Quem ganhou e quem perdeu no Líbano
por Asad AbuKhalil
Se quiser realmente saber a resposta a esta pergunta veja apenas a imprensa
israelense, a propaganda sionista e os fanáticos na secção
de comentários deste
blog
. Eles estão muito raivosos, não é? Estão
bastante frustrados e desorientados. Estão a explodir e a balbuciar
incoerentemente (leia os comentários sob este post e terá o
quadro).
Eu tinha 7 anos de idade em 1967, e 13 em 1973, e não posso comparar com
seja o que for vinda do governo e da imprensa israelense. Alguma coisa mudou.
É preciso ser alguém familiar com a língua, cultura e
política árabe para poder apreciar o impacto de grande alcance
daquilo que aconteceu. Para perceber o significado dos desenvolvimentos no
Líbano. É claro que Bush e Elliot Abramas não têm a
noção disso. Eles nada sabem da região.
Não há dúvida: o exército israelense foi humilhado
pela primeira vez na história do conflito árabe-israelense. A
guerra de 1973, naturalmente, começou com vitórias árabes
mas os asquerosos regimes do Egipto e da Síria não podiam levar a
guerra à suas conclusões lógicas: a sobrevivência
dos regimes, e o plano para uma aliança com os EUA da parte de Sadat
posteriormente reverteu o curso da guerra e deu vitórias militares e
políticas a Israel.
É por isto que esta guerra é significativa. Foi por isto que
Israel referiu-se ao exército de Hasan como "o exército da
ralé"
(ragtag army).
Assim, de acordo com os próprios termos da sua propaganda, eles foram
humilhados e derrotados um exército da ralé. Ficaram tão
embaraçados com os resultados, e tão confundidos com os
desenvolvimentos, que têm de mentir.
Os árabes que assistiram esta guerra na TV devem ter estado muito
orgulhosos por verem a máquina de propaganda israelense a fazer as
fabricações e as mentiras, ao passo que a máquina de
propaganda árabe actuava de forma sóbria. [...]
E perceba-se que quando o exército israelense estava a ser cada vez mais
humilhando pelo exército do Hebollah, eles continuavam a exagerar sua
avaliação da força combatente, e continuavam a exagerar o
papel iraniano. Eles tinha de faze-lo: combateram suas guerras e tiveram
êxito em difundir os mitos do soldado superior israelense e do soldado
inferior árabe.
Os regimes árabes, sempre temerosos de guerra com Israel por recearem a
sua própria sobrevivência, ajudaram a difundir tais mitos na
cultura da massa árabe. Muitos árabes começaram a aceitar
isso, e muitos foram capazes de resignar-se à hegemonia regional
israelense. Muitos foram capazes de tolerar humilhantes tratados de paz com
Israel porque acabaram por acreditar na sua incompetência e no seu
desamparo em relação a Israel. Tudo isso foi agora
estilhaçado. Isto fortalecerá os árabes, inclusive em
relação aos seus governos, e certamente em relação
a Israel.
O movimento contra o processo de paz americano, ou o que resta dele
não que precise ser ressuscitado só poderá crescer,
e certamente mais árabes desejarão juntar-se à luta contra
a agressão e a hegemonia israelense. Mas felizmente esta guerra
também desacreditou os bombismos suicidas do Hamas e da Jihad
Islâmica: pondo de parte a questão ética, eles revelaram
claramente ser ineficazes e piorarem as coisas. E a auto-confiança
popular árabe é muito mais ameaçadora para Israel, em
termos estratégicos, do que grandes exércitos árabes.
A pequena dimensão do exército do Hezbollah só
aumentará a sua mística crescente. Ele também frustra os
planos sauditas-americanos-israelenses de fomentar a discórdia
sunita-xiita. Haverá alguma dúvida na mente de alguém de
que o xiita Hasan Nasrallah agora é mais popular em todo o mundo
árabe do que qualquer outra personagem árabe sunita? Assim,
quando se pensa que os proponentes da discórdia sunita-xiita foram a
Al-Qaeda e a Casa de Saud percebe-se que ambos não têm massas a
segui-los, felizmente, e não terão êxito nos seus planos
sectários.
Assisti hoje [15] o discurso de Nasrallah: um discurso polido mas firme. Foi
dirigido ao público libanês: àqueles que foram deslocados,
mas também aos sunitas flutuantes e neutros no país. Houve
mudanças. Os sunitas de Tripoli, por exemplo, foram ganhos pelo
Hezbollah: Hariri Inc. perdeu Tripoli. Há fotos de Nasrallah na
Praça Tall agora. Os sunitas de Beirute parecem constituir a base de
poder de Hariri Inc. (Sidon está dividida). Nasrallahi não
invocou o Irão ou a Síria, mas prometeu generosas
compensações e ajuda às famílias dos refugiados.
Ele actuou e falou como o chefe de um Estado no Líbano.
Mas o que é o Líbano de qualquer forma? Não há
estado no Líbano, nunca houve, e nunca haverá. Há
estadinhos no Líbano. Jumblat tem seu próprio estado; Hariri
Inc. tem seu próprio estado, o Hezbollah tem um estado, etc. E a seguir
há uma fachada ou miragem de um "governo central", o qual
existe apenas no nome. Assim como Reagan estava a apoiar as milícias da
Falange em 1982 em nome do "apoio ao governo central de Amin
Gemayyel", Bush está agora a apoiar a Hariri Inc. em nome do
"apoio ao govern democrático do Líbano", sem saber que
ele inclui ministros do Hezbollah. E toda a arrogância e linguagem
bombástica nos discursos e retórica de Bush e Hariri Inc.
são sem significado.
A opção mais extrema para o desarmamento do Hezbollah foi tentado
e não funcionou. O que utilizarão eles agora? Sobre quem poder
os fantoches Hariri e Jumblat confiam quando insistem em desarmar o Hezbollah?
Pensam eles que utilizarão a milícia de Jumblat contra o
Hezbollah? Eu realmente agora excluo uma guerra civil só porque as
batalhas nas ruas serão vencidas pelo Hezbollah sem que tenha de
disparar um tiro. Quero dizer, podem alguém imaginar a milícia
de Jumblat a ir contra o Hezbollah? Isso não acontecerá.
Apesar de ter evitado comentar a política interna libanesa neste
último mês, ou não demasiado, ainda acredito que o
Líbano como um projecto não terá êxito. Não
é uma pátria, nunca foi e nunca será. Ele pode acabar
tanto por dividir-se de acordo com linhas sectárias como
por ser dissolvido numa entidade maior, especialmente após uma
transformação democrática na Síria e da
libertação da Palestina. A Hariri Inc. agora está mais
fraca do que nunca: Bush tem mais um ano no gabinete seu último
ano será consumido com a campanha presidencial e é
improvável que comece uma nova aventura, especialmente quando as suas
aventuras anteriores de política externa foram fracassos abissais, uma
depois do outro. Ainda recomendo que Walid Jumblat abra um restaurante em
Paris.
Nasrallah parece consciente do factor tempo, e é por isso que fala
acerca de negociações e diálogo em estilo libanês.
O retorno em massa dos refugiados hoje foi planeado, e foi inteligente, e foi
destinado a enfraquecer as mãos de Israel no sul do Líbano, e
limitar sua capacidade para operar livremente na região. Naturalmente,
foi também conveniente para contrabandear suprimentos e afins. Israel
perdeu o sul do Líbano.
Mas o que pensa daqueles raids de comandos? Quem teria pensado que nós
árabes viveríamos para zombar de raids de comandos israelenses
que capturaram Hasan Dib Nasrallah [homonimo do líder do Hamas], e mais
ninguém, e em Tire
depararam com uma senhora idosa numa casa, e em outra não encontraram
ninguém. Estas eram as forças de elite israelenses.
Eu, por exemplo, não falo em termos de vitória apesar de o povo
do sul do Líbano e os combatentes no sul são o povo do sul
do Líbano, convém não esquecer ter combatido de
forma valente e corajosa contra um selvagem exército invasor
estrangeiro. Não falo em termos de vitória porque a brutal
destruição e devastação israelense (e as vidas
inocentes, incluindo as de civis inocentes em Israel e atribuo a culpa
pelas suas mortes a Israel que começou a guerra) não permitam
celebrações e júbilo. Mas é uma vitória
contra a arrogância e brutalidade israelense. É também uma
vitória contra a noção de que a violência em massa
praticada por um exército superior e avançado é capaz de
quebrar a vontade de um povo. Olhem para os palestinos: um século de
violência sionista não matou o impulso nacional palestino: ele
certamente cresceu e expandiu-se. O projecto sionista está condenado.
Isto é claro no ano de 2006.
O original encontra-se em
http://angryarab.blogspot.com/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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