nos impunemente decidam-se agora de bom grado a serem
simplesmente nossos iguais é o cúmulo da loucura".
[22]
Por isso mesmo, se neste contexto tiver de materializar-se a mudança,
a força da repressão estatal deverá ser contrariada por
uma força superior. Por isso se diz que, em regra, não há
revoluções pacíficas e que a revolução
funciona como parteira da história.
O acima indicado também implica que nos momentos de grande
colisão, a classe alta não vacila em dissolver a forma
democrático-burguesa. Para o caso, é util recordar algumas
colocações clássicas. Quanto a Engels, foi dito que
"previa que a burguesia faria em pedaços suas próprias
formas constitucionais se estas ameaçassem sua propriedade".
[23]
De Rosa Luxemburgo, um estudioso da sua obra destaca que "acertava
completamente quando insistia em que a classe capitalista em,
em todas as partes,
é menos sentimental acerca da democracia que acerca da
permanência da sua supremacia".
[24]
Quanto a Lenine, assinalava que "o partido dominante de uma democracia
burguesa só cede a defesa da minoria (leia-se domínio do aparelho
estatal, JVF) a outro partido
burguês,
ao passo que ao proletariado, em todo problema
sério, profundo e fundamental,
ao invés da 'defesa da minoria' cabe-lhe como destino estados de guerra
ou progroms.
Quanto mais desenvolvida está a democracia, tanto mais próxima se
encontra do progrom ou da guerra civil em toda divergência
política perigosa para a burguesia".
[25]
Em suma, ceder o poder à classe operária é algo que a
burguesia não aceita e para evitá-lo não vacila em
desfazer-se dos cânones democrático-burgueses e recorrer à
violência extrema. Ao mesmo tempo, indica-se que a
transição no poder de uma fracção burguesa para
outra pode ter lugar conservando as formas democráticas.
Pois bem, o que a actual
experiência mexicana (e não só a actual) vem mostrando
é algo que contradiz a tese de Lenine e torna-a ainda mais grave:
rompe-se com a democracia não só frente a um eventual perigo de
um movimento anti-capitalista. Quando se trata de avançar para outra
forma de capitalismo, o actual bloco neoliberal também está
disposto a romper com a norma democrático-burguesa e entrar no
espaço da coacção.
[26]
O significado das últimas eleições, sua fase
prévia e a que se lhe seguiu, parece apontar neste sentido.
Teríamos então:
a direita neoliberal, no actual contexto, aposta na força. E como bem
sabemos, uma força só pode ser contraposta por outra força
de sinal oposto e mais poderosa. Mas basta esta observação para
perceber a tremenda disparidade que existe neste espaço: o bloco
progressista, neste plano o da força funciona com uma
orfandade completa. Neste sentido, a escolha das direitas parece inteligente:
o desnível é tão forte que nem sequer permite que se
chegue a uma confrontação efectiva. Quando muito poderia
verificar-se uma ou outra escaramuça impotente. Mas é muito
claro que o bloco progressista, neste plano, está totalmente condenado
à derrota. Antes, inclusive, de qualquer possível
confrontação.
Contudo, a direita estaria a começar a brincar com fogo.
Se só oferece coacção, para o bloco popular a moral
é evidente: deve começar a preparar-se também no plano da
força. Se assim for, este não será um caminho curto.
Muito pelo contrário, estar-se-ia a abrir uma rota sinuosa,
áspera e não linear. Em que, além disso, o país
cairia num contexto de quebra da normalidade mais elementar e começaria
a viver sentado nas baionetas.
Está o país,
então, numa rota de grande colisão? A pergunta merece uma maior
discussão.
VII- As forças que podem pressionar pela mudança. Alguns
antecedentes.
Aceitemos que a base
económica exige uma mudança no padrão de
acumulação. Mas daqui não se deduz que a mudança
esteja na ordem do dia. Primeiro porque o movimento que vai da base
económica à variável política (passando pelo
ideológico) não é algo automático, costuma ser
muito sinuoso e inclusive poderia não chegar a ocorrer durante um longo
período de tempo. Além disso, a mesma variável
política poderia ter (algo muito habitual) um comportamento
errático. Mas além desta colocação de ordem geral,
devemos considerar alguns traços muito peculiares do actual
período. O problema a considerar é o dos agentes
possíveis da mudança e do que poderíamos denominar seu
"estado de saúde".
Para melhor entender o ponto, comecemos por uma colocação
introdutória.
Recordemos um texto bastante
conhecido de Marx. Nele prognostica-se o que se poderia passar com o curso e o
avanço do desenvolvimento capitalista. E para melhor ressaltar o ponto
que nos interessa separamos no texto os parágrafos que se seguem: 1)
"com a diminuição constante no número dos magnatas
capitalistas que usurpam e monopolizam todas as vantagens deste processo de
alteração" (Marx refere-se ao processo de crescimento,
socialização das forças produtivas e
centralização de capitais que tipifica o capitalismo, nota de
JVF); 2) "cresce a massa da miséria, da opressão, da
servidão, da degeneração, da
exploração"; 3) "mas aumenta também a rebeldia
da classe operária, cada vez mais numerosa e disciplinada, mas unida e
organizada pelo mecanismo do próprio processo capitalista de
produção".
[27]
Cotejemos agora estes enunciados com as actuais realidades mexicanas.
[28]
O ponto 1) cumpre-se com total clareza no México, os ricos são
cada vez mais ricos (já o são a nível mundial) e menores
em número. O ponto 2) também se cumpre amplamente: os
níveis de miséria e exploração vêm atingindo
extremos inauditos. Quanto ao ponto 3), encontramos incongruências. Um:
a classe operária não é mais numerosa. Antes ao
contrário, cai seu peso relativo (porcentagem da ocupação
total) e até a sua magnitude absoluta. Dois: não está
nem mais unida nem mais organizada. De facto, atravessa sérios
problemas de organização e unidade. Três: quanto à
maior rebeldia, o ponto não está claro: em alguns dos seus
segmentos (mineiros, Sicartsa) dá mostras de despertar para a luta. Em
outros, continua um tanto ou muito adormecida.
Continuemos com o ponto 3), mas
mudemos agora "classe operária" por "povo" em geral
(inclusive descartando os operários propriamente ditos). Neste
contexto, ao continuar a cotejar com o México, encontramos: a) forte
crescimento numérico do povo; b) mais e novas rebeldias. Mas
atenção!: nesta rebeldia não há uma
consciência classista que se traduza numa orientação
política anti-capitalista. Pelo menos no momento é basicamente
raiva, contrariedades e frustrações muito fundas; c) muito pouca
organização. Em suma, uma indignação ou raiva que
não consegue traduzir-se numa força política com
directrizes claras. Pelo menos, não no grau que se poderia esperar a
partir do alto nível da contrariedade da rebeldia social.
Neste ponto, permita-se-nos
deter o passo. O bloco progressista (o potencial e o efectivo) é
integrado por segmentos classistas muito heterogéneos. Por isso, em
cada um deles podemos encontrar opções e potencialidades
diferentes. Neste sentido, antes de incorrer em generalizações
apressadas convém examinar o que sucede com as diversas
fracções que compõem o todo.
Por enquanto, deixamos de lado
a classe operária. E perguntamos: a) Quem integra o bloco, o potencial
e o efectivo? b) Que se pode esperar de tais segmentos? Qual é sua
capacidade de liderança e qual é o projecto que favorecem?
Quanto à diversas
fracções classistas que poderiam alinhar-se no bloco potencial,
identificamo-las no quadro que se segue:
O esquema é em
traços muito gerais e exigiria apresentar matizes e
explicações longas. Mas isto nos levaria demasiado longe e
optámos por correr o risco inerente a todo traço grosso.
Como apreciação
geral, digamos que no bloco efectivo os segmentos 1.1, 2.1.1 e 2.2.3
estão fracamente representados e muito dificilmente elevarão sua
participação. Os segmentos 1.2, 1.3, 2.1.3 e 2.2.4 poderiam
elevar-se bastante.
O peso quantitativo da
burguesia é mínimo.
[29]
Menos de 250 mil pessoas, o que equivale a uns 0,7% da ocupação
não agrícola total. De todos eles, uns 0,1% (um por mil, pouco
mais de 300 patrões) pertencem à grande burguesia, uns 6,2%
à burguesia média e uns 93,6% à burguesia pequena.
[30]
O
"peso específico"
destes segmentos certamente está muito acima do seu peso quantitativo.
[31]
Este é o caso, sobretudo, da grande burguesia. Aqui, sublinhemos,
localiza-se o próprio coração do poder económico e
político do país. Deles, uma parte provavelmente não
maior, é a que trabalha para o mercado interno e que poderia acabar por
ser favorável ao projecto de AMLO. O ponto é algo curioso: se
AMLO chegasse ao governo, este grupo seria muito beneficiado e, por isso mesmo,
podemos supor que acabaria por apoiá-lo. Mas hoje tem-lhe
desconfiança e praticamente todos o recusam. Quanto à burguesia
média e pequena, é muito provável que aqui, sem serem
majoritários, apareçam apoios a AMLO.
O conjunto quantitativamente
mais forte é o da pequena burguesia. A informação
básica mostra-se no quadro que se segue:
Quadro II - México, nível e composição da pequena
burguesia não agrária
Sectores
|
Nº ocupados
|
Porcentagem sobre o total da classe
|
Porcentagem sobre ocupação não agrícola
|
Porcentagem sobre ocupação total
|
1.- Pequena Produção.
|
16,773,730
|
77.8
|
48.6
|
40.6
|
1.1. Produtivos
|
5,740,653
|
26.6
|
16.6
|
13.9
|
1.2. Improdutivos
|
11,033,077
|
51.2
|
32.0
|
26.7
|
2.- Sector capitalista
|
2,902,881
|
13.5
|
8.4
|
7.0
|
2.1. Profissionais
|
1,180,143
|
5.5
|
3.4
|
2.9
|
2.2. De escritório
|
1,722,738
|
8.0
|
5.0
|
4.2
|
3.- Sector governo
|
1,879,038
|
8,7
|
5.4
|
4.5
|
Totais
|
21,555,649
|
100.0
|
62.4
|
52.2
|
Fonte: estimado a partir de INEGI, "Encuesta Nacional...", ob. cit.
A informação
disponível não permite que nos atenhamos estritamente à
classificação de grupos exposta antes. Mas pode servir-nos como
uma primeira e grossa aproximação.
O que salta à vista em
primeiro lugar é a tremenda importância quantitativa do sector.
Explica uns 62% da ocupação urbana e mais da metade da
ocupação total. Se aos totais calculados lhe
acrescentássemos a pequena burguesia agrária,
aproximar-nos-íamos a quase dois terços da ocupação
total.
[32]
Em contas resumidas, actualmente
o México pode ser catalogado como um país que é
basicamente pequeno burguês.
Contudo, trata-se de um
conjunto muito variegado e com fortes diferenças internas. O tema
merece um exame ad hoc que não podemos fazer aqui. Mas no Quadro II
podem-se captar alguns traços básicos. As camadas médias
com situação económica média ou folgada devem-se
situar no sector capitalista (sobretudo em técnicos e profissionais) e
no governo. Quando muito explicariam uns 22% do conjunto total. E em
relação à ocupação total, alcançariam
uns 11,5%. O grosso das camadas pequeno burguesas localiza-se no sector da
pequena produção mercantil (que a estatística oficial
denomina "sector não estruturado" ou "informal"):
explicam uns 77,8% do conjunto e em relação à
ocupação total quase uns 41%. São as camadas mais
pauperizadas e precárias, inserem-se principalmente em actividades
improdutivas (comércio e serviços) e desenvolvem trabalhos do
tipo vendedor ambulante, etc. Neste sentido, ao enunciado geral prévio
podemos acrescentar que o país, além de ser basicamente pequeno
burguês, é de
uma pequena burguesia muito empobrecida e em processo de
decomposição.
Passemos a examinar a classe operária. Os antecedentes mais grossos
mostram-se no Quadro III.
Quadro III - A classe operária no México. Alguns antecedentes
quantitativos.
Sector de trabalho
|
Número de operários (*)
|
Porcentagem da ocupação não agrícola
|
Porcentagem ocupação total
|
Pequena ind.
|
5,856,740 ( 43.2 )
|
17.0
|
14.2
|
Media ind.
|
4,080,564 ( 30.1 )
|
11.8
|
9.9
|
Grande ind.
|
3,627,561 ( 26.7 )
|
10.5
|
8.8
|
Totais
|
13,564,865 ( 100.0 )
|
39.3
|
32.8
|
Total ajustado(**)
|
10,661,984 ( 78.6 )
|
30.9
|
25.8
|
(*) O número entre parênteses indica a porcentagem do estrato
sobre o total da classe.
(**) Ao total de trabalhadores remunerados retirámos o grupo de
trabalhadores de escritório e o de profissionais e técnicos. Para
isso, aplicamos a porcentagem destes grupos sobre a população
ocupada total. Trata-se de uma aproximação pois nossa fonte
não cruza posição ocupacional com dimensão de
estabelecimento.
Fonte: estimado a partir de INEGI, "Encuesta nacional de ocupación
y empleo 2005", citada.
O que mais chama a
atenção é o baixo peso quantitativo da classe: só
explica uma quarta parte da ocupação total. E equivale a quase a
metade do conjunto pequeno burguês. Tudo isso nos mostra muito vivamente
as carências do desenvolvimento capitalista no país. Em segundo
lugar, chama a atenção o facto de que a menor porcentagem dos
assalariados localiza-se nos grandes estabelecimentos (menos uma quarta parte).
Correspondentemente, o grosso da classe localiza-se em negócios
médios e pequenos. Nos pequenos, encontram-se uns 43% (medido sobre o
total não ajustado) e mais da metade se cotejarmos com o total ajustado.
O que, se recordarmos a correlação entre tamanho de
fábrica e nível de organização e consciência
da classe, nos adverte que as condições objectivas não
jogam a favor de uma classe activa e "para si".
Outra informação
de interesse refere-se à localização da classe em sectores
produtivos ou improdutivos. Neste caso não podemos fazer o ajuste que
exige a presença da pequena burguesia assalariada. Em todo o caso, a
informação permite-nos uma aproximação grossa ao
problema.
A informação nos
mostra que 69% dos ocupados localiza-se no sector improdutivo. Além
disso, que o segmento improdutivo é muito mais forte no estrato de
estabelecimentos pequenos. Ver o quadro que se segue:
Quadro IV - Ocupação assalariada por tamanho e sectores produtivo
e improdutivo. (porcentagens do total)
Sectores
|
Pequenos
|
Médios
|
Grandes
|
Total
|
Produtivo
|
17.0
|
34.0
|
50.0
|
31.0
|
Improdutivo
|
83.0
|
66.0
|
50.0
|
69.0
|
Total
|
100.0
|
100.0
|
100.0
|
100.0
|
Sectores
|
|
|
|
|
Produtivo
|
25.0
|
33.0
|
42.0
|
100.0
|
Improdutivo
|
53.0
|
28.0
|
19.0
|
100.0
|
Nota: Não se considera o sector agropecuário e como sectores
produtivos contabiliza-se a construção e indústria
manufactureira. Como improdutivos, comércio e serviços. Isto em
função da classificação da estatística
oficial.
Fonte: estimado a partir de INEGI, ob. cit.
Na parte superior do quadro,
linhas 1 a 4, mostra-se a distribuição do emprego assalariado por
tamanho e sector. E podemos ver que no segmento de estabelecimentos pequenos
83% da ocupação é gerado no sector improdutivo. Ao passo
que, no segmento de grandes estabelecimentos, a ocupação
distribui-se em partes iguais, 50% e 50%. Em suma, é muito claro que a
menor tamanho, maior o peso das actividades improdutivas. E vice-versa. Algo
que não deve surpreender pois uma parte significativa do sector
improdutivo corresponde ao grupo de "não
transacionáveis". Ou seja, trata-se de actividades que ficam
à margem da competição externa e, por isso mesmo, permitem
o refúgio dos mais fracos.
Na parte inferior do quadro,
linhas 5 a 7, os dados são computados de outra maneira. Aqui podemos
ver como a ocupação, produtiva ou improdutiva, distribui-se
segundo dimensões do estabelecimento. A linha 6, por exemplo,
assinalá-los que 42% da ocupação produtiva origina-se nos
grandes estabelecimentos, uns 33% nos médios e uns 25% nos pequenos. Em
resumo, o sector produtivo está associado positivamente ao tamanho da
empresa. Entretanto, no sector improdutivo (linha 7), verificamos que 53% da
ocupação é originada nos pequenos negócios, uns 28%
nos médios e só uns 19% nos grandes estabelecimentos. Em suma:
quanto menor é a dimensão do negócio, maior é o
peso das actividades improdutivas. Neste contexto, podem-se depreender muitas
e graves conclusões que aqui não podemos discutir. Mas basta uma
indicação: a dimensão do despropósito das
iniciativas neoliberais para impulsionar o segmentos dos "pequenos
changarros"
[NT 1]
. Com isso não só apostam nos mais baixos níveis de
produtividade (ou seja, na reprodução do subdesenvolvimento) como
também em acentuar ainda mais o grave parasitismo que vem degradando a
economia do país.
Terminemos esta
digressão quantitativa. Podemos ensaiar um balanço final, para o
que distribuímos a ocupação agropecuária (17,3% do
total, excluindo o grupo de "outros") nas três categorias
básicas que estivemos a manejar.
[33]
Isto nos daria a seguinte distribuição percental da
ocupação total (sem contabilizar "outros"), urbana e
rural:
Burguesia
|
1.5 %
|
Pequena burguesia
|
68.7 %
|
Proletariado
|
29.8 %
|
Em suma, o que domina no país é o vasto e variegado mundo da
pequena burguesia. Esta é muito dissemelhante, mas na sua maior parte
vem caindo na condição de camada pauperizada. O que
também nos fala de um capitalismo anémico, estancado,
parasitário e incapaz de absorver produtivamente a maior parte da
população. De facto, o que este sistema vem provocando
são dois tipos de expulsões: a) a que envia gente para fora do
país; b) a que expulsa para o interior atrasado o sector das pequenas e
paupérrimas actividades informais.
O acima descrito também
nos pode ajudar a entender alguns aspectos relevantes da situação
actual: i) a massificação do movimento pela
mudança; ii) a eventual instabilidade política dessas
massas; iii) o carácter da sua mobilização, mais
ligada a uma personalidade carismática do que a
organizações partidárias; iv) a debilidade
orgânica e ideológica que permeia as bases do movimento.
[34]
Adicionalmente, pensando no
modelo de capitalismo democrático e nacional impulsionado por AMLO,
teríamos: a) como
força principal
(ou seja, numericamente majoritária) a pequena burguesia; b) como
opções de
força dirigente,
a burguesia industrial não monopolista que trabalha para o mercado
interno ou a classe operária industrial. Isto, num sentido
teórico-abstracto, como um juízo antes apriorístico. Mas
o que a realidade concreta hoje nos indica é uma tremenda orfandade
(ideológica e política) da classe operária. Além
disso, uma extensa falsa consciência na burguesia industrial nacional.
[35]
Começa-se portanto a
perfilar uma hipótese: estamos na presença de uma realidade
objectiva que começa a pressionar pela mudança. Não
obstante, essa mesma realidade parece também debilitar os
possíveis agentes sociais (classes e/ou fracções de
classes) que poderiam impulsionar e dirigir essa mudança com a
adopção de uma
estratégia coerente.
Contudo, convém
incorporar de imediato um factor nada insignificante. A nível de
direcções políticas (do tipo PRD e no círculo de
AMLO), a burguesia industrial (a média, em especial) está muito
sobre-representada e ocupa posições de comando. Esta é
uma das maiores peculiaridades da situação actual: existe uma
representação política que surge desconectada das suas
bases objectivas.
[36]
Dizendo isto de outra maneira: a classe per se anda por um lado e seus
representantes político-literários mais lúcidos andam por
outro. Por agora, a convergência é mínima, ainda que
obviamente possa chegar a crescer. O problema já foi
indicado: para que o político convirja e se una ao económico, o
bloco de AMLO teria que chegar ao governo e então,
a partir dali,
provocar a convergência
Resta uma pergunta: acaso
não há capacidade de direcção por parte da pequena
burguesia? E, se não do seu conjunto, não podem tê-la
algumas das suas fracções componentes?
Precisemos: por
força dirigente
entendemos aquela classe (ou fracção de classe) que
encabeça o movimento em favor de uma mudança estrutural e que, ao
frutificar, implanta uma ordem económica e política que responda
aos seus interesses objectivos de classe.
Ou seja, a mudança provocada põe a classe numa
situação de comando,
no económico e no político.
Neste sentido, a
experiência histórica conhecida é bastante eloquente: esta
classe por vezes (não sempre) funcionou com um grande
factor de empuxão.
Mas nunca como força dirigente. De um modo ou de outro, sempre acabou
por favorecer os desígnios de
outra classe.
Neste caso, Lenine sustentava que ao pequeno burguês "une-o
economicamente e
politicamente
a burguesia (...), ou o proletariado. De um 'terceiro caminho', de uma
'terceira força' só podem papaguear e sonhar os fátuos
Narcisos".
[37]
Por que esta impotência
política? Num sentido muito geral, podemos apontar o que se segue. Se
o projecto político que se arvora for estritamente congruente com a
posição de classe deste grupo, tratar-se-ia de reproduzir sua
condição de pequeno produtor mercantil. Foi o que fizeram muito
claramente autores como Rousseau
[38]
, Proudhon e outros. O problema chave é que tal propósito exige
congelar as forças produtivas. Por isso mesmo, trata-se de um projecto
com nenhuma viabilidade histórica substantiva. Por outro lado, se
aceita que é necessário impulsionar uma maior produtividade do
trabalho, o que de facto começa a fazer é estimular a
transição para o capitalismo. Ou seja, transformar o pequeno
burguês num capitalista incipiente.
O indicado é
especialmente válido para a pequena burguesia independente. Para a
assalariada, especialmente no seu segmento burocrático-estatal, em
circusntâncias históricas muito particulares, poderia procurar
avançar para um "socialismo burocrático". Ou seja,
para um capitalismo monopólico estatal de
aparência
socialista. Mas aqui também haveria "mudança de
pele": o que surgiria seria uma "burguesia burocrática de
Estado". Finalmente, quando ao segmento intelectual, que é parte
do grupo de técnicos e profissionais, em regra muito poucos funcionam
como "intelectuais orgânicos da pequena burguesia"
stricto sensu
(casos de Rousseau, Proudhon, etc). Além de que fazem-no com todas as
limitações estruturais já mencionadas. Mas na sua grande
maioria acabam por integrar-se nos lados fundamentais.
[39]
Em alguns casos reproduzem a ideologia dominante acomodando-a às
condiçoes do meio social pequeno-burguês em que vivem. Por outras
palavras, passam a funcionar directamente como intelectuais orgânicos das
classes fundamentais. Em suma, a camada é um viveiro muito fecundo, mas
em benefício de outras classes.
Em resumo: na pequena
burguesia, em todos os seus diferentes componentes, não podemos
encontrar uma capacidade de direcção real e substantiva. E sim
uma grande força de apoio. A qual, além disso, assume uma
peculiaridade que passamos a indicar.
VIII- Breve incursão sobre o tipo de liderança e seu
condicionamento
No bloco progressista actual
não existe uma direcção sólida e homogénea.
O que há é um líder carismático cercado de uns
poucos colaboradores.
[40]
Trata-se de uma liderança pessoal de tipo carismático, quase
órfão de teoria e doutrina. A dedução parece
clara: trata-se de avançar das decisões intuitivas para outras
sustentadas em reflexões e estudos sólidos, e de uma
direcção unipessoal quase absoluta a outra de carácter
mais colectivo. Mas isto é mais fácil de dizer do que de
praticar. E que esta situação tenha lugar e que se repita
reiteradamente, há longo tempo, deveria alertar-nos: nesta
expressão subjectiva muito provavelmente estão a incidir causas
objectivas muito poderosas, ancoradas na própria estrutura da sociedade
actual.
No México, vale a pena
insistir no ponto, em virtude da paralisia do processo de
acumulação e reprodução ampliada, encontramo-nos
hoje perante um verdadeiro mare magnum de elementos pequeno burgueses.
Não se trata aqui de segmentos que se libertam do domínio
latifundiário como em fins do século XIX e durante a primeira
metade do século XX. Agora, a origem é outra: o estancamento e
a decomposição do capitalismo industrial, sua incapacidade para
gerar emprego produtivo. Dada a condição pequeno burguesa de
base, trata-se de grupos muito diversos que vão desde o vendedor
ambulante ao profissional independente, ao artesão e pequeno
comerciante. Desde o pequeno negócio de comidas ao bufarinheiro e ao
narcotraficante menor. O panorama é muito heterogéneo e, por
isso mesmo, não se pode esperar que deste oceano brotem comportamentos
políticos coerente e unificados. O que costuma imperar é a
inconstância, por vezes o arrivismo rasteiro e em outras a rebeldia
vociferante. Além disso, boa parte destes grupos "não podem
representar-se e têm, sim, que ser representados. Seu representante tem
aparecer ao mesmo tempo como seu senhor, como uma autoridade por cima deles,
como um poder ilimitado de governo que os proteja das demais classes e lhes
envie, a partir do alto, a chuva e o sol".
[41]
Neste contexto, deve-se
compreender que a figura de um líder carismático transforma-se em
algo
inevitável.
Mais ainda, numa verdadeira
necessidade
do processo. De outro modo, as possibilidades de aceder ao sentimento das
grandes massas populares seriam mínimas. A questão, por
conseguinte, precisa ser colocada em outro plano: o de saber se a
liderança actuará num sentido favorável ao progresso e
à futura autonomia do povo ou no sentido mexicano mais antigo, como
personagem caciqueira que se serve do seu poder para subordinar e explorar seus
seguidores. Pelo que se sabe, felizmente AMLO situar-se-ia no primeiro trilho.
O que, naturalmente, não anula a necessidade de empurrar com toda a
força que se possa, o avanço para uma direcção mais
moderna, colectiva e racional.
IX- Perspectivas
Na actual conjuntura (Julho,
2006), os prognósticos acerca da evolução do conflito
não são simples. Mas convém arriscar algumas
hipóteses grossas.
Um: a direita não
aceitará a recontagem de votos. Dois: assumirá a
presidência com legitimidade nula, apoiando-se mais nas baionetas (na
ameaça
de usá-las e em alguma aplicação pontual) e na brutal
coacção mediática em curso. Três: no povo
processar-se-ão sentimentos previsíveis de
frustração e grande nojo. A frustração é
muito grande pois haviam-se depositado grandes esperanças na actividade
do novo governo e, além disso, existia uma forte confiança no
triunfo eleitoral de AMLO. O nojo, pela fraude e pela soberba grosseira e
racista que hoje exibe a direita. Neste contexto, brotam duas
tentações: abandonar a mobilização ou deslizar
para acções violentas não coordenadas.
[42]
Para o bloco popular, neste
contexto, os desafios tornar-se-ão grande e complicadíssimos.
Trata-se de
acumular forças aceleradamente
e, ao mesmo tempo, evitar todo enfrentamento terminal e decisivo. Isto,
enquanto a correlação de forças for ainda
desfavorável. A urgente acumulação de forças exige
aprofundar a mobilização do povo
a partir de baixo,
fomentar sua criatividade e capacidades orgânicas, gerar e
forjar quadros
tirando-os até de debaixo das pedras. Neste contexto, não
é fácil regular o conflito e mantê-lo num espaço que
não sufoque a iniciativa popular e, ao mesmo tempo, não precipite
enfrentamentos prematuros.
A direita, ao descartar o
consenso, esgrime a violência (a que chama a "força da
lei") e colocou o povo e a sua actual direcção
política num campo minado para o qual não está preparado.
Por essa razão, deve-se hoje evitar esse tipo de enfrentamentos. Mas,
ao mesmo tempo, deve começar a preparar-se para assumi-lo em algum
momento do futuro. Hoje, em todo caso, as
tarefas são fundamentalmente políticas
e convém visualizá-las num quadro estratégico de longo
prazo.
Insistamos na táctica de
cerco que está a aplicar a direita. Esta é muito clara: a)
apelar ao respeito irrestrito à lei e à institucionalidade (algo
que lhes é inteiramente favorável: as leis não foram
feitas para favorecer o povo e sim para oprimi-lo. Além de que, se
estorvam, não vacilam em saltar olimpicamente por cima delas); b)
apelar à supressão de manifestações maciças,
actos de protesto, até de certo tipo de declarações que
desnudam o conflito classista e a hipocrisia do núcleo dominante, etc.
A questão é muito óbvia: trata-se de colocar o conflito
num espaço completamente favorável ao grande capital. Para o que
vem-se desdobrando uma campanha feroz nos media ao mesmo tempo que se
começa a subornar descaradamente a escumalha das direcções
sindicais e políticas. Além disso, mobiliza-se activamente (a
esta mobilização não há restrições) o
clero e as cúpulas empresariais.
Nos sectores de base esta
pressão não vinga. Mas sim na ala direita do bloco progressista.
Estes dirigentes, que rodeiam AMLO muito estreitamente, ainda experimentam a
indignação da fraude. Mas mais tarde impor-se-á neles a
vocação pelo "acordo conciliador" com as cúpulas
do poder e o seu temor consanguíneo (casos de Ortega, Arce, Camacho,
etc) à mobilização dos de baixo. Se estes a base
popular conseguirem fortalecer-se, forjar quadros e ascender a postos de
direcção poderão deslocar a alta direitista do bloco. O
que também agudizaria a contradição principal do
período, a que se dá entre a muito fina camada neoliberal
dominante e o movimento popular. Com isso, o avanço para um capitalismo
nacional e democrático tornar-se-ia possível e muito
provável. Poderia parecer paradoxal: o desenvolvimento e
radicalização da base popular a operar como
condição do triunfo de uma ordem económica do tipo
capitalista. Mas na realidade o fenómeno não é nada
infrequente: em múltiplos casos a história nos mostra o povo
a obrigar
a burguesia a cumprir suas tarefas históricas.
Acrescentemos: um caminho como
o insinuado é só uma possibilidade e que poderá
perfeitamente não frutificar. O próprio conteúdo
socio-classista da base popular, a debilidade da classe operária e a
consciência política não desenvolvida conspiram contra esta
possibilidade.
Superar tais carências
não é fácil. Por isso, dever-se-ia insistir nas tarefas
políticas centrais. Uma, muito genérica e que nem por
óbvia deve ser silenciada: trata-se de expandir as dimensões do
bloco popular até aproximá-lo do seu máximo potencial. O
que implica
clareza estratégica
e assumir o processo como um caminho longo que exige movimentos posicionais
bem pensados. O problema que aqui emerge é o método a seguir
para conseguir a expansão: acomodar-se à ideologia dominante
dando mostra de boa educação o "não se
assustem que somos bons meninos" ou desenvolver a ideologia e a
consciência classista dos de baixo? No bloco popular, até agora,
dominou a primeira rota. Mas a experiência, uma vez mais, é muito
claro: tal rota só conduz ao fracasso. E afinal de contas, só
exprime o domínio da ideologia oligárquica dominante no interior
do bloco popular. Nesta postura, além disso, observam-se até
incongruências aritméticas: trabalha-se para convencer cinco por
cento e deixam-se de lado os noventa e cinco por cento restantes. Com um
agregado muito maior procura-se cultivar em terreno seco e rochoso (o da
cúpula dominante) e deixa-se de semear no que é naturalmente
terra fecunda para a esquerda. Em suma, "as forças acumulam-se na
luta e não a evitá-la passivamente".
[43]
Desenvolver a
consciência política
dos de baixo coloca diversas exigências. Uma: democratizar minimamente
medias como a televisão e a rádio. Dever-se-ia no mínimo
assegurar
para o povo
um canal de TV aberto e de alcance nacional. Além disso, controlar o
abuso e a chantagem política dos canais privados. Na realidade, falar
de liberdade e de democracia política no contexto televisivo e radial
actual é uma simples farsa. Dois: uma consciência política
medianamente adequada exige
estudar e investigar,
recuperando os acervos teóricos disponíveis como o marxismo
crítico (à margem do qual nenhuma esquerda pode ser eficaz).
Também devem ser resgatadas correntes burguesas progressistas como o
estruturalismo cepalino.
[NT 2]
E, nestes quadros, criticar impiedosamente todas as estupidezes da
política económica neoliberal. Três: desdobrar uma
prática radical,
de acumulação tenaz de forças. Ou seja, entender que a
consciência política não é matéria de livro
puros e sim, de modo principalíssimo, de desenvolver uma prática
que reordene a cabeça dos sectores populares.
A prática
democrática progressista supõe e exige a presença de uma
organização sólida.
Trata-se de transformar a indignação em força, o que
exige desenvolver e/ou inventar organismos de base, civis e partidários,
capazes de canalizar a criatividade e a praxis popular nas suas
múltiplas vertentes.
Finalmente: em todos os planos
ideológico, orgânico, político há que
apoiar-se na classe operária industrial. Despertá-la para a
luta, limpá-la de práticas e líderes corruptos,
devolver-lhe seu papel dirigente. Importa sublinhar: organizar as diversas
camadas da pequena burguesia tropeça com problemas que em grande parte
derivam da sua situação objectiva de classe. Na classe
operária o problema é outro: a condição objectiva,
neste caso, facilita a organização e a capacidade
política. E é o factor subjectivo o que hoje arrolha esse
potencial.
A moral que decorre é
cristalina: o avanço do povo passa pela luta em favor da democracia,
pela sua efectiva implantação em todos os espaços da vida
social. E sublinhemos: trata-se de uma democracia substantiva, não
simplesmente formal. Ou seja, para que, no final das contas, a maioria chegue
a ser dona da sua vida.
[44]
NOTAS
1- "Não é suficiente ser operário para ser
comunista" salienta Gruppi. O qual também escreve que a classe
hegemónica "ganha para as soluções que propõe
massas suficientes para construir a base do seu próprio poder, ainda que
os interesses reais destas massas estejam e oposição às
suas soluções". Nisto influi tanto a capacidade
política da classe dominante (capacidade para fazer concessões e
forjar alianças) como sua capacidade ideológica: "é
precisamente a ideologia (...) o que permite às classes dominantes
soldar em torno de si um bloco de forças sociais diferentes". Cf.
Luciano Gruppi, "El concepto de hegemonía en Gramsci", em
Hobsbawm, Portelli e otros, "Revolución y democracia en
Gramsci", pág. 45. Fontanamara, Barcelona, 1981.
2- Em termos puramente eleitorais, restam uns 25% para repartir entre outras
forças políticas. Neste campo, se a base eleitoral se visse
obrigada a escolher entre Calderón e López Obrador, muito
provavelmente uns dois terços acabariam por apoiar AMLO.
3- "O facto da hegemonia pressupõe indubitavelmente que se
têm em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os
quais se exerce a hegemonia, que se forme um certo equilíbrio de
compromisso, ou seja, que o grupo dirigente faça sacrifícios de
ordem económico-corporativo, mas é também
indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não
podem referir-se ao essencial, uma vez que se a hegemonia é
ético-política não pode deixar de ser também
económica, não pode senão estar baseada na
função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo
reitor da actividade económica". Cf. A. Gramsci, "Notas sobre
Maquiavelo, sobre política y sobre el Estado moderno", pág.
55. Juan Pablos edit., México, 1975.
4- Ver J.C. Valenzuela Feijóo, "Estancamiento, parasitismo y
desigualdad: la economía del sexenio",UAM-I, 2006. Neste trabalho
apresenta-se informação quantitativa sobre a economia mexicana no
último período.
5- Também nos países desenvolvidos este é o traço
central do neoliberalismo. Referindo-se aos EUA, Duménil e Lévy
escrevem: "é importante distinguir fins e meios na análise
do neoliberalismo. A estabilidade dos preços, ou a livre mobilidade
internacional do capital, são meios para um único fim: a
restauração do rendimento e da riqueza das classes mais
ricas". Cf. G. Duménil y D. Lévy, "Tendencias de la
formación de las rentas en el neoliberalismo",
New Left Review,
enero-febrero 2005 (edic. española).
6- Por exemplo: para 2004 estima-se que 20% das famílias mais pobres
captavam 3,7% dos rendimentos monetários totais. Entretanto, 20% das
famílias mais ricas apoderavam-se de 53,9%. Manejando decís
tem-se que os 10% mais pobres captam 1,1% e os 10% mais ricos 37,4%. Trata-se
de rendimentos correntes. A distribuição da riqueza patrimonial
é muitíssimo mais desigual. Dados em INEGI, "Encuesta
Nacional de Ingresos y Gastos de los Hogares, 2004"; Aguascalientes, 2005.
7- "Tudo o que existe es racional" dizia Hegel. Ou seja, tudo tem
sua razão de ser.
8- Em sentido estrito, o capital dinheiro de empréstimo não se
deve confundir com o capital fictício bursátil. Mas aqui
não podemos começar a examinar nem a distinção nem
as suas diversas formas de acesso à mais valia global.
9- "O juro apresenta-se ao capital não em oposição ao
trabalho e sim, pelo contrário, como se não tivesse
relação com o trabalho, e nada mais do que como uma
relação de um capitalista com outro, portanto, como uma categoria
de todos os pontos de vista extrínseca à relação do
capital com o trabalho, e independente dela". O juro apaga o
"carácter contraditório do capital" e "é,
portanto, nada mais que uma manifestação da
mistificação do capital na sua forma mais extrema, na medida em
que representa uma relação social como tal, expressa nada mais do
que relações entre capitalistas, e de modo algum
relações entre o capital e o trabalho". C. Marx,
"Teorías sobre la Plusvalía" (Historia Crítica),
Tomo 3, págs. 407-8. Edit. Cartago, Buenos Aires, 1975.
10- O ponto, nos seus momentos mais iniciais, já fora advertido por
María C. Tavares. A seguir foi retomado por autores como Chesnais e
Serfati. Ver: 1) M.C. Tavares, "De la sustitución de importaciones
al capitalismo financiero", págs. 197 y ss. FCE, México,
1979; 2) F Chesnais y D. Plihon edits., "Las trampas de las finanzas
mundiales", en especial caps. 1,2 y 3. Akal, Madrid, 2003.
11- C. Marx, "El Capital", Tomo III, pág. 511. FCE,
México, 1973.
12- C. Marx, "Las luchas de clases en Francia de 1848 a 1850", en
M-E, O.E. Tomo I, pág. 212. Edit. progreso, Moscú, 1974. Marx
certamente refere-se a uma situação bastante distante; no tempo e
no espaço, da do México neoliberal. Mas a tremenda actualidade
dos seus juízos revela-nos que há pautas comuns ao domínio
da oligarquia financeira.
13- Neste, enfatiza-se também a expansão do sector
energético e seus escalonamentos para dentro. Com isto, procura-se
gerar uma capacidade adequada para importar. Através do mesmo, superar
o frequente gargalo externo que costuma afectar este tipo de estratégia
económica.
14- Para um exame cuidadoso ver Jorge Isaac y J. Valenzuela, "Crisis
neoliberal y alternativa socialista"; en Heinz Dieterich editor,
"Globalización, exclusión y democracia en América
Latina", edit. Joaquín Mortiz, México, 1997.
15- Mais pormenores em José Valenzuela Feijóo,
"A actual conjuntura política e tendências subjacentes"
, em resistir.info, Lisboa, Portugal. Também em OLA,
Observatório Latinoamericano, Universidade Federal de Santa Catarina,
Brasil, Maio, 2006 (
http:/ www.ola.cse.usfc.br
).
16- Não esqueçamos que a actual direcção do PAN
é de claro enraizamento clerical-franquista e está muito ligada
ao fâmulo Aznar. A hipocrisia e falta de escrúpulos deste grupo
nota-se também em Calderón, o qual não vacila em utilizar
sinistramente os seus filhos pequenos (de 8, 5 e 3 anos) e, grotescas
exibições públicas. Talvez alguém lhe tenha dito
que isso dar-lhe-ia um tom "kennedyano". O que o psicólogo
não o advertiu foi o terrível impacto que tem na
formação da personalidade de uma criança ser exibido como
uma coisa objecto de marketing. Que depois se nos fale de
"humanismo" e de "respeito à família"
já é parte habitual desta basófia moral. Também
convém recordar: os jornalistas demo-liberais (auto-considerados
progressistas, na realidade são neoliberais que procuram preservar as
formas do "decoro cidadão") armaram um terrível
escândalo quando AMLO qualificou como "chachalacas" (um
pássaro muito gritante) os seus oponentes. Nas pessoas, o qualificativo
provocava divertimento e risadas. Nos jornalistas, um grito de espanto: o
vocábulo até lhes parecia "subversivo" da ordem
institucional e, por isso mesmo, diziam que reduziria a aprovação
eleitoral de AMLO. Significativamente, as diatribes anti-AMLO, ainda que
"sujas", eram qualificadas como parte iniludível da vida
política democrática. E acrescentava-se que reduziam a
votação em favor de AMLO e elevavam as preferências por
Calderón. Em suma, o eterno duplo padrão, aplicado inclusive
pelos publicistas "progressistas".
17- Todas as quais, além disso, são muito relativas se se estudar
com cuidado o programa de AMLO.
18- Ver, por ejemplo, S. Kuznets, "Crecimiento económico y
estructura económica", G. Gili, Barcelona, 1970.
19- No meio das empresas que fazem inquéritos observa-se uma tremenda
corrupção: "tanto pagas e tantos pontos percentuais de
concedemos".
20- "Y pensar que extraviamos / la senda milagrosa / en que se hubiera
abierto / nuestra ilusión, como perenne rosa..." escribía
López Velarde.
21- Albert Matthiez, "La revolución francesa", pág. 9.
Letras, Santiago de Chile, 1936.
22- Marat, en L'Ami du Peuple, 30/6/1790. Citado por A. Soboul, "Para
comprender la Revolución Francesa", pág. 99. Edic. Critica,
Barcelona, 1983.
23- R. Blackburn y Carlos Johnson, "El pensamiento político de Karl
Marx", pág. 70. Fontanamara, Barcelona, 1980.
24- Norman Geras, "Actualidad del pensamiento de Rosa Luxemburgo",
pág. 53. ERA, México, 1980.
25- V. I. Lenin, "La revolución proletaria y el renegado
Kautsky", en O.E., Tomo 3, pág. 77. Edit. Progreso, Moscú,
1973.
26- A fé da classe alta na forma democrática também
está muito associada à visão que manejam do povo simples,
à consideração digamos valórica que lhe dão.
A respeito, a situação parece ser muito semelhante à
prevalecente nos tempos de Porfirio Díaz. Recordemos um diálogo
entre Díaz e o seu ministro do Interior Ramón Torres.
Torres
: "Excelência, a situação é alarmante. Os
inimigos unem-se em torno de Francisco Madero, que tem muitas esperanças
de triunfar nas próximas eleições".
Díaz
: "Madero é um sonhador perigoso".
Torres
: "Tem razão Excelência(...) dementes dessa classe o
México não conheceu até hoje. Encerramos seu jornaleco El
Tercer Imperio".
Díaz
: "Não é suficiente Ramón. Há que deter
Panchito Madero e seus adeptos (...) Nosso povo é ignorante e bruto, e
está disposto a seguir qualquer demagogo que lhe prometa o que
não é seu".
Torres
: "Às ordens, Excelência. Verdadeiramente, Madero é
uma força que atrai toda a escória da sociedade." Como
vemos, depois de quase um século, pouco ou nada mudou na
percepção manejada pelos de cima sobre o povo simples. A
citação é de I. Lavretski, "Francisco Villa",
pág. 15. Edit. Macehual, México, 1978.
27- C. Marx, "El Capital", Tomo I, vol. 3, pág. 953. Siglo XXI
edits. México, 1975.
28- Por certo, Marx nem remotamente está a pensar em realidades como a
mexicana. Não considerámos o texto para verificar sua validade e
sim como um exercício que nos permite ressaltar alguns aspectos que
consideramos chaves no panorama actual.
29- Os dados que se seguem foram tomados de INEGI, "Encuesta Nacional de
Ocupación y Empleo 2005"; Aguascalientes, 2005. Por pequeno
estabelecimento, entendem-se os que ocupam dentre 16 e 50 trabalhadores na
indústria, 6 a 50 nos serviços e a 6 a 15 no comércio.
Médio estabelecimento é o que na indústria e
serviços ocupa entre 51 e 250 trabalhadores, e no comércio entre
16 e 250, Grandes os que ocupam 251 ou mais pessoas em qualquer sector. Dada
esta classificação, consideramos como burguesia os que nestes
agrupamentos aparecem na qualidade de "empregadores".
30- Numa contagem mais rigorosa, é muito provável que uma boa
parte da burguesia pequena deveria ser classificada como pequena burguesia.
Especialmente para os localizados no Comércio e Serviços.
31- Por
peso específico
entendemos o poder (económico e político) que uma classe ou
fracção de classe pode exercer. Em regra, difere bastante do
peso quantitativo da classe.
32- A população ocupada na agricultura equivale a 16,5% da
ocupação total. Facilmente uns dois terços poderiam ser
catalogados como pequenos proprietários ou camponeses. Logo,
teríamos 52.2 + 11.0 = 63.2.
33- Distribuímos 5% para a burguesia, 80% para a pequeba burguesia e 15%
consideramos como proletariado agrícola.
34- Os pontos ii) y iii) são retomados na numeração
seguinte.
35- Durante muitos anos o sector empresarial do país delegou sua
representação política no partido oficial, o PRI. Este
administrou o poder com eficácia singular, integrando boa parte dos
sectores populares. Mas ao cindir-se do PRI, o segmento empresarial revelou
uma imperícia e cegueira brutais em matéria de assuntos
políticos. A falta de prática transformou-o em analfabeto
funcional.
36- O qual, seja dito de passagem, mostra-nos mais uma vez a
grande autonomia com que costumam mover-se as variáveis
ideológicas e políticas. E como, pelo menos em prazos
historicamente curtos, podem dissociar-se em grau não menor. Neste
contexto, convém recordar que diversos analistas discutiram um tipo de
dissociação: a que tem lugar quando a classe passa a desconhecer
o partido que tradicionalmente representou seus interesses. Algo que aconteceu
no México com o PRI. Mas o caso inverso: o de uma
direcção política que ainda não se encontra com a
classe, não porque esta o haja despedido e sim porque ainda não o
reconheceu, ainda lhe é "invisível" ou muito difusa,
causou menos preocupação. Isto para o caso da burguesia. Pois
para o caso do proletariado, a literatura socialista é
abundantíssima acerca das relações entre o Partido e a
classe.
37- V. I. Lenin, "Sobre el impuesto en especie", en O.E., Tomo 3,
pág. 630. Edit. Progreso, Moscú, 1974. Por sua parte, Engels
indica que "seu carácter (o da pequena burguesia, J.V.F.)
está determinado por sua situação intermédia entre
a classe dos grandes capitalistas (...) e a classe do proletariado ou dos
operários". Além disso, indica que esta classe "vacila
eternamente entre a esperança de alinhar-se na classe mais rica e o medo
de ser lançada ao nível dos proletários ou até dos
mendigos". Cf., F. Engels, "Revolución y
contrarrevolución en Alemania", pág. 9. Edit. Progreso,
Moscú, 1971. Também se escreveu que "dentre todas as
premissas de uma insurreição, a mais instável refere-se ao
estado de ânimo da pequena burguesia. Nos tempos de crise nacional, a
pequena burguesia segue a classe capaz de inspirar-lhe confiança,
não só pelas suas palavras como pelos seus feitos. É
capaz de impulsos e até de delírios revolucionários, mas
carece de resistência, os fracassos deprimem-na facilmente e suas fogosas
esperanças logo transmutam-se em desilusão. São estas
violentas e rápidas mutações de ânimo que dão
tanta instabilidade a cada situação revolucionária".
Cf. L. Trotsky, "Historia de la revolución rusa", vol. II,
pág. 577. Juan Pablos editor, Máxico, 1972.
38- Um exame pormenorizado em J. Valenzuela Feijóo, "Mercado,
socialismo y libertad"; LOM edits., Santiago de Chile, 2003.
39- Bem se disse que "os intelectuais não podem ser definidos como
uma única unidade social e sim, antes, como uma série de
grupinhos diversos. Têm que ser definidos de acordo com sua
função e suas características subjectivas, mais do que em
relação à sua posição social". Cf.
Wright Mills, "Las clases medias en Norteamérica
(White-Collar)", pág. 191. Aguilar, Madrid, 1961.
40- Além de um partido medíocre e com uma capacidade
orgânica lastimosa.
41- C. Marx, "El 18 de Brumario de Luis Bonaparte", en O.E., Tomo I,
pág. 490. Edit. Progreso, Moscú, 1974.
42- Em outros tempos alguém advertia: "Pais da Pátria!
Hoje não vos pedimos que compartilheis vossas posses e riqueza, esses
bens que o céu deu em comum a todos os homens. Conhecei toda a
extensão da nossa moderação (...) Calculai um instante as
consequências terríveis que pode ter a irrflexão. Tremei
ao reduzir-nos ao desespero e não nos deixar outro partido senão
seguir o de vingar-nos de vós entregando-nos a toda classe de
excessos". O texto é de Marat nos inícios da
Revolução Francesa. Cf. Louis Barthou y Gérard Walter,
"Marat", págs. 115-6. Edit. Osiris, Santiago de Chile, 1934.
43- L. Trotsky, "Historia de la revolución rusa", vol. II,
pág. 346. Edic. citada.
44- Recordemos Fayad Hamiz: "quiero llegar en el tiempo necesario, / ni
antes ni después (...) / En el tiempo del pan sobre la mesa y las manos
amadas en mis manos./ No tengo ninguna prisa: de todos modos llegaremos".
Em suma, não ferir a cabeça por queimar os tempos. E não
confundir as precauções com pretextos para não
avançar todo o possível.
NT 1- Changarro: mexicanismo que designa micro-negócios
(fabricação de
tortillas,
lojinhas, postos de vendas, etc).
NT 2- Cepalino: vem de CEPAL, sigla da Comissão Económica das
Nações Unidas para a América Latina.
[*]
Da Divisão de Ciências Sociais da UAM-I.
Este ensaio encontra-se em
http://resistir.info/
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