por Monthly Review (Editorial)
Como escrevemos em Fevereiro último, as ameaças de uma
intervenção americana no Irão estão a
intensificar-se em reacção às afirmações de
Washington de que o Irão está a tentar desenvolver capacidades
para armas nucleares. No princípio de Março a Agência
Internacional de Energia Atómica (AIEA) votou por levar ao Conselho de
Segurança das Nações Unidas a questão daquilo que
ela encara como não cumprimento do Irão para com o Acordo de
Salvaguardas do Tratado de Não Proliferação Nuclear.
Enquanto isso, a administração Bush tem repetidamente declarado
que um ataque militar dos Estados Unidos contra o Irâo está agora
"sobre a mesa". O acenar do grande porrete de Washington, combinado
com a desinformação que despeja no sistema mediático
americano que não hesitou em transmitir estas distorções
ao público geral, já tiveram os seus efeitos. Um
inquérito dos Los Angeles Times/Bloomberg efectuado em Janeiro indicou
que "57% dos americanos estão a favor da intervenção
militar se o governo islâmico do Irão prosseguir um programa que
lhe permitisse construir armas nucleares" (
Los Angeles Times,
27/Janeiro/2006). Poucos dias depois o presidente Bush declarou no seu
discurso do Estado da Unão que "o governo iraniano está a
desafiar o mundo com suas ambições nucleares, e as
nações do mundo não devem permitir ao regime iraniano que
obtenha armas nucleares. A América continuará a arregimentar
(to rally)
o mundo para confrontar estas ameaças".
Sob estas circunstâncias é importante rever uns poucos factos
salientes. O Irão não tem armas nucleares nem está
próximo de obtê-las. De acordo com o influente instituto de
investigação
(think tank)
Institute for Strategic Studies (IISS), com sede em Londres, o Irão
está a pelo menos dez anos de distância da produção
de urânio altamente enriquecido suficiente para uma única bomba
nuclear. Analogamente, a CIA, e a comunidade americana de inteligência
em geral, estimaram que levaria dez anos para o Irão construir uma
bomba. ("Iran 'Years from Nuclear Bomb,'" BBC News,
news.bbc.co.uk
, 12/Janeiro/2006; "Iran is Judged Ten Years from Nuclear Bomb,"
Washington Post,
02/Agosto/2005).
Não há provas concretas neste momento de que o Irão esteja
a violar o Tratado de Não Proliferação Nuclear. Todas as
suas actividades conhecidas em relação à
investigação nuclear estão em conformidade com o que
é permitido sob o tratado. Como declarou o Center for Strategic and
International Studies (CSIS), com sede em Washington, na sua minuta do
relatório Iranian Nuclear Weapons? (21/Fevereiro/2006), "o
Irão tem o direito de adquirir um ciclo completo do combustível
nuclear para finalidades pacíficas sob os termos do Tratado de
Não Proliferação Nuclear (TNP)". Até agora o
Irão tem sido capaz de proporcionar explicações
plausíveis para todas as suas actividades de investigação
e desenvolvimento nuclear, compatíveis com um programa civil de energia
nuclear deixando incerteza quanto a se está a empreender o
desenvolvimento de armas nucleares ou não.
A investigação e o desenvolvimento nucleares iranianos
começou na década de 1950 sob o Xá. Em 1953 a CIA planeou
e executou um golpe que depôs o governo democraticamente eleito do
primeiro-ministro Mohammed Mossadeq. Os Estados Unidos colocaram o Xá
no poder, que governou autocraticamente como o "homem forte" aliado
dos EUA na região. A partir da década de 1950 os Estados Unidos
instaram o Irão a desenvolver instalações de
investigação nuclear e proporcionaram-lhe tecnologia e
perícia. Consequentemente, na década de 1970 o Irão
expandiu rapidamente sua investigação e suas
instalações nucleares. Em 1974 o Xá declarou que o
Irão teria armas nucleares "sem qualquer dúvida e mais cedo
do que alguém poderia pensar". No fim da década de 1970 o
Irão, segundo a inteligência americana, tinha um programa
clandestino para o desenvolvimento de armas nucleares. Após a
revolução iraniana de 1979 que depôs o Xá, o novo
governo sob o Aiatola Khomeini suspendeu os trabalhos de
investigação e desenvolvimento nucleares, cessando a
construção nas suas grandes instalações em Bushehr.
Posteriormente o Irão relançou os seus programas nucleares com o
início da Guerra Iraque-Irão durante a qual o Iraque atingiu
instalações nucleares iranianas, destruindo o núcleo das
instalações de Bushehr em 1987 (CSIS, Iranian Nuclear Weapons?).
Se a existência de um programa iraniano de armas nucleares é ainda
incerta, o facto de que o Irão tem razões para prosseguir o
desenvolvimento de armas nucleares não é. O país
já foi atacado pelo Iraque com mísseis e armas químicas.
Está cercado por países com armas de destruição em
massa: pela Rússia, China, Israel, Índia e Paquistão,
todos eles com armas nucleares (bem como químicas e provavelmente com
capacidades para armas biológicas), pela Síria e o Egipto, ambos
com armas químicas, e pela Turquia, com suas armas nucleares e
capacidades militares maciças baseadas na NATO. Há agora tropas
americanas e de aliados com 200 mil homens no Golfo Pérsico e no
Afeganistão. Os Estados Unidos têm bases militares a cercar quase
completamente o Irão, na Turquia, Iraque, Kuwait, Bahrain, Qatar, Oman,
Emirados Árabes Unidos, Paquistão, Afeganistão,
Tajiquistão e Quirguistão. As duas guerras americanas contra o
Iraque demonstraram esmagadoramente as capacidades americanas em armas
convencionais. Em acréscimo, as armas nucleares americanas instaladas
no e em torno do Golfo Pérsico, especialmente com a presença da
Quinta Esquadra americana nas águas do Golfo Pérsico e do Mar
Arábico, representa uma ameaça constante ao Irão. Em 2002
os Estados Unidos declararam que o Irão era membro do "Eixo do
Mal" e afirmaram ter o direito à "guerra antecipativa"
contra tais estados "do mal". Esta ameaça foi posteriormente
executada no caso do vizinho do Irão, o Iraque. A liderança
iraniana tem toda a razão para acreditar que uma das principais
razões para a agressão americana é a tentativa de
controlar as principais fontes de petróleo do mundo como meio para a
hegemonia global, tornando o Irão, com suas reservas maciças de
petróleo, tal como o Iraque antes dele, um alvo óbvio.
Embora a proposta de intervenção militar contra o Irão
geralmente aponte para o ataque aéreo de Israel contra reactores
iraquianos em 1981, aquele ataque é agora considerado ter sido um
fracasso (Joseph Cirincione, "No Military Options,"
www.carnegieendowment.org
, 12/Janeiro/2006). De acordo com o prestigioso
Oxford Research Group, num documento resumo de Fevereiro de 2006, Iran:
Consequences of a War (
www.oxfordresearchgroup.org.uk
), um ataque militar
americano às instalações nucleares e infraestrutura de
alta tecnologia do Irão, que também exigiria um ataque a
instalações militares iranianas para impedir uma
reacção militar, conduziria a uma guerra prolongada que
inevitavelmente engolfaria a maior parte do Médio Oriente.
Consideramos profundamente perturbador que a opinião pública
americana esteja a ser sistematicamente preparada para crimes contra o povo
iraniano que poderiam potencialmente comparar-se aos horrores desencadeados
pelos Estados Unidos e a Grã-Bretanha no Iraque e que pode causar
uma conflagração geral por todo o Médio Oriente. Como
sempre, uma formidável e assombrosa tarefa confronta os activistas
anti-imperialistas dentro dos EUA, um estado totalitário (dirigido pelo
que Gore Vidal denominou suas "duas extremas direitas"). Há
toda a razão para acreditar que a oposição a uma
"guerra antecipativa" americana contra o povo do Irão é
quase universal fora dos Estados Unidos, enquanto dezenas de milhões de
pessoas dentro dos próprios Estados Unidos opõem-se a uma tal
expansão do conflito do Médio Oriente. Mas mera
oposição não é bastante, mobilização
real pela causa da paz deve verificar-se se esta oposição
é para ter efeito. Uma coisa parece certa no momento: o fracasso na
actuação pela paz conduzirá à difusão da
guerra.
28/Fevereiro/2006
A publicação internacional
Post-Autistic Economics Review
efectuou recentemente um inquérito entre os seus assinantes
(localizados em 150 países) quanto ao que eles consideram serem os
maiores economistas do século XX. Os resultados foram publicado no
número de 24/Fevereiro/2006. Votaram mais de 1200 assinantes. Aos
empates foram dadas as mesmas classificações. Ficamos felizes em
anunciar que Paul Sweezy foi classificado em 15º lugar, logo atrás
de: 1. John Maynard Keynes, 2. Joseph Alois Schumpeter, 3. John Kenneth
Galbraith, 4., Amartya Sen, 5. Joan Robinson, 6. Thorstein Veblen, 7. Michal
Kalecki, 8. Friedrich Hayek, 9. Karl Polanyi, 10. Piero Sraffa, 11. Joseph
Stiglitz, 12. Kenneth Arrow, 13. Milton Friedman, e 14. Paul Samuelson. Tanto
Joan Robinson como Michal Kalecki, entre os 15 do topo, foram colaboradores da
Monthly Review (e da MR Press). As classificações também
incluem: 29. Ernest Mandel, 38. Robert Heilbroner, 43. Samir Amin, 49. Maurice
Dobb, 60. Paul Baran, 78. Samuel Bowles, 86. Andre Gunder Frank, e 86. Immanuel
Wallerstein todos eles colaboradores da MR. Pode-se obter uma
assinatura gratuita da
Post-Autistic Economics Review,
e ler números anteriores, em
www.paecon.net
.
O original encontra-se em
http://www.monthlyreview.org/nfte0406.htm
, Vol. 57, nº 11, Abril/2006. Tradução de JF.
Este editorial encontra-se em
http://resistir.info/
.