A guerra que o Hezbollah está realmente a combater

por Kaveh L Afrasiabi [*]

. A guerra assimétrica entre a superpotência regional apoiada pelos EUA e um movimento islâmico de resistência mal equipado para retaliar com golpes mortíferos da mesma espécie do seu adversário está agora a entrar na segunda semana sem qualquer sinal de declínio.

Tanto militarmente como política e diplomaticamente, ambos os lados nesta "guerra em ampliação! têm imagens invertidas um do outro ao alvejar cidades e aldeias indiscriminadamente, apesar de a morte e destruição provocada pelo armamento do estado-da-arte de Israel amesquinhar amplamente os danos infligidos pelos rockets primitivos do Hezbollah.

Independentemente disso, o Hezbollah pode ostentar a sua firmeza em face do bombardeamento implacável, que recorda o bombardeamento da Sérvia pela Organização do Tratado do Atlântico Norte no verão de 1999. Pode também tomar alento da sua capacidade sem precedentes para atingir o norte de Israel com ataques de rockets, conduzindo a vida normal em um terço do estado de Israel a uma virtual paralisação.

A questão chave é, naturalmente, durante quanto tempo o Hesbollah pode opor-se ao poder aéreo israelense e ao (cada vez maior) ataque terrestre sem ficar desprovido de munições, apoio logístico e força de vontade. Uma guerra de atrito, quando o arsenal de Israel é plena e rapidamente reabastecido pelos EUA, conforme relatos da imprensa, ao passo que as rotas de abastecimento do Hezbollah são obstruídas, não está nos interesses estratégicos de Hesbollah.

Mas isto pode ser inevitável uma vez que Israel comprometeu-se publicamente a desmantelar a infraestrutura militar do Hesbollha "de uma vez por todas" e, ainda, a campanha aérea cairá terrivelmente perto deste objectivo. Enfraquecer o Hezbollah, ainda que temporariamente, pode ser o máximo alcançável pela campanha aérea israelense.

A ampliação da invasão terrestre de Israel

No momento desta redacção, o exército de Israel penetrou umas três milhas (4,8 km) dentro do Líbano, capturando algumas aldeias, enquanto concentrava tropas na fronteira na previsão de uma potencial invasão em plena escala. Isto tem o objectivo duplo de eliminar os pontos fortes do Hezbollah próximos à fronteira e criar um "amortercedor em profundidade".

Atento à história, de quando as guerrilhas do Hezbollha travaram uma contra-estratégia que acabou por ter êxito em 2000 ao forçar a retirada de Israel do sul do Líbano, Israel está plenamente consciente da "armadilha da guerra" e está à procura de uma fórmula de actuação pela qual possa cumprir seu objectivo de guerra limitado de reocupar partes do Líbano.

O padrão de escalada da guerra pode, por outro lado, criar o seu próprio momento em direcção a uma invasão em grande escala, caso em que todas as estradas conduzirão a Beirute. Isto é a principal razão porque a perseguição renhida do Hezbollah pelas forças israelenses culminará na guerra urbana na vizinhança de Beirute e, na verdade, em toda a extensão da cidade capital actualmente sob sítio.

Assim, este é o dilema militar de Israel: procurar menos do que a vitória plena contra o determinado Hezbollah danificará o prestígio militar de Israel, mas o preço da vitória total pode demonstrar-se demasiado alto em termos de destruição do Líbano e do nível de tolerância da opinião pública internacional. Pior: não há garantia de que a busca de Israel da destruição total do Hezbollha terá êxito. De facto, Beirute pode demonstrar-se a Stalingrado dos árabes, proporcionando um impressionante golpe ao exército invasor israelense e o fim de uma campanha sangrenta.

Com a guerra principiando a galvanizar a rua árabe, um conflito prolongado trará a al-Qaeda para o Líbano às horas, alargando então exponencialmente a rede de terrorismo árabe. Um oportuno desenvolvimento unificador que potencialmente adia o actual cisma sunita-xiita que se torna violento no Iraque e no Paquistão, a guerra no Líbano também está a proporcionar um antídoto crítico ao faccionalismo libanês, à luz do anúncio de vários líderes libaneses de que o Líbano permanecerá unido contra uma invasão israelense.

Analistas militares ocidentais prontamente descartaram o Exército Libanês como "sem comparação" com o de Israel, o que é verdade, mas os 60 mil soldados podem rapidamente duplicar de número através de uma moblização geral, bem como pela aceitação de recrutas de outros países árabes e muçulmanos.

Além disso, o primeiro-ministro do Líbano já aludiu a transformar o seu exército num exército do tipo guerrilheiro, o qual tem a vantagem da familiaridade com o terreno, de combater uma guerra pela independência e auto-determinação contra o que é percebido como um inimigo brutal que nem sequer poupou os hospitais de Beirute. O Líbano pode estar fisicamente devastado agora, mas politicamente demonstrou uma admirável nova maturidade que será louvado pelos futuros historiadores.

A guerra na frente diplomática

"Não há diplomacia" condenou o representante do Líbano na ONU após uma semana de derramamento de sangue passivamente observada pelas Nações Unidas, apesar de uma queixa formal apresentada pelo Líbano no Conselho de Segurança.

Ignorando repetidos pedido do secretário-geral da ONU, Koffi Annan, por um cessar fogo imediato, apoiado por certos países europeus, tais como a França e praticamente todo o bloco dos países em desenvolvimento conhecido como o Movimento Não Alinhado, os EUA por si sós levaram o Conselho de Segurança a um estado de paralisia. O fraco argumento do seu representante, John Bolton, é que "devemos esperar e ver o que será o resultado militar" e que fazer de outra forma é "colocar o carro diante do cavalo".

Isto mesmo sabendo que a Carta da ONU e o mandato do conselho é impedir conflitos armados e instituir a paz em conflitos inter-estados. Tal desprezo pelo papel da ONU simplesmente acrescenta nova acha ao forno candente do anti-americanismo que corre desenfreado no Médio Oriente e, na verdade, em todo o mundo muçulmano.

A justificação americana de que "Israel tem o direito de se defender" nunca é estendida ao povo oprimido da Palestina, que tem estado a aguentar a mais horrível série de assaltos aéreos e terrestres. De acordo com o representante palestino na ONU, que relatou ao Conselho de Segurança na sexta-feira, Israel executou mais de 100 ataques aéreos e bombardeou Gaza mais de 1.100 vezes.

O Congresso americano auto-limitou-se ao apoio acrítico a Israel, aprovando uma resolução que condena a Síria e o Irão, sem mesmo incomodar-se com as anteriores ninharias de manter uma fachada de equanimidade.

Uma nova resolução da House of Representatives apela à libertação de soldados israelenses sequestrados, sem mencionar o facto, citado pelo London Observer, de que um dia antes do sequestro de um soldado pelo Hamas, comandos israelenses violaram a soberania territorial de Gaza "sequestrando" ("abducting") dois membros do Hamas. Para serem equânimes, os respeitados juristas americanos deveriam analogamente pedir a Israel a libertação de detidos árabes.

Poucos políticos americanos ousam criticar a destruição por Israel de grande parte da infraestrutura da Autoridade Palestina, o aprisionamento de dúzias de juristas palestinos e de metade do seu gabinete de ministros.

Uma reacção justa do Congresso seria considerar abertamente represálias contra Israel se este recusasse parar sua campanha mortífera. Um conjunto de opções deve se explorado: reduzir intercâmbios militares, congelar a entrega de armas compradas por Israel e reduzir a cooperação de militares de um e outro lado.

Washington pode também ameaçar retirar a assistência económica, adiar investimentos, congelar acordos de comércio preferencial e dissolver projectos económicos conjuntos e, no cenário de pior caso, congelar activos económicos.

Com a falta do peso americano sobre Israel, a ameaça da escalada prejudicando potencialmente os interesses estratégicos americanos na região por um longo tempo assoma no horizonte.

Quando a secretária de Estado Condoleez Rice principia sua jornada "na região", a qual não inclui qualquer capital árabe [1] , apesar do desejo declarado pela Síria de entrar em diálogo com os EUA, é muito claro que isto é principalmente um quadro diplomático para enfeitar os esforços de guerra de Israel.

A bravata de Rice acerca de um "novo Médio Oriente" é oca, à luz da posição unilateral pró-Israel da administração Bush e da ausência anterior de qualquer iniciativa para de alguma forma resolver a "questão" palestina. E, se os EUA e Israel estão a empolgar-se com a noção de uma força internacional de interposição na fronteira Israel-Líbano, isto deve-se menos devido à preocupação americana com a paz e mais ao fracasso de Israel para quebrar a espinha do Líbano e os seus temores da guerra armadilha acima mencionada.

Opção do Hezbollah: cessar fogo unilateral

O Hezbollha é a única entidade árabe que proporcionou uma espantosa derrota a Israel, forçando-o a abandonar o Líbano após 18 anos de combate; mais uma razão para a sua imensa popularidade no Líbano e na região circundante.

Longe de ser um "grupo de terror puro e simples" como repetidamente etiquetado pelos líderes do governo americano, o Hezbollah é um movimento político-militar bem entrincheirado que participa na vida nacional do Líbano enquanto, simultaneamente, actua como um braço previdenciário do sistema libanês ao proporcionar serviços básicos de bem estar à sua base de massa de destituídos.

Claramente, o Hezbollah não é um exército estrangeiro, como a Organização Palestina de Libertação, que foi forçada a fugir do país. Ao invés disso, é um fenómeno que cresceu internamente e está profundamente imerso na sociedade libanesa e na sua identidade colectiva.

Em consequência, tanto a política americana como israelense de destruir o Hezbollah está condenada ao fracasso, e não importa quão severamente é triturado por bombas maciças, ele sobreviverá e o seu fénix levantar-se-á das cinzas do Líbano.

Ao mesmo tempo, isto não quer dizer que o Hezbollah esteja para além da censura crítica. Em primeiro lugar, ao alvejar civis em Israel o Hezbollah colocou-se na mesma equação (i)moral do estado de Israel que actualmente aterroriza toda a nação libanesa. Mas, uma estratégia mais prudente do Hezbollah poderá ser declarar unilateralmente um cessar fogo e evitar quaisquer novos ataques de rockets no norte de Israel, focando-se nas forças terrestres israelenses que fazem incursões no Líbano.

Há múltiplas vantagens numa tal iniciativa por parte do Hezbollah. Primeiro, o Islão proíbe o dano a populações civis e o Hezbollah juntaria sua firme resistência com um alto padrão moral.

Segundo, Israel seria pressionado pela comunidade internacional ao continuar com seu assalto aéreo sobre o Líbano na sequência do cessar fogo uniltateral do Hesbollah, e quanto mais Israel o mantivesse mais isolado ficaria internacionalmente, dada a maré da opinião pública mundial já horrorizada pelos danos colossais em Beirute e por toda a parte no Líbano.

Com a fachada de alguma "simetria" entre a campanha aérea de Israel e o ataques com rockets do Hezbollah, os quais os media americanos pro-Israel tem estado a explorar, assim desaparecendo, Israel pode vencer a guerra militarmente, mas certamente perderá política e diplomaticamente.

[*] PhD, autor de After Khomeini: New Directions in Iran's Foreign Policy (Westview Press) e co-autor de "Negotiating Iran's Nuclear Populism", The Brown Journal of World Affairs, Volume X11, issue 2, Summer 2005, com Mustafa Kibaroglu. Também escreveu "Keeping Iran's nuclear potential latent", Harvard International Review. É o autor de Iran's Nuclear Program: Debating Facts Versus Fiction.

[1] No dia 24 de Julho ela esteve em Beirute.

O original encontra-se em http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/HG25Ak02.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
26/Jul/06