A elite do poder financeiro
por John Bellamy Foster
[*]
e Hannah Holleman
[**]
|
Você está me dizendo que o êxito do programa
(econômico) e a minha reeleição dependem do Federal Reserve
e de um bando de malditos negociantes de títulos?
Presidente Bill Clinton
[1]
|
Somente por duas vezes no ultimo século depois do Pânico
Bancário de 1907 e em seguida à Quebra do Mercado de
Ações de 1929 a fúria dirigida às elites
financeiras dos EUA atingiu os níveis de hoje, na esteira da Grande
Crise Financeira de 2007-2009. Uma pesquisa da revista
Time
em outubro de 2009 revelou que 71% do público acredita que devem ser
impostos limites às compensações dos executivos de Wall
Street; 67% querem que o governo force os executivos a pagar cortes nas
empresas de Wall Street que receberam ajuda financeira federal; e 58% concordam
que a Wall Street exerce demasiada influência sobre a política de
recuperação econômica do governo.
[2]
Em Janeiro de 2009, o presidente Obama capitalizou a crescente fúria
contra os interesses financeiros chamando de "vergonhosos" os
exorbitantes bônus bancários subsidiados com dinheiro dos
contribuintes, e ameaçou com novas regulamentações. O
jornalista Matt Taibbi abriu seu artigo de julho de 2009 na
Rolling Stone
com: "A primeira coisa que você precisa saber sobre a Goldman Sachs
é que ela está em toda parte. O banco de investimentos mais
poderoso do mundo é um grande polvo-vampiro que envolve a face da
humanidade, drenando implacavelmente seu sangue para tudo que cheire a
dinheiro". O ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional,
Simon Johnson, publicou um artigo no número de maio de 2009 do
Atlantic
intitulado: "O Golpe Silencioso", criticando a tomada pela
"oligarquia financeira americana" de posições
estratégicas no governo federal, que dão "ao setor
financeiro poder de veto a políticas públicas".
[3]
A Comissão de Inquérito da Crise Financeira estabelecida por
Washington em 2009 foi encarregada de examinar "as causas, internas ou
globais, da atual crise financeira e econômica nos Estados Unidos".
Seu presidente, Phil Angelides, compara sua tarefa à do inquérito
Pecora na década de 30, que expôs os excessos especulativos e a
conduta dolosa da Wall Street. As primeiras audiências em janeiro de 2010
tiveram início com os presidentes executivos de alguns dos maiores
bancos dos EUA: Bank of América, JP Morgan Chase, Goldman Sachs e Morgan
Stanley.
[4]
Enquanto isso, o governo federal continuou seu programa de salvamento dos
bancos através da canalização de milhões de
milhões
(trillions)
de dólares para eles, através de fusões de capital,
garantias para empréstimos, subsídios, compra de ativos
tóxicos, etc. Esta é uma época de falências
bancárias recordes, mas também de rápida
concentração financeira, na medida em que as empresas já
"grandes demais para falir" no ápice do sistema financeiro
estão se tornando ainda maiores.
Tudo isso levanta a questão de uma elite emergente do poder financeiro.
O poder dos interesses financeiros na sociedade estadunidense aumentou? A
crescente influência de Wall Street afetou os próprios EUA? Como
isso está conectado à presente crise? Argumentaremos que a
financiarização do capitalismo dos EUA nas últimas quatro
décadas foi acompanhada por uma guinada dramática e provavelmente
duradoura na posição da classe capitalista, da qual uma crescente
proporção agora deriva sua riqueza das finanças e
não da produção. Essa predominância cada vez maior
das finanças pode ser vista hoje nos corredores internos do poder
estatal.
O trust do dinheiro
A fúria com a existência de um "trust do dinheiro"
regendo a economia estadunidense atingiu vastas proporções no
final do século dezenove e início do século vinte. Este
foi um tempo no qual os banqueiros de investimento fizeram o parto dos gigantes
industriais, inaugurando a nova era do capital monopolista. Em troca, os bancos
de investimento obtiveram o que o economista marxista austríaco Rudolf
Hiferding, em sua grande obra
O Capital Financeiro
(1910) chamou de "o lucro do promotor".
[5]
Hiferding e o economista e sociólogo radical Thorstein Veblen nos
Estados Unidos foram os dois maiores teóricos da ascensão da nova
era do capital monopolista e do controle financeiro. Veblen declarou que
"os banqueiros de investimento coletivamente são a comunidade
custodiadora da propriedade absenteísta em geral, toda a equipe
encarregada de procurar negócios... [A]s casas bancárias que se
engajaram neste empreendimento se prepararam para um controle acionário
efetivo das corporações cujos negócios financeiros elas
administram".
[6]
Na fusão prototípica do período, a criação
em 1901 da U.S. Steel Corporation, o sindicato de corretores que o J.P.Morgan &
Co. reuniu para lançar as ações no mercado, recebeu uma
participação de 1,3 milhões e mais de US$ 60
milhões em comissões das quais o J.P.Morgan & Co. receberam US$
12 milhões.
[7]
O Pânico Bancário de 1907, durante o qual o próprio J.P.
Morgan interveio na ausência de um banco central que estabilizasse o
setor financeiro, levou à criação em 1913 do Sistema de
Reserva Federal (Federal Reserve System), projetado para dar liquidez aos
bancos durante uma crise. Mas isso levou também a
acusações, primeiro formuladas em 1911 pelo congressista Charles
A. Lindberg (pai do famoso aviador), de um "cartel do dinheiro" no
domínio das finanças e da indústria dos EUA. Woodrow
Wilson, então governador de New Jersey, declarou: "O maior
monopólio deste país é o monopólio do
dinheiro".
Em 1912, uma investigação destinada a descobrir a verdade por
trás da questão do trust do dinheiro foi lançada pela
Comissão da Câmara sobre Bancos e Moeda, presidida por Arsene
Pujo, da Louisiana. A Comissão Pujo descobriu que 22% do total dos
recursos bancários da nação estavam concentrados em bancos
e companhias de custódia baseadas na Cidade de Nova Iorque. Ela publicou
informações mostrando os canais do controle e propriedade
financeiros, focando especialmente o extenso império
financeiro-industrial do J.P.Morgan, enfatizando as cadeias imbricadas de
gestão através das quais esse controle era exercido. Ela detalhou
o que via como um "grupo interno" associado ao trio formado por
Morgan no J.P.Morgan & Co., George F.Baker no First National Bank, e James
Stillman no National City Bank, assim como em vários outros bancos e
empresas que eles controlavam. Coletivamente, o grupo interno manteve 300
diretorias em mais de cem corporações. A Comissão Pujo
denunciou que não era investimento, mas controle sobre as
finanças e a indústria dos EUA, o objetivo da extensa rede de
propriedade e direção. Ela concluiu que havia uma
"identidade e comunhão de interesses estabelecidos e bem definidos
entre alguns líderes financeiros, criada e mantida através de
propriedade acionária, gestão interligada, sociedade e
transações em contas conjuntas, e outras formas de domínio
sobre bancos, companhias e custódia, ferrovias e
corporações industriais e de serviço público, que
resultaram numa concentração grande e rapidamente crescente do
controle de dinheiro e crédito nas mãos desses poucos".
Apesar de que afinal a Comissão Pujo teve pouco efeito no Congresso,
levantou preocupações com o trust financeiro e o papel dos bancos
de investimento. A acusação mais cáustica baseada nessas
revelações foi feita por Louis Brandeis em
O dinheiro dos outros
(1913), onde escreveu: "O elemento dominante em nossa oligarquia
financeira é o banqueiro de investimentos. Bancos associados, companhias
de custódia e companhias de seguro de vida são suas
ferramentas... O desenvolvimento de nossa oligarquia financeira seguiu...
diretrizes com as quais a história do despotismo político nos
familiarizou: usurpação, por meio de intrusão gradativa ao
invés de atos violentos, concentração, sutil e
frequentemente escondida por muito tempo, de funções distintas...
Foi por processos como estes que César Augusto tornou-se o dono de
Roma".
[8]
O crash do Mercado de Ações de 1929 e a Grande Depressão
levaram novamente a investigações sobre a questão do trust
monetário. Em seu discurso inaugural, Franklin Roosevelt afirmou que
"os cambistas fugiram de seus tronos no templo de nossa
civilização. Devemos agora devolver este templo à antiga
verdade". Em 1932 a Comissão do Senado sobre Bancos e Moeda iniciou
uma investigação de dois anos sobre os mercados de títulos
e sobre o sistema financeiro como um todo, conhecida como inquéritos
Pecora, com base no nome do último conselheiro-chefe da comissão,
o dinâmico Ferdinand Pecora. Como fez a Comissão Pujo, a
investigação Pecora apontou as atividades especulativas dos
bancos de investimentos associados aos principais bancos. Também
destacou as diretorias interligadas que formavam uma complexa teia cujo centro
era um punhado de interesses financeiros, dos quais J.P.Morgan & Co. e Drexel &
Co. são especialmente significativos. A investigação
Pecora descobriu que o país está sendo colocado "sob
controle dos financistas". Essas audiências conduziram diretamente
à fundação da Comissão de Títulos e
Câmbio e à aprovação no Congresso, dentro de um ano,
da Lei Glass-Steagal, que estabeleceu, entre outras coisas, a
separação de atividades de banco comercial e de investimento. O
sentimento popular à época foi talvez melhor resumido pelo
deputado Charles Truaux, de Ohio, que declarou, com relação
à Lei de Títulos de Câmbio de 1934, "Sou
favorável a esta lei, porque ela fará alguma coisa com o maldito
bando de chantagistas e vampiros que sempre sugaram o sangue da
humanidade".
[9]
A era dos bancos tediosos
O período que se seguiu à Grande Depressão, até a
década de 70, foi chamado por Paul Krugman de "a era dos bancos
tediosos". "A indústria bancária que emergiu daquele
colapso [nos anos 30] foi estritamente regulada, muito menos colorida do que
havia sido antes da Depressão, e muito menos lucrativa para aqueles que
a geriam. A atividade bancária tornou-se chata, um pouco porque os
bancos eram muito conservadores. A dívida habitacional, que tinha
caído abruptamente em termos de percentual sobre o PIB durante a
Depressão e a Segunda Guerra Mundial, permaneceu muito inferior aos
níveis de antes de 1930".
[10]
Nos anos 60, o poder relativo do setor financeiro no capitalismo estadunidense
declinou. Os bancos de investimento, que tinham sido tão importantes no
seu apogeu nas décadas iniciais do século XX, decaíram em
poder e influência.
A regulação das finanças associada à Glass-Steagall
e à Lei de Títulos e Câmbio é freqüentemente
creditada pela era do "banco tedioso". Entretanto, na realidade, a
relativa estabilidade financeira desses anos, e o afastamento do controle
financeiro exercido pelos bancos, tem muito mais a ver com o crescimento
maciço das gigantescas corporações industriais, no que foi
chamado de "a era dourada" da expansão do capitalismo
pós-Segunda Guerra Mundial. Essas corporações gigantescas
produziram enormes superávites econômicos e puderam bancar sua
expansão, na maior parte, com base em suas próprias
finanças internas. John Kenneth Galbraith afirmou em
Capitalismo Americano
(1952): "Enquanto os bancos, como símbolo do poder
econômico, eram eclipsados, seu lugar foi tomado pela
corporação industrial gigante".
[11]
Entretanto, seria mais acurado dizer que o que emergiu depois da década
de 20 foi a "combinação", sob o capitalismo
monopolista, do capital financeiro e industrial, como sugerido tanto por
Lênin quanto por Veblen.
[12]
A era da financiarização
[13]
As últimas décadas, desde os anos 70, e especialmente desde os
anos 80, têm visto a rápida financiarização da
economia estadunidense e do capitalismo global em geral, na medida em que o
centro de gravidade do sistema tem se deslocado da produção para
as finanças. Apesar de ter havido crises financeiras periódicas,
começando com a falência da Pennsylvania Central Railroad em 1970,
o estado tem intervido em cada crise como o prestamista de última
instância, e procurado apoiar o sistema financeiro. O resultado por
décadas tem sido o crescimento maciço de um sistema financeiro no
qual a cobrança forçada das dívidas nunca ocorreu de fato,
levando a crises financeiras maiores e a intervenções estatais
mais agressivas. Uma indicação do fracasso em erradicar
forçosamente as dívidas, apesar das repetidas crises de
crédito, e do resultante crescimento da pirâmide financeira,
é o aumento sem precedentes históricos da
participação dos lucros financeiros (isto é, os lucros de
corporações financeiras), que subiu de 17% do total de lucros
corporativos domésticos em 1960 para um máximo de 44% em 2002.
Apesar de que a parcela de lucros financeiros caiu em 27% até 2007,
à beira da Grande Crise Financeira de 2007-2009 (em parte devido a
ganhos nos lucros industriais nesse período), permaneceu estável
à medida em que a crise se aprofundava, e recuperou-se nos primeiros
três trimestres de 2009 até 31%, bem acima de seu nível de
antes da crise graças à ajuda federal (e devido ao fato de
que os lucros industriais continuaram atolados na recessão)
Hoje em dia é comum que economistas apresentem a Grande Crise Financeira
como apenas mais um, ainda que mais severo, caso de crise financeira, parte de
um ciclo financeiro recorrente sob o capitalismo.
[14]
Todavia, ainda que tenha havido muitos outros períodos de manias e
pânicos financeiros no último século sendo o mais
famoso os proverbiais "loucos anos 20", que levaram à Quebra
do Mercado de Ações em 1929 a guinada popular de hoje na
direção de maiores lucros financeiros, que já dura
décadas, não tem precedentes históricos.
[15]
Isso representa uma inversão da economia capitalista à
qual Paul Sweezy se referiu em 1997 como "a financiarização
do processo de acumulação do capital". Em períodos
anteriores do desenvolvimento capitalista, bolhas financeiras ocorriam nos
picos dos ciclos de negócios, refletindo o que Marx chamou de
"pletora de capital monetário" no auge da
especulação imediatamente precedente a uma quebra. Hoje,
entretanto, as bolhas financeiras são vistas mais apropriadamente como
manifestações de um processo secular de
financiarização, alimentando-se mais da estagnação
que da prosperidade. As expansões especulativas servem para estimular
temporariamente a economia de base, mas levam inevitavelmente ao aumento da
instabilidade financeira.
[16]
O sistema financeiro foi, assim, transformado historicamente numa economia de
cassino, a partir da década de 70, como resposta ao reaparecimento das
tendências de estagnação na produção e
acelerando-se a cada década que se seguiu. Após o marco
histórico da Quebra do Mercado de Ações de 1987, alguns
dos que tinham acompanhado a explosão financeira desde o início
dos anos 70 (e mesmo antes disso), tal como Hyman Minsky e Paul Sweezy,
argumentaram que o sistema tinha sido submetido a uma mudança radical,
refletindo o que Minsky apelidou de "capitalismo de gestão
monetária" e que Sweezy chamou de "o triunfo do capital
financeiro". Mais recentemente, essa nova fase foi denominada
"capital financeiro monopolista".
[17]
À medida em que a financiarização prosseguiu, formas cada
vez mais exóticas de inovação financeira (toda
espécie de futuros, opções, derivativos, swaps)
apareceram, junto com o crescimento de todo um sistema bancário oculto,
fora dos balanços dos bancos. A revogação da
Glass-Steagall em 1999, apesar de não ter sido em si mesma um grande
evento histórico, simbolizou a dimensão total da
desregulamentação que tinha então sido feita
generalizadamente. O sistema tornou-se cada vez mais complexo, opaco e
ingovernável. Surgiu uma nova era de conglomerados financeiros, ao mesmo
tempo em que tinha início em 2007 a Grande Crise Financeira.
Na perseguição pública ao trust monetário no
início do século XX, a ênfase nunca esteve na
concentração total da propriedade nas finanças, já
que o sistema bancário era menos concentrado que a maioria das
indústrias. Ao invés disso, foi colocada ênfase nas
diretorias interligadas e nas várias práticas de
empréstimos que envolviam "reciprocidade", através das
quais se achava que o controle efetivo era exercido pelo cartel
monetário centrado em alguns poucos bancos poderosos. De acordo com o
estudo "Grupos de Interesse na Economia Americana", elaborado por
Paul Sweezy para a agência do New Deal, a Comissão de Recursos
Nacionais (publicada no seu relatório de 1939, A estrutura da Economia
Americana), os cinqüenta maiores bancos nos EUA em 31 de dezembro de 1936
detinham 47,9% da média de depósitos em todos os bancos
comerciais em 1936. Isso permaneceu inalterado (pelo menos aparentemente)
até 1990, quando as cinqüenta maiores holdings bancárias nos
EUA detinham 48% de todos os depósitos nacionais.
[18]
Todavia, o final da década de 80 e o início da década do
90 foram geralmente considerados como um período de crise para os bancos
dos EUA, o que foi em parte atribuído ao fato de que os bancos
comerciais estadunidenses não eram mais considerados grandes o bastante
para competir eficientemente. Isso pode ser visto de forma dramática no
peso decrescente dos bancos dos EUA relativamente aos bancos de outros
países capitalistas avançados. Em 1970, os bancos comerciais dos
EUA superavam em tamanho (medido por depósito) os principais bancos
europeus e japoneses. Neste ano, os três maiores bancos do mundo eram o
BankAmerica, o Citicorp e o Chase Manhattan, todos baseados nos Estados Unidos.
No total, os Estados Unidos respondiam por oito dos 20 maiores bancos do mundo.
Em 1986, o maior banco do mundo era japonês, e apenas três bancos
estadunidenteses permaneciam entre os 20 maiores. Em termos de
capitalização do valor de mercado, os bancos dos EUA estavam
ainda em pior situação. O Citicorp caiu em 1986 para o 29º
lugar na classificação, internacionalmente, enquanto o
BankAmerica saiu fora da lista dos 50 maiores.
[19]
Se os bancos dos EUA estivessem sendo expulsos por competidores estrangeiros
que estivessem crescendo muito mais depressa, refletindo economias de escala
nos bancos, eles teriam também sido afetados por uma
alteração de rumo acelerado no longo prazo, na era da
financiarização, para longe da atividade bancária e na
direção de outras formas de intermediação
financeira, dando aos bancos uma participação menor no mercado
total. Em 1950 os ativos dos bancos comerciais representavam mais da metade do
total de onze tipos principais de intermediários financeiros (bancos
comerciais, companhias de seguro de vida, fundos de pensão privados,
associações de poupança e empréstimo, bancos de
poupança e consórcios de crédito). Em 1990 isso tinha se
reduzido a 32%. Apesar da retirada dos bancos da intermediação
financeira poder ter sido superestimada por esses números, que
não levaram em conta as atividades não contabilizadas dos
bancos, o crescente deslocamento dos bancos comerciais dos EUA na era da
financiarização tornou-se uma grande preocupação.
[20]
Tudo isso significou um crescente enfraquecimento da atividade bancária,
com os bancos cada vez mais encorajados a "patinar no gelo fino",
como Harry Magdoff e Sweezy disseram na década de 70, com base nos
baixos níveis de capitalização. Isso também levou
ao aumento de falências e fusões bancárias de 1990 a 2007,
o que alimentou a concentração e a centralização,
à medida em que os bancos buscaram economias de escala e a
condição de "grande demais para falir" dentro da
economia (a presumida garantia de ajuda do governo federal num evento de
crise). No total, os EUA viram cerca de 11.500 bancos se fundirem entre 1980 e
2005, numa média de cerca de 440 fusões ao ano. Além
disso, o tamanho das empresas fundidas elevou-se a passos de gigante. Em
janeiro de 2004 o J.P.Morgan Chase decidiu comprar o Bank One, formando uma
holding bancária com US$ 1,4 milhão de milhões em ativos
(atrás, na época, apenas do Citigroup, com ativos de US$ 1,6
milhão de milhões).
[21]
A concentração financeira se acelerou ainda mais em
decorrência da Grande Crise Financeira que começou em 2007.
Números record de falências bancárias, e as maiores
empresas, as principais beneficiárias da ajuda governamental, procuraram
segurança no aumento de tamanho, esperando manter seu status de
"grande demais para falir". Dos quinze maiores bancos comerciais dos
EUA em 1991 (Citicorp, BankAmerica, Chase Manhattan, J.P. Morgan, Security
Pacific, Chemical Banking Corp, NCNB, Manufacturers Hanover, Bankers Trust,
Wells Fargo, First Interstate, First Chicago, Fleet/Norstar, PNC Financial, and
First Union com ativos totais de US$ 1,153 milhão de
milhões), somente cinco (Citigroup, Bank of America, JPMorgan Chase,
Wells Fargo, and PNC Financialcom ativos totais de U$ 8,913 milhão
de milhões) sobreviveram como entidades independentes até o final
de 2008. Os bancos de investimento da Wall Street sofreram as maiores
transformações. Em 1988, as empresas líderes na oferta de
dívida corporativa, títulos baseados em hipotecas, direitos de
propriedade e obrigações municipais eram Goldman Sachs, Merrill
Lynch, Salomon Brothers, First Boston, Morgan Stanley, Shearson Lehman
Brothers, Drexel Burnham Lambert, Prudential-Bache, and Bear Stearns. No final
de 2008, apenas duas dessas nove permaneceram independentes: o Goldman Sachs e
o Morgan Stanley, ambos transformados em holdings bancárias, de forma a
abrigá-las sob o guarda-chuva da ajuda do governo federal.
Na verdade, o nível global da concentração financeira
é muito maior que o que pode ser visto olhando-se apenas os grandes
bancos, já que o que surgiu nos últimos anos são
conglomerados financeiros, centralizados em bancos e seguradoras, e engajados
num amplo espectro de transações financeiras que dominam a
economia estadunidense, inclusive compromissos extra-balanço
patrimonial. Os dez maiores conglomerados financeiros dos EUA em 2008 detinham
mais de 60% dos ativos financeiros do país, em comparação
com apenas 10% em 1990, criando as condições para um
oligopólio financeiro. O J.P.Morgan Chase agora detém US$ 1 de
cada US$ 10 de depósitos bancários no país. O mesmo com o
Bank of América e o Wells Fargo. Esses três bancos, mais o
Citigroup, agora emitem quase uma de cada duas hipotecas, e respondem por dois
de cada três cartões de crédito. Como diz Mark Zandi,
economista-chefe da Moody's Economy: "O oligopólio se
fortaleceu".
[22]
A financiarização da classe capitalista
Qual tem sido o efeito da financiarização, tal como descrito
acima, sobre a composição da classe capitalista e as
relações na sociedade estadunidense? Os melhores dados
empíricos disponíveis para averiguar as mudanças na
distribuição de riqueza na classe capitalista têm sido
compilados anualmente desde o início da década de 80 pela revista
Forbes,
acessável no chamado "400 da Forbes", ou seja, os 400
americanos mais ricos. Apesar dos 400 da
Forbes
em 2007 responderem apenas por cerca de 2,4% da riqueza privada total e 7% da
riqueza dos 1% de americanos mais ricos, sua participação na
riqueza (de US$ 1,54 milhão de milhões) não foi
absolutamente insignificante, quase se igualando à riqueza da metade
inferior da população estadunidense, ou cerca de 150
milhões de pessoas (de US$ 1,6 milhão de milhões).
Além disso, os 400 da
Forbes,
como super-elite da classe capitalista, podem ser visto como representantes
da "vanguarda", portanto da direção principal, da
classe capitalista dominante.
[23]
Os dados dos 400 da
Forbes
incluem informações sobre a fonte primária de riqueza,
por setor industrial, de cada indivíduo. Com base nesses dados, é
portanto possível averiguar as áreas ascendentes e descendentes
de riqueza nos porfolios dos americanos mais ricos. Uma tentativa pioneira
feita em 1990 por James Petras e Christian Davenport de usar esses dados para
examinar a mudança na composição da riqueza dos americanos
mais ricos, durante 1983-1988, concluiu:
Os dados dos 400 da Forbes mostram que os capitalistas especuladores
tornaram-se cada vez mais predominantes na classe dominante dos EUA, deslocando
capitalistas industriais e petrolíferos... Além disso, a base
especulativa do capitalismo dos EUA traz maior risco de instabilidade. Os
maiores ganhadores nos anos recentes têm sido os setores financeiro e
imobiliário e a recessão iminente pode exacerbar sua
fraqueza e derrubá-los junto com os principais setores industriais aos
quais eles estão ligados.
[24]
Há agora um quarto de século de dados disponíveis na
série dos 400 da Forbes, o que nos permite examinar a
alteração na composição da riqueza numa base de
muito mais longo prazo, e ao longo do estágio crítico da
financialização da economia estadunidense. Analisando a
série da
Forbes,
usamos os dados históricos reconstruídos por Peter W. Bernstein
e Annalyn Swan, que, com consultoria da equipe de pesquisadores dos 400 da
Forbes,
e utilizando os arquivos de dados da revista, vieram a publicar em 2007
"Todo o dinheiro do mundo: Como os 400 da Forbes ganham e gastam
suas fortunas". Complementamos isso com a última pesquisa
dos mesmos autores, usando os dados da
Forbes,
publicados em 8 de outubro de 2007, publicado pela própria Forbes.
As mudanças na estrutura da riqueza dos 400 da Forbes ao longo de um
período de vinte e cinco anos, de 1982 a 2007 (em percentuais para os
anos selecionados) é mostrado no Gráfico 2.
(Os números de 1982, diferentemente dos outros anos, não
incluíram a categoria retalho, que não foi originariamente
isolada como área de riqueza, devido à sua pequena
representação nos 400 da Forbes no início da década
de 80. Conseqüentemente, o retalho entra em "Outros"). Em 1982,
o petróleo e o gás eram a fonte primária de riqueza para
22,8% dos 400 da Forbes, com manufatura em segundo com 15,3%. Finanças,
em contraste, era o setor primário de riqueza apenas para 9%, com
finanças e mercado imobiliário juntos (ambos incluídos no
FIRE, ou finanças, seguros e imóveis, em inglês Finance,
Insurance e Real State) representando 24%. Somente uma década mais
tarde, em 1992, todavia, as finanças ultrapassaram todas as outras
áreas, representando a fonte primária de riqueza para 17% dos 400
da Forbes, enquanto finanças mais mercado imobiliário
constituíam 25%. Petróleo e gás, enquanto isso, encolheram
para 8,8%. As manufaturas, em 14,8%, conseguiram manter sua
participação geral, apesar de estarem agora ultrapassadas pelas
finanças, assim como pelo florescente setor de media, entretenimento e
comunicações, que subiu para 15,5%.
Em 2007, no início da Grande Crise Financeira, o percentual dos 400 da
Forbes
que derivavam sua principal fonte de riqueza das finanças subiu para
27,3%, enquanto as finanças e os imóveis juntos chegaram a 34%,
com mais de um terço dos 400 americanos mais ricos agora tendo sua
riqueza principalmente derivada do FIRE. O competidor mais próximo nesta
época a tecnologia respondia por cerca de 10,8% da riqueza
dos 400 da Forbes. A manufatura tinha desabado para 9,5%, apesar de agora
exceder ligeiramente a media/entretenimento/comunicações (9,3%).
A alteração neste quarto de século foi enorme. Em 1982, a
manufatura havia excedido as finanças como fonte de riqueza por 6 pontos
percentuais. Em 2007, as posições foram revertidas, com as
finanças excedendo a manufatura por 18 pontos percentuais, enquanto as
finanças mais imóveis excediam a manufatura em 25 pontos.
[25]
O que podemos chamar de "financiarização da classe
capitalista" neste período é refletido não apenas no
crescimento dos lucros financeiros como percentual do total de lucros
corporativos, e na mudança das fontes primárias de riqueza dos
americanos mais ricos das finanças para o Mercado imobiliário,
mas também no aumento da compensação dos executivos do
setor financeiro, relativamente a outros setores da economia. Como Simon
Johnson notou, "De 1948 a 1982, a compensação média
no setor financeiro variou entre 99% e 108% da média de todas as
indústrias privadas nacionais. Em 1983, disparou, alcançando 181%
em 2007". Em 1988, os dez mais da nação em
compensação a executivos não incluíam nenhum
presidente executivo. Em 2000, as finanças respondiam pelos dois
maiores. Em 2007, incluíam quatro dos cinco maiores.
[26]
Relativamente tanto a lucros quanto a compensações a executivos,
havia portanto uma enorme viragem na direção das finanças,
com a riqueza do último degrau da classe capitalista crescentemente
vindo do setor financeiro. O rei das finanças, Warren Buffett, ainda
mais que o rei da tecnologia, Bill Gates, é quem melhor exemplifica a
nova fase do capital financeiro monopolista.
A financiarização do Estado
O domínio da classe capitalista sobre o governo americano é
exercido através de representantes, ou diversas elites poderosas,
extraídas diretamente da própria classe capitalista e de seus
agregados, que vêm a ocupar posições estratégicas
nos círculos corporativos e governamentais. O conceito de "elite do
poder" foi introduzido nos anos 50 pelo sociólogo C. Wright Mills,
e foi subseqüentemente desenvolvido por outros, notavelmente por G.William
Domhoff, autor de
Quem dirige a América?
Para Domhoff, a elite do poder é o "grupo de liderança ou o
braço operador da classe dirigente".
[27]
Na prática, a noção de uma elite geral do poder tem
freqüentemente levantado a consideração de elites
específicas, refletindo os vários segmentos da classe capitalista
(por exemplo, o capital industrial e financeiro) e as diferentes
dimensões do exercício do poder (econômico,
político, militar, comunicações, etc.).
Como Paul Mason, editor de economia da BBC Newsnight, escreveu em 2009 em seu
livro
Meltdown:
Felizmente, ainda que seja difícil de teorizar, a elite do poder do
capitalismo global de livre-mercado é notavelmente fácil de
descrever. Ainda que se pareça a uma hierarquia, é de fato uma
rede. No centro desta rede estão as pessoas que dirigem bancos,
companhias de seguro, bancos de investimento e fundos de hedge, incluindo os
que sentam nos conselhos e os que se infiltram neles nos níveis mais
altos. Os homens que se encontravam no Federal Reserve de Nova Iorque no
desastre de 12 de setembro de 2008 mereceriam um círculo próprio
em qualquer diagrama de Venn sobre o poder moderno... Sobrepondo-se muito de
perto a esta rede está a classe dirigente miltar-diplomática...
Outro círculo fechado compreende aquelas companhias de energia e
engenharia civil que se beneficiam da mercantilização em casa e
da política externa dos EUA lá fora.
[28]
O primeiro elemento na complexa descrição de Mason da elite do
poder sob "o capitalismo global de livre-mercado" está
relacionado à elite do poder financeiro.
[29]
Uma questão crítica atualmente é a extensão na
qual tais elementos financeiros chegaram a dominar setores estratégicos
nos EUA, refletindo a financiarização da classe capitalista
e como isso afeta a capacidade do estado de agir de acordo com as
necessidades públicas. A influência dos interesses financeiros
é invariavelmente maior no Departamento do Tesouro. Andrew Mellon,
banqueiro e terceiro homem mais rico dos Estados Unidos durante o início
do século XX, foi secretário do Tesouro de 1921 a 1932. Mais
recentemente, Bill Clinton escolheu como seu primeiro secretário do
Tesouro o co-presidente da Golman Sachs Robert Rubin. George W.Bush escolheu
com seu terceiro secretário do Tesouro o presidente da Goldman Sachs
Henry Paulson.
[30]
Ao analisar a penetração da elite financeira nos corredores do
poder do estado (particularmente naquelas áreas onde seus
próprios interesses especiais estão envolvidos), a
administração Obama merece um escrutínio especial,
já que a eleição presidencial ocorreu em meados da Grande
Crise Financeira, que levou ao que veio a ser conhecido como a Grande
Recessão. Um salvamento do setor financeiro já estava a caminho
na administração Bush, e foi expandido sob a nova
administração. A escolha de funcionários para lidar com a
crise financeira foi portanto de longe a maior e mais urgente questão
enfrentada pela equipe de transição de Obama logo após a
eleição. Foram esses funcionários os responsáveis
pela gestão do TARP (o Troubled Asset Relief Program Programa de
auxílio a ativos problemáticos). Desde a eleição de
Franklin Roosevelt em 1932 uma situação similar não se
havia apresentado.
As escolhas feitas pela equipe de Obama a este respeito estão ilustradas
na Tabela 1, que apresenta posições selecionadas relacionadas a
finanças na administração, e as conexões com o
setor financeiro dos indivíduos que preencheram estas
posições. Os resultados mostram que os personagens selecionados
para desenvolver e executar a política federal relativa às
finanças foram em grande parte convocados entre os executivos dos
conglomerados financeiros. A evidência indica também que existe
uma forte rede com várias ligações com o Goldman Sachs e o
antigo secretário do Tesouro Robert Rubin.
O feito mais notável de Rubin como secretário do Tesouro sob
Clinton foi o estabelecimento de bases para a aprovação da Lei de
Modernização dos Serviços Financeiros de 1999
(também conhecida como Projeto Gramm-Leach-Billey), que revogou a Lei
Glass-Steagall de 1933. Rubin renunciou em maio de 1999 e foi
substituído por seu suplente Lawrence Summers, atualmente
consultor-chefe em economia de Obama. Todavia, em outubro de 2009, Rubin
ressurgiu para ajudar a negociar o acordo final na Gramm-Leach-Billey entre a
Câmara, o Senado e a administração Clinton. Poucos dias
depois de ter sido fechado o acordo, ele anunciou que havia aceitado uma
posição como consultor sênior (no escritório de
três pessoas do Presidente) no Citigroup um dos principais
beneficiados pela revogação da Glass-Steagall. Em seu novo
emprego Rubin foi agraciado com uma base salarial anual de US$ 1 milhão
e bônus diferidos para 2000 e 2001 de US$ 14 milhões anuais, mais
opções em 1999 e 2000 para participação de US$ 1,5
milhão em ações do Citigroup. Ele acabou por ganhar US$
126 milhões em dinheiro e ações na década seguinte.
Summers apoiou decisivamente Rubin em sua campanha de
desregulamentação financeira durante a bolha do final dos anos
90, e foi ele mesmo bem compensado em seus esforços. Ele recebeu US$ 5,2
milhões em 2008 como diretor em meio período do fundo de hedge
D.E. Shaw, e US$ 2,8 milhões por palestras que fez no mesmo ano no
JPMorgan Chase, Citigroup, Merrill Lynch, Goldman Sachs e outras
instituições financeiras.
O secretário do Tesouro Timothy Geithner, ex chefe do Federal Reserve de
Nova Iorque, é um protegido de Rubin/Summers, como vários outros
na administração. (Geithner foi substituído em 2009 como
presidente do Federal Reserve Bank de Nova Iorque por William Dudley, que,
antes de sua seleção pela comissão de diretores do Fed de
Nova Iorque chefiado pelo antigo co-presidente de Rubin no Goldman Sachs
foi economista-chefe, associado e gerente no Goldman Sachs). Neal Wolin,
até 2008 um funcionário importante no conglomerado de seguros
Hartford, hoje secretário-adjunto do Tesouro sob Obama, durante a
administração Clinton, supervisionou uma equipe de advogados do
Tesouro responsável pela revisão da legislação que
revogou a Glass-Steagall. Michael Froman, assistente substituto do presidente,
era o chefe de equipe de Rubin no Tesouro, e o seguiu no Citigroup, onde
tornou-se diretor gerente, subseqüentemente unindo-se à
administração Obama. Ele havia conhecido Obama através de
seu trabalho na
Harvard Law Review,
e apresentou Obama a Rubin.
As personagens da administração Obama encarregadas de
política e regulação financeira incluem os principais
ex-funcionários do Citigroup. Chase (agora parte do JPMorgan Chase),
Goldman Sachs, Merrill Lynch (agora parte do Bank of América), Lehman
Brothers, Barclays e Hartford Financial, assim como outras empresas de
serviços financeiros. Desta forma, nas reuniões com a
administração, os representantes dos maiores interesses
financeiros frequentemente se encontram face a face com seus antigos
colegas/executivos (e algumas vezes competidores).
[31]
Apesar de Simon Johnson e outros terem considerado a profunda
penetração das finanças na administração
Obama como um "golpe", ela deveria mais propriamente ser vista como
uma continuidade do padrão que prevaleceu nas
administrações precedentes ainda que exacerbadas pela
financiarização em curso. As finanças são o quartel
general da classe capitalista, e sua importância crescente no papel
financeiro do estado reflete a financiarização global do sistema
na era do capital financeiro monopolista. Hoje já não é
mais o caso de as finanças, como força externa, dominarem a
indústria. Ao contrário, a indústria, assombrada por
condições de maturidade e estagnação, é que
depende do sistema de dívida alavancada e especulação para
estimular a economia. A fusão entre a indústria e as
finanças está completa. Isso é refletido naturalmente no
próprio estado capitalista.
A "financiarização do processo de acumulação
do capital" afetou tanto a diretoria do Federal Reserve quanto o Tesouro
dos Estados Unidos e as agências governamentais relacionadas (e suas
contrapartes dos bancos centrais de departamentos do tesouro de outros
países capitalistas importantes). O fato de o Fed estar encarregado de
ser o emprestador de última instância acaba por colocá-lo
na posição de socializar as perdas financeiras (e de privatizar
os ganhos). Hoje se reconhece amplamente que, no confronto com uma bolha de
ativos, o estado capitalista não tem escolha a não ser fazer o
que pode para manter a bolha tanto tempo quanto possível, e manter os
preços dos ativos subindo. Numa economia estagnada,
financiarização é o nome do jogo, e um colapso financeiro
é encarado como a pior eventualidade. O estouro da bolha é
raramente considerado pelas autoridades financeiras, e mesmo assim nunca
seriamente. O trabalho do Fed a esse respeito é então restrito a
evitar que uma bolha prestes a explodir torne-se uma catástrofe,
acelerando o resgate do capital especulativo sempre que existir risco de
instabilidade generalizada no sistema.
As coisas ficam ainda mais complicadas pela existência da questão
do "grande demais para falir". Devido a interesses financeiros, isso
dá um grande incentivo para as fusões a fim de assegurar o status
automático para o salvamento. Isso tanto aumenta os lucros das firmas
vistas como tendo obtido o status de "grande demais para falir" (o
que lhes dá "economias de escala" derivadas de sua maior
garantia), quanto cria o que é chamado de "risco moral",
já que é mais provável que firmas assim assumam riscos
maiores. Juntamente com a tendência geral para a
financiarização, o "grande demais para falir" gera
condições que ameaçam sobrecarregar a função
do estado como emprestador de última instância.
[32]
Uma camada adicional de complexidade e incontrolabilidade é adicionada
pelo que Yves Smith, fundados do influente sítio web financeiro
Capitalismo Nu (Naked Capitalism), chamou de "o coração das
trevas": o sistema bancário oculto, ou o buraco negro de
inovações financeiras desreguladas (ou desreguláveis), o
que inclui canalizações bancárias (tais como
veículos de investimento estruturado),
repos
(acordos de recompra),
credit default swaps
(permuta de incumprimento creditício), etc. O sistema é
tão opaco e permeado de riscos que quaisquer restrições
impostas ameaçam desestabilizar todo o castelo de cartas financeiro. No
máximo, são feitas tentativas para escorar os grandes bancos
esperando que eles funcionem como âncoras para estabilizar o sistema.
Não obstante, isso é tornado quase impossível pelo tamanho
assustador do sistema bancário oculto aos quais os principais bancos
estão conectados: os compromissos extra-balanços contábeis
dos principais bancos comerciais dos EUA em 2007 montavam a mihões de
milhões de dólares.
[33]
Como se tudo isso não bastasse, há a realidade de que as
finanças são hoje em dia globalizadas, com
transações financeiras não mais sujeitas ao controle de
uma única nação ou um grupo delas, mas cada vez mais
girando ao redor do globo em velocidades record. Já em 1982, Magdoff e
Sweezy argumentaram que o desenvolvimento do sistema bancário
internacional e a moeda internacional significaria que as crises financeiras se
desenvolveriam numa "catástrofe de reação em
cadeia" em escala mundial, além da capacidade dos bancos centrais
de intervir efetivamente.
[34]
A velocidade da luz na qual o contágio financeiro se espalha na atual
crise econômica mundial pode ser vista como um indicador de quão
globalizados estão o sistema financeiro e suas crises.
O lobby financeiro estadunidense, enquanto isso, não se deterá
por nada para assegurar que a economia do cassino possa continuar do jeito que
é atualmente, sem interferências ou mesmo as mais leves
concessões. A compensação aos executivos ilustra esse
ponto. Em 2000-08, a Wall Street pagou mais de US$ 185 mil milhões em
bônus. Antes de se tornar secretário do Tesouro, Henry Paulson, em
2005, recebia um salário de US$ 600 mil como presidente executivo da
Goldman Sachs, mais US$ 38,2 milhões em outras formas de
compensação (US$ 70,3 milhões anualmente). Mesmo assim,
restrições efetivas na compensação de executivos
(salários, bônus, opções de compra de
ações, etc), mesmo no caso das firmas que recebem salvamentos
financiados pelos contribuintes, são improváveis.
Chuck Schumer, de Nova Iorque, terceiro lugar na liderança do Senado
pelo Partido Democrata, e membro chave de duas comissões de
finanças, recebeu a incumbência de negociar em nome do Partido
Democrata, na nova legislação de reforma financeira ora sob
debate no Congresso, um compromisso bipartite sobre compensações
a executivos. Schumer é um forte defensor das finanças, tendo
recebido US$ 1,65 milhões em doações da industria em 2009.
Dezenove dos 22 membros da Comissão do Senado para os Bancos receberam
doações de Wall Street em 2009. Cada um dos aptos a
reeleição em 2010 estão recebendo pelo menos US$ 180 mil.
Tony Podesta, o principal lobista do Bank of América, e Steve Elmendorf,
o principal lobista do Golman Sachs, visitaram a Casa Branca seis vezes em
2009. A Wall Street doou US$ 14,9 milhões para a campanha de Obama, o
máximo para qualquer campanha na história, sendo que só o
Golman Sachs entrou com US$ 1 milhão.
[35]
Vistas em conjunto, as condições precedentes sugerem que o
surgimento de qualquer coisa parecida com as audiências Pujo e Pecora
sobre o cartel do dinheiro é extremamente improvável hoje. Apesar
da imensa comoção pública, nenhuma nova
legislação importante, equivalente à Lei Glass-Steagall de
1933, é possível. Não é mais uma questão de
poucos bancos baseados em Nova Iorque controlando grandes setores do capital
industrial através de diretorias interligadas. A
financiarização, entendida como um processo secular, surgindo
como resposta à estagnação da produção, cada
vez mais dirige o sistema todo. O temor freqüentemente citado de John
Maynard Keynes, de que esse "empreendimento" pudesse algum dia
tornar-se "uma bolha no redemoinho da especulação",
é hoje uma realidade sistêmica.
[36]
A única opção real aberta à humanidade nestas
circunstâncias, estamos convencidos, é descartar o atual sistema,
falido, e instaurar um novo, mais racional e igualitário, em seu lugar
um que tenha como objeto não a eterna perseguição
da riqueza monetária, mas a satisfação das genuínas
necessidades humanas.
Notas
1 Clinton citado em Bob Woodward, The Agenda (New York: Simon and Schuster,
1994), 73.
2 Henry Kaufman, The Road to Financial Reformation(Hoboken, NJ: Wiley, 2009),
153; "What's Still Wrong with Wall Street?", Time Magazine, October
29, 2009, 26.
3 "Obama Calls Wall Street Bonuses "Shameful". New York Times,
January 29, 2009; Matt Taibbi, "The Great American Bubble Machine,"
Rolling Stone, July 13, 2009, http://rollingstone.com; Simon Johnson, "The
Quiet Coup," May 2009, http://theatlantic.com.
4 Paul Angelides, "Opening Remarks," Financial Crisis Inquiry
Commission, Washington, D.C., September 17, 2009.
5 Rudolf Hilferding, Finance Capital (London: Routledge e Kegan Paul, 1981),
128-29.
6 Thorstein Veblen, Absentee Ownership and Business Enterprise in Recent Times
(New York: Augustus M. Kelley, 1923), 340-43.
7 Jerry W. Markham, A Financial History of the United States (Armonk, New
York: M.E. Sharpe, 2002), vol. 2, 12-13; Paul M. Sweezy, "Investment
Banking Revisited," Monthly Review 33, no. 10 (March 1982), 6.
8 U.S. House of Representatives, 62nd Congress, Report of the Committee
Appointed Pursuant to House Resolutions 429 and 504 to Investigate the
Concentration of Control of Money and Credit, February 28, 1913 (Pujo
Committee), 55, 129; Markham, A Financial History, vol. 2, 47-54; Louis
Brandeis, Other People's Money (New York: Frederick A. Stokes Co, 1914), 1-4.
9 Markham, A Financial History, vol. 2, 173-86. The most detailed study of the
various financial interest groups in the U.S. economy conducted during the New
Deal period was "Interest Groups in the American Economy" by Paul M.
Sweezy, published as Appendix 13 of Part 1 of the National Resources
Committee's report, The Structure of the American Economy (Washington, 1939).
Later reprinted in Paul M. Sweezy, The Present as History (New York: Monthly
Review Press, 1953), 158-88.
10 Paul Krugman, "Making Banking Boring," New York Times, April 9,
2009.
11 John Kenneth Galbraith, American Capitalism (Boston: Houghton Mifflin,
1953), 108.
12 V.I. Lenin, Imperialism (New York: International Publishers, 1939), 47;
Veblen, Absentee Ownership, 227; Paul M. Sweezy and Harry Magdoff, The Dynamics
of U.S. Capitalism (New York: Monthly Review Press, 1972), 143.
13 Partes desta secção foram adaptadas de John Bellamy Foster e
Hannah Holleman, "The Financialization of the Capitalist Class:
Monopoly-Finance Capital and the New Contradictory Relation of Ruling Class
Power," in Henry Veltmeyer, ed., Imperialism, Crisis and Class Struggle:
The Enduring Verities and Contemporary Face of CapitalismEssays in Honour
of James Petras (forthcoming, London: Brill, 2010), pp. 163-73.
14 Ver, por exemplo, Carmen M. Reinhart e Kenneth S. Rogoff, This Time is
Different: Eight Centuries of Financial Folly (Princeton: Princeton University
Press, 2009).
15 Uma clara indicação disso é o fato de que ganhos
tão desproporcionais em lucros financeiros relativos a outros setores
nao ocorreram no final da década de 20 anteriormente à Queda da
Bolsa. Ver Solomon Fabricant, "Recent Corporate Profits in the United
States," National Bureau of Economic Research, Bulletin 50 (April 1934),
table 2.
16 Paul M. Sweezy, "More (or Less) on Globalization," Monthly Review
49, no. 4 (September 1997), 3-4; Karl Marx, Capital, vol. 3 (London: Penguin,
1981), 639.
17 Hyman Minsky, "Financial Crises and the Evolution of Capitalism,"
in M. Gottdiener and Nicos Kominos, Capitalist Development and Crisis Theory
(London: Macmillan, 1989), 391-402; Paul M. Sweezy, "The Triumph of
Financial Capital," Monthly Review 46, no. 2 (June 1994), 1-11; John
Bellamy Foster and Fred Magdoff, The Great Financial Crisis (New York: Monthly
Review Press, 2009), 63-76.
18 Sweezy, The Present as History, 167; Kenneth J. Stiroh and Jennifer P.
Poole, "Explaining the Rising Concentration of Banking Assets in the
1990s," Federal Reserve Board of New York, Current Issues in Economics and
Finance 6, no. 9 (August 2000), 2.
19 Robert E. Litan, What Should Banks Do? (Washington, D.C.: Brookings
Institution, 1987), 126.
20 George G. Kaufman, "The Diminishing Role of Commercial Banking,"
in Lawrence H. White, ed., The Crisis in American Banking (New York: New York
University Presss, 1993), 143-44.
21 Harry Magdoff and Paul M. Sweezy, The End of Prosperity (New York: Monthly
Review Press, 1977), 33-53; Loretta J. Mester, "Some Thoughts on the
Evolution of the Banking System and the Process of Financial
Intermediation," Federal Reserve Bank of Atlanta, First and Second
Quarters 2007, 67-68.
22 Henry Kaufman, The Road to Financial Reformation (Hoboken, New Jersey: John
Wiley and Sons, 2009), 97-106, 234; Floyd Norris, "To Rein in Pay, Rein in
Wall Street," New York Times, October 30, 2009; David Cho, "Banks
'Too Big to Fail' Have Grown Bigger," Washington Post, August 28, 2009.
23 Arthur B. Kennickell, "Ponds and Streams: Wealth and Income in the
U.S., 1989 to 2007," Federal Reserve Board Working Paper, 2009-13, 2009,
55, 63; Matthew Miller and Duncan Greenburg, ed., "The Richest People in
America" (2009), Forbes, September 30, 2009.
24 James Petras and Christian Davenport, "The Changing Wealth of the U.S.
Ruling Class," Monthly Review 42, no. 7 (December 1990), 33-37.
25 Os dados apresentados no Gráfico 2 terminam em 2007 no início
da Grande Crise Financeira. Mas não houve mudanças de qualquer
tipo no número dos membros dos 400 da Forbes cuja riqueza
primária está alocada em finanças e imóveis entre
2007 e 2009. Ver Matthew Miller, ed., "The Forbes 400" (filtered by
industry), Forbes, September 20, 2007; Miller and Greenburg, ed., "The
Richest People in America" (2009).
26 Johnson, "The Quiet Coup"; Kevin Phillips, Bad Money (New York:
Viking, 2008), 67; "Executive Pay: The Bottom Line at the Top," New
York Times, April 25, 2008.
27 C. Wright Mills, The Power Elite (New York: Oxford University Press, 1956);
G. William Domhoff, The Powers That Be (New York: Vintage, 1978), 13. Sweezy
objected to Mills's original tendency to see the corporate rich, the political
elite, and the military elite as equal partners of the power elite. If used in
this way, the power elite tended to take away from the clarity of the concept
of a ruling capitalist class. See Paul M. Sweezy, Modern Capitalism (New York:
Monthly Review Press, 1972), 92-109.
28 Paul Mason, Meltdown (London: Verso, 2009), 136-38.
29 Mason excludes other, nonfinancial elements of the corporate rich (e.g.
industrial capitalists) from what he describes as the neoliberal power elite
because he is himself an advocate of a non-neoliberal, "rational"
capitalism, which would rely on a different power elite one consisting of
what he perceives as these excluded elements.
30 Mark Bearn, "Living the Dream," New Statesman, December 2006,
http://newstatesman.com.
31 Nomi Prins, It Takes a Pillage (Hoboken, New Jersey: John Wiley and Sons,
2009), 92-95, 140-44; "The Long Demise of Glass-Steagall," Frontline,
Public Broadcasting System,
http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/wallstreet/weill/demise.html,
accessed March 22, 2010; "Former Treasury Secretary Joins Leadership
Triangle at Citigroup," New York Times, October 27, 1999; "Top
Economic Aide Discloses Income," Washington Post, April 4, 2009;
"Hedge Fund Paid Summers $5.2 Million in Past Year," Wall Street
Journal, April 5, 2009; "Neal S. Wolin," WhoRunsGovernment.com. Ver
também Robert Rubin, In an Uncertain World (New York: Random House,
2008), 305-11. Rubin makes a point of excluding the repeal of Glass-Steagall
from his
memoirs.
32 Gary H. Stern and Ron J. Feldman, Too Big to Fail (Washington, D.C.:
Brookings, 2004).
33 Yves Smith, ECONned (New York: Palgrave Macmillan, 2010), 233-69; Kaufman,
105.
34 Harry Magdoff and Paul M. Sweezy, "Financial Instability: Where Will
It All End?" Monthly Review 34, no. 6 (November 1982), 18-23.
35 Prins, It Takes a Pillage, 167-69; "Wall Street Money Rains on Chuck
Schumer," Hedge Fund News, September 29, 2009, http://hedgeco.net;
"Keys to Financial Regulation Reform in Senate," Reuters, March 15,
2010; Timothy P. Carney, "Obama's Cronies Thrive at Intersection of K and
Wall," WashingtonExaminer.com, February 17, 2010.
36 John Maynard Keynes, The General Theory of Employment, Interest, and Money
(London: Macmillan, 1973), 159.
[*]
John Bellamy Foster (
jfoster@monthlyreview.org
): editor da
Monthly Review,
professor de sociologia na Universidade do Oregon e autor (com Fred
Magdoff) de The Great Financial Crisis (Monthly Review Press, 2009).
[**]
Hannah Holleman (
holleman@uoregon.edu
): estudante graduada em sociologia
na Universidade do Oregon, coautora de "The U.S. Imperial
Triangle and Military Spending" (Monthly Review, Outubro, 2008) e
"The Penal State in an Age of Crisis" (Monthly Review, Junho, 2009).
O original encontra-se em
http://monthlyreview.org/100501foster-holleman.php
. Tradução de RMP.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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