Combater Jim Crow em Israel

por Mike Whitney

"Marchem sobre o Líbano e também sobre Gaza, com arados e sal.
Destruam-nos até o último habitante...
Salvem o seu povo e fabriquem bombas,
e despejem-nas sobre aldeias e cidades e casas até que entrem em colapso.
Matem-nos, derramem seu sangue, aterrorizem suas vidas,
para que não tentem outra vez destruir-nos...
Aquele que despreza um dia de derramamento de sangue,
Deveria ser desprezado.
Salvem o seu povo, e façam a guerra".
Ilan Shenfeld; poeta israelense, publicado em Ynet, 30/Julho/2006.

"A lógica primária da distorcida auto-imagem de Israel e das suas doutrinas racistas é agora exposta sem qualquer confusão pela realidade brutal: a paisagem lunar de entulho de aldeia libanesas outrora lindas; um milhão de pessoas desesperadas a tentarem sobreviver aos ataques aéreos israelenses quando atingem crianças e idosos desamparadas em crateras nas estradas; corpos claudicantes de crianças extraídos das fundações poeirentas de edifícios esmagados. Esta é a realidade da doutrina nacional de Israel, o resultado directo da sua visão racista do mundo".
Virginia Tilley "The Case for Boycotting Israel" Counterpunch

. As ideias têm consequências, e os efeitos de uma ideologia racista são sofrimento e destruição. A semelhança cada vez maior entre os escombros espalhados no Levante e a Faixa de Gaza não são acidentais; são os resultados previsíveis de uma visão de mundo que põe o valor de um povo acima de outro. Em Israel há um sistema de justiça de dois níveis, um para judeus e outro para não judeus; cidadania plena para judeus israelenses e "Jim Crow" [1] para os árabes.

Será isto aceitável?

Os direitos de propriedade, casamento, cidadania e quase todas as outras áreas da protecção legal estão corrompidos pelos efeitos do racismo institucionalizado.

Acreditamos que não há cidadãos de "segunda classe", que todo homem merece igual protecção sob a lei. Que isto é o princípio fundamental da democracia.

Israel diz-se uma democracia, mas o espírito sionista dominante impede uma aplicação imparcial da lei. Isto explica porque o sionismo foi denunciado em 1975 na Resolução das Nações Unidas 3379 (aprovada por 72 contra 35), a qual declarou:

"O sionismo é uma forma de racismo e discriminação racial".

A resolução foi revogada posteriormente devido aos persistentes esforços dos EUA, mas os efeitos não são tão facilmente erradicados.

Não pode haver um segundo conjunto de leis para minorias. Isto é racismo puro e simples.

O abominável tratamento dos palestinos é o exemplo mais flagrante do chauvinismo israelense, mas a actual agressão ao Líbano é igualmente revelador. A limpeza étnica maciça de 750 mil pessoas, principalmente pobres muçulmanos xiitas no sul do Líbano, traz consigo as mesmas implicações racistas da conduta de Israel nos territórios ocupados.

Quando o núcleo do governo está envenenado pelo preconceito, ele exprime-se em convulsões erráticas de violência. É o que se passa com Israel. O sionismo não é simplesmente repressivo para as suas vítimas nos territórios, mas também para aqueles que se posicionam no caminho das suas ambições territoriais. Actualmente o Líbano está no centro das atenções, mas no próximo ano será a Síria ou o Irão. O racismo é uma doença que se irradia para o exterior, sempre à procura de novos objectos de abuso. Ele permite aos governos racionalizarem o seu vício perverso de poder através da demonização de imaginários inimigos do estado.

A palavra "sionismo" confunde muitos americanos e obscurece questões mais profundas.

Somos ou não contra a discriminação e a intolerância em todas as suas formas?

Somos ou não contra a expansão territorial que viola fronteiras internacionalmente aceites?

Em caso afirmativo (e a vasta maioria dos judeus também), então somos anti-sionistas. Isto significa estarmos comprometidos com padrões de direitos humanos e soberania nacional internacionalmente aceites.

Como podemos nós observar a implacável humilhação dos palestinos dia após dia e deixar de identificar a causa raiz? Aquilo não é um relacionamento entre iguais, mas o comportamento cruel e desdenhoso do povo que acredita ser intrinsecamente superior às suas vítimas.

Os judeus nunca tratariam outros judeus da maneira como tem tratado os palestinos.

A ocupação gera o desprezo; isto é um caldo de cultura para o racismo.

Como poderia Israel mergulhar 1 milhão de palestinos na escuridão; cortar-lhe abastecimentos médicos e alimentares, bloquear toda ajuda financeira e matar aproximadamente 200 pessoas nas suas operações militares dispersas se tivessem o mais ligeiro olhar para eles como seres humanos.

A intolerância despe os homens da sua dignidade e humanidade, deixando-os à mercê dos ricos e poderosos.

Não é o que estamos a ver na Palestina?

Os palestinos tornaram-se prisioneiros de um dogma deformado que é tão real como os muros e os postos de controle que rodeiam os seus bantustões.

A Cisjordania (West Bank) e Gaza tornaram-se uma mistura de campos de concentração cosidas entre si por estradas "Só para judeus" onde geração após geração definha na miséria incapacitante.

Este são efeitos inevitáveis do racismo endémico.

Nos Estados Unidos, o mesmo cancro infectou todas as partes do corpo político, criando uma vasta rede de campos de concentração só para muçulmanos em Guantanamo, Abu Ghraib, Bagram Air Force e em incontáveis pontos por todo o globo. A guerra ao terror tornou-se a ténue cortina que mal esconde o monstro da xenofobia e do ódio racial.

A medida real do compromisso de um país para com este princípio vê-se no modo como trata os mais vulneráveis. Isto diz muito acerca de Israel, onde uma plena metade da população é trancada por trás de uma muralha monolíticas que protege a pureza racial dos poderosos.

Aqueles que vivem por trás da muralha não são pessoas de todo, mas uma "ameaça demográfica" que apresenta um desafio numérico para o pedigree não contaminado dos senhores.

Mesmo as exigências biológicas da procriação são encaradas como uma ameaça ao estado judeu.

Quão insano pode isto ficar?

O que costumava ser desprezado como "apartheid" agora é reverenciado como "democracia", uma bizarra interpretação orwelliana de práticas discriminatórias que justificam a subjugação permanente de 4 milhões de pessoas.

Quando o preconceito é santificado na lei, os resultados são invariavelmente desastrosos. A mesma regra aplica-se a Israel, tal como se aplicou à África do Sul e aos Estados Unidos.

O mundo proporcionou uma evasiva a Israel devido à perseguição genocida que os judeus enfrentaram durante a Segunda Guerra Mundial. Mas como se desenvolveu isso? Sessenta anos de conflito ininterrupto com nenhuma esperança de paz no futuro próximo e a perspectiva a assomar de uma conflagração em escala regional.

Será isto um sinal de êxito?

Talvez, eis um melhor caminho, Israel devesse considerar o mesmo percurso que todas as outras sociedades democráticas e pluralistas adoptaram; derrubar as muralhas, emendar as leis de modo a que os direitos de todos sejam respeitados igualmente, e caminhar rumo a uma sociedade integrada, multi-étnica.

Em termos práticos, o modelo do estado judeu fracassou. Tornou-se uma ameaça paranóica para si próprio e belicista para com os seus vizinhos. A ofensiva abortada de Israel no Líbano só enfatiza isto ponto.

Os israelenses estão menos seguros hoje do que em qualquer altura da sua história: a sua agressão orientada pelo dogma trouxe todo o Médio Oriente para a beira do Armagedão.

O aventureirismo expansionista do seu primeiro-ministro e dos ideólogos que o cercam são a por Israel num risco cada vez maior ao longo do tempo. Actores não estatais, milícias guerrilheiras e terroristas estão a proliferar a uma taxa que era inimaginável a apenas seis anos atrás. Seus meios de fustigar tornam-se mais refinados e letais ao longo do tempo. Nem Israel nem os EUA estão preparados para a guerra geracional que eles estão a incitar com a sua beligerância precipitada.

Os países, tal como as pessoas, podem mudar o seu comportamento se virem que isto é do seu melhor interesse. Ninguém quer que seu filhos cresçam no medo da violência aleatória. Há um caminho de afastamento do sistema legal discriminante, de dois níveis, para a igual protecção, o processo devido e a justiça social. Mas as muralhas terão de ser deitadas abaixo, o diálogo terá de começar, os agravos terão de ser atendidos, e o estado terá de desmilitarizar-se. O arsenal de mísseis com 200 ogivas nucleares de Israel e a máquina de guerra de alta tecnologia não produziram nem um dia de paz desde o início desse estado.

É tempo de abandonar a guerra demográfica, as leis discriminatórias e o sonho expansionista do Grande Israel. A estrada para a paz e a segurança deve ser construída sobre um fundamento imparcial e justo. Ali tem de haver uma lei para todos, cristãos, muçulmanos e judeus.

13/Agosto/2006

[1] As leis de Jim Crow foram promulgadas nos estados sulistas dos Estados Unidos e vigoraram entre 1876 e 1964.   Elas instauravam a segregação racial dos afro-americanos, em todas as instalações públicas.   O "período de Jim Crow" ou a "era de Jim Crow" refere-se ao tempo em que esta prática vigorou.

O original encontra-se em http://www.uruknet.info/?p=m25708&hd=0&size=1&l=e

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
16/Ago/06