Um sistema falhado
A crise mundial da globalização capitalista e o seu impacto na
China
por John Bellamy Foster
[*]
Ao referir-me no meu título a "um sistema falhado", não
quero, obviamente, dizer que o capitalismo como sistema esteja, sob qualquer
ponto de vista, no seu fim. Ao invés, por "sistema falhado"
quero dizer uma ordem económica e social global que exibe crescentemente
uma contradição fatal entre a realidade e a razão a
um tal ponto que, no nosso tempo, ameaça não apenas o bem-estar
humano, mas também a continuação das formas mais
sensíveis de vida no planeta. Três contradições
críticas compõem a crise capitalista contemporânea,
emanando do desenvolvimento capitalista: (1) a actual grande crise financeira e
a estagnação/depressão; (2) a crescente ameaça de
um colapso ecológico planetário; e (3) a emergência de uma
instabilidade imperial global associada à mudança da hegemonia
mundial e à luta pelos recursos. Essas debilidades estruturais do
sistema, como poderia ter dito Joseph Schumpeter, são o produto dos
sucessos
passados do capitalismo, mas colocam, no entanto, problemas
catastróficos e falhanços no presente
[1]
. Como escolhemos agir no presente em resposta a este sistema falhado é,
portanto, a questão mais crítica que a humanidade alguma vez
enfrentou.
A grande crise financeira e a estagnação/depressão
A economia mundial centrada nos Estados capitalistas avançados
está a passar pela sua pior crise económica desde a Grande
Depressão. Uma grande crise financeira, numa escala que não se
via nos Estados Unidos e nos outros Estados capitalistas avançados desde
os anos 1930, está a provocar um grande declínio do crescimento
económico mundial e aponta para uma possível depressão
mundial
[2]
. A presente situação é de tal modo severa que mesmo o
presidente George W. Bush, em declarações num encontro de
governadores de bancos centrais e ministros das finanças em Novembro de
2008, afirmou que a ameaça, se não fosse levada a cabo uma
decisiva acção governamental, poderia ser uma
"depressão maior que a Grande Depressão"
[3]
.
Uma forma de compreender a dimensão da crise financeira e
económica mundial está nos termos do que foi designado por
The Return of Depression Economics
[O regresso da economia da Depressão]. Esse foi o título de um
livro que Paul Krugman, o mais recente laureado com o Prémio Nobel da
Economia, escreveu no seguimento da crise asiática de 1997-98. Esse
livro voltou agora a ser publicado numa nova edição intitulada
The Return of Depression Economics and the Crisis of 2008
[O regresso da economia da Depressão e a crise de 2008]
[4]
. O que Krugman quer mostrar com esta frase é, evidentemente, o regresso
da economia da
Teoria geral do emprego, do juro e da moeda,
de John Maynard Keynes, livro publicado em 1936 no meio da Grande
Depressão. Toda a gente concordará que Keynes e a sua
"economia da Depressão" estão, em certo sentido, de
volta. Mas, que Keynes? E se o levarmos a sério como crítico do
capitalismo (embora limitado), não será necessário ir mais
atrás ao maior crítico de todos: Karl Marx?
Na
Teoria Geral,
Keynes, como é sobejamente conhecido, sublinhou aquilo a que chamou os
"defeitos fundamentais" da economia capitalista: a sua enorme
divisão desigual do rendimento e a sua incapacidade de manter um
equilíbrio com pleno emprego
[5]
. Esses defeitos fundamentais produzem instabilidade no processo de
investimento do capitalismo, o mecanismo da acumulação. O
capitalismo, de acordo com Keynes, é um sistema caracterizado pela
incerteza. O investimento perde o seu dinamismo quando os
lucros esperados
de novos investimentos se deprimem, principalmente devido aos constrangimentos
da procura presente e antecipada. À medida que as saídas de
investimento se extinguem, o capital vira-se para a especulação,
gerando bolhas de activos que produzem instabilidade financeira e a perspectiva
de crises mais sérias no futuro.
A principal doutrina que Keynes desafiou foi a Lei de Say, que indicava que a
oferta cria a sua própria procura. A economia ortodoxa, argumentou,
nunca se libertara desse erro e assumia implicitamente nas suas análises
básicas que "o sistema económico operava sempre na sua
capacidade plena". Isso significava que a visão ortodoxa era
"incapaz de confrontar os problemas do desemprego e do ciclo de
negócios"
[6]
. A tendência dominante no capitalismo moderno, acreditava Keynes, era o
desvio para o equilíbrio com o desemprego e a capacidade excessiva
substancial. Keynes, que era um defensor do sistema mas advogava
políticas que iam além do que a própria classe capitalista
estaria disposta a aceitar, propôs soluções para esses
problemas: a "eutanásia do rentista", uma
redução substancial da parte do rendimento do capital e "uma
determinada socialização abrangente do investimento"
[7]
. Também destacou a necessidade de reforço da despesa
pública civil para preencher o fosso na procura efectiva e mover a
economia para um equilíbrio com pleno emprego. E defendia controlos
limitados para os movimentos internacionais de capital.
Ao referir-se às suas análises como "a teoria geral",
Keynes distinguia-a da teoria neoclássica ortodoxa, à qual se
referia como uma "ocorrência especial", cujas
características "acontece que não são as da sociedade
económica na qual vivo", e que, por conseguinte, conduziram a
resultados ilusórios e desastrosos"
[8]
.
A realidade da Grande Depressão convenceu muitos economistas e
observadores no final dos anos 1930 de que Keynes estava certo e deu origem
às referências generalizadas à
"revolução keynesiana". As propostas de Keynes
relacionadas com o estímulo à procura efectiva através da
despesa pública civil não foram, porém, directamente
aplicadas nos anos 1930 e foi a Segunda Guerra Mundial que fez sair os Estados
Unidos e outras economias do capitalismo avançado da Grande
Depressão. Depois da guerra, a análise de Keynes foi depreciada
por figuras como Paul Samuelson, do MIT [Massachusetts Institute of
Technology], o que gerou a por vezes chamada "síntese
neoclássica-keynesiana", ou mais frequentemente a
"síntese neoclássica". Num fenómeno que a jovem
colega de Keynes, Joan Robinson, apelidou de "keynesianismo
bastardo", as perspectivas mais revolucionárias de Keynes foram
todas excluídas e as suas análises foram reincorporadas com a
teoria neoclássica de numa forma subordinada
[9]
. Os economistas
mainstream
chegaram à conclusão de que a economia capitalista poderia ser
efectivamente gerida através do acerto na política
monetária e fiscal, com destaque para a primeira. Isto porque se assumia
de novo implicitamente que a economia agiria de acordo com a Lei de Say,
movendo-se naturalmente para um equilíbrio com pleno emprego,
então redefinido como uma "taxa natural de desemprego". A
globalização neoliberal, a desregulação, a
remoção de todas as restrições ao movimento do
capital, a criação de novas arquitecturas financeiras
sofisticadas, foram fenómenos vistos como constituindo a essência
de toda a lógica económica à escala mundial.
Assim, na década de 1970 (e ainda mais após a crise de
estagfação dessa década), Keynes foi relegado para uma
"teoria da ocorrência especial da economia da
depressão", aplicável apenas quando a política
monetária não pudesse mais ser eficientemente utilizada para
fazer disparar a economia
[10]
. Mas uma tal condição não poderia mais ser vista como
relevante, na medida em que o problema da depressão e até do
ciclo de negócios havia sido, no essencial, resolvida, como declarou o
economista da Universidade de Chicago Robert Lucas no seu discurso presidencial
à Associação Económica Americana. Este ponto de
vista foi rejeitado em 2004 por Ben Bernanke, então governador, e hoje
presidente, da Reserva Federal. Para Bernanke, a Grande Depressão
deixara de ter interesse teórico; pelo contrário, o problema a
resolver seria a "Grande Moderação", isto é, a
volatilidade reduzida da economia capitalista nos anos 1980 e 1990. O que
precisava de investigação, segundo Bernanke, eram as
razões para o fim efectivo do ciclo de negócios, que ele
atribuía à política monetária mais sofisticada,
emergindo inicialmente das ideias do monetarismo de Milton Friedman
[11]
.
Hoje, figuras como Krugman parecem desafiar parcialmente essas
conclusões e constituir-se como os representantes do regresso da
economia keynesiana. Mas isso não configura um regresso de Keynes no
sentido da sua crítica teórica geral dos defeitos fundamentais do
capitalismo. Pelo contrário, é um retorno ao keynesianismo como
"ocorrência especial" da "economia da
depressão", em que a política monetária é
ineficiente e a política fiscal expansiva precisa de ter prioridade
[12]
. A ascendência da economia neoclássica, que aviltou e subordinou
a visão moderadamente crítica do capitalismo de Keynes,
não se alterou. Nem o capitalismo é questionado. É, antes,
assumido que foram cometidos erros na política monetária e nos
sistemas de regulação que pressionaram a economia de volta
à "ocorrência especial" da "economia da
depressão" de Keynes.
Nesse sentido, aquilo a que Keynes chamava os "defeitos fundamentais"
da economia capitalista dificilmente são objecto de análise.
Keynes é apresentado pelo seu mais conhecido (e reaccionário)
biógrafo como o grande "remedista", e pouco mais
[13]
. A ênfase política que daí resulta centra-se no
estímulo fiscal, numa moderada redistribuição do
rendimento, em renovadas regulações financeiras e em reformas
internacionais dos mercados financeiros. A crise é tratada como uma
espécie de choque externo (ou, como refere Krugman, o alastramento de um
vírus desconhecido)
[14]
. A severidade do ciclo descendente sugeriria que as tendências de longo
prazo (mais do que os factores do ciclo de negócios normal) fossem tidas
em conta. No entanto, o facto de o capitalismo ser um sistema histórico
inerentemente contraditório, que gera uma irracionalidade crescente na
sua fase tardia, está fora da abordagem da economia
mainstream,
mesmo entre os seus teóricos supostamente de centro-esquerda, como
Krugman e Joseph Stiglitz.
Parte do problema está no facto de que, não obstante o pensamento
de Keynes ter sido demasiado radical para o sistema que tentava defender, ao
mesmo tempo, não era suficientemente radical. Ele não explicou
plenamente as contradições essenciais do capitalismo. Para uma
verdadeira teoria geral da acumulação e crise sob o capitalismo,
Marx e a economia política marxiana continuam a ser essenciais. Para
Marx, a essência do capitalismo assenta, nos termos da sua famosa
fórmula, na relação D-M-D'. O capitalismo é um
sistema em que o capital-dinheiro (D) é trocado por mercadorias (M) que
são transformadas em novas mercadorias através da
produção, então vendidas de novo por mais dinheiro (D')
(ou, D +
D, ou seja, mais-valia). A natureza deste processo é de tal
forma que o torna infinito. O D' é então reinvestido no
período produtivo seguinte, com o objectivo de obter D'' no final, e
assim por diante,
ad infinitum
[15]
. Qualquer interrupção na acumulação infinita de
capital aponta, nesse sentido, para uma crise. Além disso, a
própria existência de um sistema organizado desta forma tornou
possível que uma crise ocorresse através de uma
redução da procura efectiva. Para Marx, não havia qualquer
dúvida acerca da raiz das crises económicas capitalistas. "A
razão última para todas as crises reais é sempre a pobreza
e o consumo restrito das massas, como opostos do impulso da
produção capitalista para desenvolver as forças
produtivas, como se apenas o poder absoluto de consumo da sociedade
constituísse o seu limite."
[16]
A respeito da expansão financeira e da crise, Marx escreveu no volume 3
de
O Capital
que toda a "esfera da produção deve estar saturada de
capital", tendo como resultado que os lucros entram crescentemente na
esfera da especulação. Como ele escreveu,
Se [
] a nova acumulação encontra dificuldades no seu
emprego, em função de uma carência de esferas de
investimento, ou seja, devido a uma mais-valia nos ramos de
produção e a uma super-oferta de capital de crédito, a
pletora de capital-dinheiro emprestável mostra, simplesmente, as
limitações da produção
capitalista.
A subsequente fraude do crédito prova que não há
verdadeiro obstáculo que se oponha à forma de emprego desse
capital excedente. Contudo, um obstáculo está, efectivamente,
imanente nas suas leis de expansão, isto é, nos limites em que o
capital pode realizar-se como capital.
[17]
A "fraude do crédito" que surge com a passagem para o
capital-dinheiro (representada por Marx como D para D''), como a base da
acumulação de riqueza, precede inevitavelmente uma bancarrota.
"Os negócios surgem sempre excessivamente saudáveis na
véspera de um
crash
." Para Marx, nada era mais natural que uma crise de liquidez num
abrandamento económico, onde o capital tem uma fome insaciável de
dinheiro. Parafraseando o Salmo 42, ele escreveu que o capitalista deseja e
junta dinheiro de todas as formas: "Tal como o cervo anseia por
água fresca, também anseia a sua alma por dinheiro, a
única riqueza"
[18]
.
No entanto, se Marx constitui o ponto de partida para uma teoria geral do
capitalismo e das crises, a sua análise não abarca muitos dos
problemas específicos dos dias de hoje, dada a evolução
histórica do sistema desde o seu tempo. Para os marxistas,
começando por Hilferding, Lenine e Rosa Luxemburgo, a
evolução histórica do sistema no início do
século XX era compreendida essencialmente em termos do desenvolvimento
de uma nova fase do capitalismo, frequentemente referida como o capitalismo
monopolista. Isso reflectia o facto de que as mudanças mais
significativas na estrutura do capitalismo no século XX resultavam
daquilo a que Marx chamava a concentração e a
centralização da produção, redundando na
emergência da empresa gigante e do moderno sistema de crédito.
A tentativa mais ambiciosa e sustentada de desenvolver uma análise de
como a acumulação de capital se alterava na economia da empresa
gigante foi desenvolvida por Michael Kalecki, Josef Steindl, Paul Baran, Paul
Sweezy e Harry Magdoff. Kalecki foi um marxista polaco que também
desempenhou um papel de destaque na revolução keynesiana, tendo
introduzido a maioria das inovações fundamentais associadas a
teoria geral de Keynes antes do próprio Keynes. Steindl foi um
economista australiano que trabalhou com Kalecki no Instituto de
Estatística de Oxford durante a Segunda Guerra Mundial
[19]
. O seu trabalho foi alargado a uma análise do papel do Estado e
popularizado na obra de Paul Baran e Paul Sweezy
Monopoly Capital: An Essay on the American Economic Order
[Capital monopolista: um ensaio sobre a ordem económica americana]
(1966)
[20]
. Essa perspectiva teórica foi mais tarde aplicada à economia
mundial e à estagnação ascendente nas décadas de
1970, 1980 e 1990, numa série de trabalhos de Sweezy e Magdoff. Esses
pensadores sustentaram que a economia capitalista não tende naturalmente
para o crescimento rápido
[21]
. Pelo contrário, era necessário que surgissem, durante um
determinado período de tempo, "factores de desenvolvimento"
histórico específico para o crescimento forte
[22]
. Esse era particularmente o caso de um sistema dominado pelo capital
monopolista, em que a formação monopolista dos preços e os
lucros estivessem associados a certas restrições à
acumulação. O principal problema da acumulação para
as empresas monopolistas era encontrar canais de investimento suficientes para
a mais-valia enorme e crescente que tinham à sua
disposição. À falta de novos factores históricos
que aumentassem os canais de investimento e absorvessem o capital excedente, o
sistema de acumulação tendeu a entrar em
crepitação. Portanto, "o estado
normal
da economia capitalista monopolista", como sustentaram Baran e Sweezy,
é a "estagnação"
[23]
.
Nas décadas imediatamente subsequentes à Segunda Guerra Mundial,
os Estados Unidos, bem como as restantes economias capitalistas
avançadas, experimentaram um período de prosperidade, mais tarde
descrito como a "Era Dourada". Esse fenómeno teve como base o
estímulo de factores históricos especiais, como (1) o elevado
nível de liquidez de consumo logo após a guerra; (2) a
reconstrução das economias da Europa e do Japão,
devastadas pela guerra; (3) uma segunda grande vaga de
automobilização (que incluiu um impulso das indústrias da
borracha, do aço e do vidro, a construção do sistema
interestadual de auto-estradas e a suburbanização do
país); (4) o crescimento do esforço de vendas na forma da
expansão da publicidade e de outras formas de gasto relacionado com as
vendas; e (5) os gastos militares elevados associados a duas guerras regionais
na Ásia. Mas nos anos 1970, esses factores de equilíbrio da
tendência para a estagnação estavam todos em
declínio. O resultado foi um abrandamento rápido da economia. O
investimento bruto nos Estados Unidos reduziu-se, com o que se mantinha a ser
grandemente alimentado fora dos fundos de depreciação das
empresas. Nessa situação, era necessário um novo canal
para o excedente (lucros) das empresas.
Ele surgiu nos anos 1970, e mais ainda nos anos 1980 e 1990, sobretudo
através do desenvolvimento do sistema financeiro, numa escala e com uma
duração sem precedentes históricos. O capital, sem canais
de investimento, fluiu cada vez mais para a especulação
financeira, ao mesmo tempo que a assim chamada indústria dos
serviços financeiros teve a capacidade de surgir com mais e mais novos
instrumentos para absorver esse capital. Hyman, um economista de
orientação socialista inspirado por Keynes e influenciado por
Kalecki e Hansen, observando estes novos desenvolvimentos, formulou a sua
célebre tese de que a instabilidade financeira é uma "parte
inescapável" do capitalismo desenvolvido. A análise de
Minsky baseava-se na noção de Keynes de que havia um defeito no
processo de acumulação do capitalismo associado às bolhas
especulativas nos aumentos dos preços dos activos no topo de uma
"economia real" preguiçosa
[24]
. Para Keynes e Minsky, porém, isso era entendido como um
fenómeno que ocorria sobretudo no pico de um
boom.
Contrastando com essa visão, Magdoff e Sweezy defenderam, logo no
início dos anos 1970, que havia um "declínio de longo prazo
na liquidez", resultante do putativo "sucesso no controlo
do ciclo de negócios". O resultado foi que a economia
norte-americana foi confrontada com o problema crescente de uma grande
"extorsão de dívida", exigindo que os valores reais e
na forma de títulos fossem reconciliados algures no futuro. Quanto mais
essa dívida inchava sem uma grande contracção, maior se
tornava o problema
[25]
. Incrivelmente, este processo de expansão financeira continuou durante
décadas, somente com ajustamentos de crédito relativamente
menores, ou "contracções de crédito", até
à grande crise financeira de 2007-09.
Magdoff e Sweezy rotularam esta contradição de longo prazo com o
título de um dos seus livros,
Stagnation and the Financial Explosion
[A estagnação e a explosão financeira], sustentando que
houve uma espécie de "abraço simbiótico" entre
ambos
[26]
. No fundo, esse processo de explosão financeira de longo prazo deveria
ser caracterizado como a "financeirização" da economia
capitalista e o capital monopolista deveria ser visto como transformado em
"capital monopolista-financeiro". A economia tornou-se cada vez mais
dependente da inflação de uma bolha financeira após outra.
A dívida total em relação ao PIB na economia
norte-americana cresceu de 151 por cento em 1959 para 373 por cento em 2007,
com a qualidade da dívida a decrescer à medida que a sua
quantidade crescia. Mas a economia real mostrou uma tolerância viciante
crescente a necessidade de mais para obter mesmo um efeito decrescente
à expansão da dívida. Nos anos 1970, o crescimento
do PIB norte-americano era de cerca de 60 cêntimos por cada dólar
de nova dívida; no início dos anos 2000, esse valor havia
decrescido para cerca de 20 cêntimos por cada dólar de nova
dívida
[27]
.
Um elemento crítico no desenvolvimento dos Estados Unidos como centro do
que veio a ser uma financeirização mundial do capitalismo foi o
papel do dólar como moeda hegemónica no mundo, permitindo que a
economia norte-americana imprimisse dólares essencialmente conforme
precisava e obtivesse crédito do resto do mundo a uma escala sem
precedentes. Isso transformou a economia norte-americana no consumidor de
último recurso e no centro da construção da dívida
para a economia mundial como um todo. O vasto e crescente défice da
balança de pagamentos dos Estados Unidos significou que os Estados
Unidos tiveram que impor (ou "atrair") centenas de milhares de
milhões de dólares por ano em investimentos em activos
financeiros e cada vez mais fictícios nos seus parceiros
comerciais. O processo está a chegar ao fim com a extensão
previamente inimaginável da nova dívida que deve ser emitida pelo
governo norte-americano no próximo ano, logo que todas as bolhas
prévias sejam integradas numa "bolha do Tesouro".
Jim Reid, um analista perspicaz do Deutsche Bank, escreveu em meados de
Dezembro de 2008 que "se 2009 correr horrivelmente mal, será
provavelmente porque houve uma corrida às moedas fortes ou um mercado de
acções governamental" e sugeriu que "o Reino Unido
continua a ser o fruto dos mercados desenvolvidos suspensos mais fracos".
Dado o papel enfraquecido da libra, uma tal perspectiva pode continuar a ser
imaginada como um evento
económico
normal. Ainda assim, embora o dólar norte-americano esteja sujeito a
constrangimentos idênticos, ou mesmo a uma escala maior, o seu papel de
meio de pagamento global e moeda de reserva faz com que uma corrida ao
dólar não possa ser imaginada como um evento económico
normal, mas apenas como um mar de mudanças na economia política
global
[28]
.
Em 1997, Paul Sweezy escreveu que a globalização foi uma
tendência de longo prazo do capitalismo, identificável desde as
suas origens nos séculos XV e XVI. Essa tendência globalizante
teve enormes efeitos em determinados períodos, por exemplo a
emergência da China como uma grande força na economia mundial.
Sustentou, no entanto, que o fenómeno dominante que dirigiu a
acumulação mundial no final do século XX foi composto pelo
trio de "(1) o abrandamento da taxa de crescimento total, (2) a
proliferação mundial das empresas multinacionais monopolistas (ou
oligopolistas) e (3) o que pode ser designado por financeirização
do processo de acumulação de capital"
[29]
. Foi claramente a financeirização que constituiu o
desenvolvimento mais surpreendente e instável. Se o processo de
financeirização se revertesse, ou mesmo se abrandasse, o
resultado seria uma profunda estagnação, sugeriu Sweezy.
Não se podia prever quando tal sucederia. Magdoff e Sweezy defenderam
que a financeirização poderia continuar por mais algum tempo. No
entanto, em determinado ponto, a montanha cada vez maior de dívida
cresceria para lá da capacidade dos governos capitalistas intervirem com
eficácia como emprestadores de último recurso e uma avalanche
financeira redundaria numa crise sem precedentes. Essa grande crise do
capitalismo, de dimensões históricas, ao resultar de
condições também sem precedentes, colocaria em cima da
mesa não só o "regresso da economia da
depressão", tal como era entendida, de uma forma muito limitada,
pelos economistas ortodoxos, mas representaria o colapso de todo o regime de
acumulação financeirizado, com repercussões duradouras no
mundo real. O resultado de longo prazo mais provável seria um profundo
abrandamento na taxa tendencial de crescimento.
Com a grande crise financeira de 2007-09 e o advento do abrandamento
económico mais sério desde a Grande Depressão, essas
expectativas baseadas numa compreensão do desenvolvimento
histórico do sistema tornaram-se reais. Em termos das
condições com que se confrontam as populações
trabalhadoras à volta do mundo, como consequência deste
abrandamento sem precedentes (comparável apenas com os anos 1930), o
pior está claramente por vir.
Já hoje, as economias emergentes, onde a crise pode tornar-se mais
violenta, têm os seus mercados de exportação a secar. Para
a China, com as exportações entre 2001 e 2006 a ultrapassarem os
30 por cento do PIB e as exportações brutas perto dos 4 por cento
do PIB, o encolhimento dos mercados nos Estados Unidos, na Europa e no
Japão constitui uma séria ameaça. Actualmente, a China
está a passar pela desaceleração no crescimento
económico mais aguda dos últimos 30 anos. As
exportações chinesas declinaram, as vendas próprias
caíram a pique e o emprego está em redução nas
cidades. Os preços das casas estão a descer nas grandes
áreas urbanas e verifica-se um declínio drástico no
investimento imobiliário, o que representa uma crise financeira muito
maior. Milhões de pessoas da "população
flutuante" de trabalhadores migrantes da China, que alimentaram a
industrialização, estão desempregados e a regressar
às zonas rurais. Teme-se que a queda aguda no crescimento
económico e os sinais difusos de deflação na China puxem o
crescimento económico mundial para muito perto do zero
[30]
. Da mesma forma, não negligenciável, que a explosão
financeira global gerada nos Estados Unidos contribuiu para o crescimento na
economia real chinesa, a implosão financeira global gerada nos Estados
Unidos deverá contribuir para a sua contracção. As crises
económicas são endémicas no capitalismo, mas o
nível de desastre económico que afecta o sistema, como o mostram
as condições nos Estados Unidos, por um lado, e na China, por
outro, não tem precedentes no período pós-Segunda Guerra
Mundial e o seu fim não está ainda no horizonte.
A crescente ameaça do colapso ecológico planetário
Ao caracterizar o capitalismo como um sistema falido, concentrei-me no
aprofundamento da crise económica. Mas esse não é o pior
dos problemas do mundo. O grande perigo é a crescente ameaça do
colapso ecológico planetário. Neste aspecto, o perigo é
muito maior que no caso da economia mundial, mas o sentido de alarme e da
necessidade de uma acção imediata e em massa é menos
generalizado. Como referiu a fundação sueca Tälberg no seu
relatório de 2008
Compreendendo a crise climática: uma provocação,
O mundo [no presente] enfrenta uma falência do sistema financeiro global.
As consequências são surpreendentes, com uma onda de efeitos, e
são os pobres que mais sofrem. O medo cresce. Poderíamos ter
esperado algo do mesmo nível de ansiedade em relação
à falência de grandes áreas do sistema da Terra
desflorestação acelerada, sobrepesca, escassez de água
doce e o desaparecimento do mar gelado do Árctico. Os estudos sobre
essas matérias e processos são abundantes, mas o nível de
preocupação continua conspicuamente baixo.
[31]
A ameaça ecológica mais séria é, evidentemente, o
aquecimento global
[NR 1]
, que provoca alterações climáticas generalizadas e
multifacetadas, com implicações desastrosas para a vida na Terra.
Mas, num plano mais geral, a crise ambiental global envolve múltiplos
problemas e não pode ser reduzida ao aquecimento global. Esses diversos
problemas têm uma fonte comum na economia mundial e incluem:
extinção de espécies, perda de floresta tropical (bem como
de ecossistemas de floresta em geral), contaminação e
destruição da ecologia oceânica, perda de recifes
coralinos, sobrepesca, reservas cada vez menores de fontes de água doce,
espoliação de lagos e rios, desertificação, lixos
tóxicos, poluição, chuva ácida, proximidade da
extinção de fontes facilmente disponíveis de
petróleo, congestionamento urbano, efeitos perniciosos das grandes
barragens, fome mundial, sobrepopulação, etc. Em conjunto, essas
ameaças constituem o maior desafio à sobrevivência da
humanidade desde a sua pré-história.
A ameaça do aquecimento global está a crescer rapidamente. O
derretimento do mar gelado do Árctico
[NR 2]
, que alguns cientistas acreditam que pode estar sem gelo durante o
Verão em menos de uma década, faz prever uma
"redução de albedo", uma drástica
redução na reflectividade da radiação solar e uma
aceleração das alterações climáticas.
Entretanto, o derretimento dos mantos de gelo na Antárctida Ocidental e
na Gronelândia
[NR 3]
aponta para um "ponto de viragem" irreversível dentro de uma
década, o que faz pressagiar uma elevação dos
níveis do mar que, previsivelmente, engolirá grandes centros
populacionais em zonas baixas. A combinação de pontos de viragem
ambientais momentâneos e de mecanismos de
feedback
positivo que aceleram as alterações climáticas
convenceram um número crescente de climatologistas de que
alterações climáticas irreversíveis e
catastróficas são inevitáveis se nenhuma
acção for tomada na próxima década para reduzir
drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa
[32]
. A atmosfera está a atingir o tecto de CO
2
e de outros gases com efeito de estufa que produzirá o aumento de
2°C
[NR 4]
nas temperaturas médias globais que o Painel Intergovernamental para as
Alterações Climáticas das Nações Unidas
queria evitar. Além disso, o mundo está dominado pelo
business as usual,
o que pode muito bem levar a aumentos na temperatura média global de
duas ou três vezes essa magnitude, fazendo prever um Inferno para a vida
no planeta
[33]
.
Efectivamente, novos dados científicos sugerem que um aumento de
2°C seria já desastroso, quer em termos de elevação
dos níveis da água do mar quer de manifestação de
uma séria de mecanismos de
feedback
auto-reprodutores que podem acelerar as alterações
climáticas em todo o sistema terrestre. Isso significa que permitir uma
estabilização de concentração de gases com efeito
de estufa na atmosfera em 550 partes por milhão (ppm), como propôs
o
Relatório Stern
caracterizada pela maioria dos economistas
mainstream
como uma resposta "radical" para controlar as emissões de
carbono , ou mesmo um desenvolvimento de carbono nas 450 ppm
(consistentes com um tecto de 2°C no crescimento da temperatura
média global), não são vistos por muitos cientistas
prestigiados como contendo o risco de alterações
catastróficas.
James Hansen, director do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, bem
como outros climatologistas, referem hoje que o objectivo deve ser colocar o
carbono atmosférico
abaixo
das 387 ppm actuais, em cerca de 350 ppm. Isso significa que as
emissões brutas de CO
2
devem "aproximar-se do zero". Também são
necessárias grandes alterações na utilização
da energia e da terra, o que implica uma reorganização social
maciça. De acordo com Hansen e os seus colegas, "se a actual
ultrapassagem deste limite [350 ppm] não for breve, há a
possibilidade de generalização de efeitos catastróficos
irreversíveis". Efectivamente, "o crescimento contínuo
das emissões de gases com efeito de estufa, durante mais de uma
década, praticamente elimina a possibilidade de um retorno de curto
prazo na composição atmosférica para baixo do ponto de
viragem que provocará efeitos catastróficos". O mundo
enfrenta hoje a perspectiva de sair do clima ameno e protector do Holoceno que
definiu as condições ambientais para toda a duração
da civilização humana.
Estes novos avisos terríveis que são feitos por destacados
climatologistas são baseados na fraqueza da maioria dos antigos modelos
climáticos computorizados, que não tinham plenamente em conta os
processos de
feedback
climático "lentos", como a "desintegração
dos mantos de gelo, a migração de vegetação e a
libertação de gases com efeito de estufa dos solos, da tundra e
dos sedimentos oceânicos". Assim, é hoje reconhecido que as
alterações climáticas podem evoluir para um nível
incontrolável em níveis mais baixos de acumulação
de gases com efeito de estufa na atmosfera que o que se supunha previamente. Ao
chegarem a tais conclusões, Hansen e os seus colegas "não se
basearam em modelos climáticos, mas antes [
] em evidências
empíricas do passado e das alterações climáticas em
curso", recorrendo a dados paleoclimáticos
[34]
.
Enquanto os cientistas nos dizem que o tempo ecológico está a
fugir, se quisermos evitar efeitos globais catastróficos, os economistas
mainstream
que tratam a questão climática clamam que ainda temos muito
espaço de manobra. William Nordhaus, o principal analista
económico ortodoxo do aquecimento global nos Estados Unidos, defende uma
"rampa de políticas climáticas", em que
reduções modestas nas emissões de gases com efeito de
estufa no curto prazo serão seguidas de reduções mais
ambiciosas no longo prazo.
Apesar disso, Nordhaus prevê que, em condições
"óptimas", a concentração de CO
2
atmosférico aumentará para cerca de 480 ppm em 2050, 586 ppm em
2100, atingindo o pico nas 700 ppm em 2175. Na verdade, Nordhaus e outros
economistas ortodoxos afirmam que os riscos para o mundo de uma temperatura
média de 5°C ou mais acima dos tempos pré-industriais, com
as concentrações de CO
2
atmosférico que tal induziria, podem ser compensados pelos
investimentos noutras áreas da economia promotoras do bem-estar. Mas, na
realidade, como isso é oposto à economia burguesa, desafia todos
os pressupostos científico-ecológicos, ameaçando com uma
catástrofe absoluta para a civilização humana e para o
planeta como o conhecemos
[35]
.
De facto, há apenas uma forma de compreender o facto de os economistas
ortodoxos se constituírem como os oponentes ideológicos mais
importantes de reduções agressivas nas emissões de gases
com efeito de estufa, mesmo sob o risco de um Inferno planetário
o seu papel essencial de defensores ideológicos do sistema capitalista e
de promotores do seu impulso para o lucro e a acumulação a
qualquer custo. Nada mostra tão claramente o que John Kenneth Galbraith
caracterizou (através do título do seu último livro) como
a economia da fraude inocente [
The Economics of Innocent Fraud
]. James Gustave Speth, antigo líder do Programa de Desenvolvimento das
Nações Unidas, escreveu: "O capitalismo, tal como o
conhecemos hoje, é incapaz de sustentar o ambiente"
[36]
. Procurar respostas na economia
mainstream
é, por conseguinte, um sério, talvez fatal, erro de
política corrente.
Os principais defeitos ecológicos do sistema capitalista têm sido
enfatizados, sobretudo, por pensadores críticos de economia
política vindos ou profundamente influenciados pela
tradição marxista. Nos Estados Unidos, a sociologia ambiental tem
sido profundamente marcada por dois conceitos críticos que vêm de
Marx: a "rotina da produção" e a "ruptura
metabólica". A rotina da produção é movida
acima de tudo para o crescimento exponencial, como sugere a fórmula de
Marx D-M-D'. O nível de actividade económica em cada
período começa com o ponto final do período prévio,
conduzindo à duplicação do produto económico em,
digamos, um quarto de século a 3 por cento de taxa de crescimento anual
um processo que é interrompido, mas não superado, pelas
fases descendentes do ciclo de negócios. A força propulsora dessa
expansão é a acumulação de capital e a procura
sempre expansiva de lucros. O país que experimentou a taxa de
crescimento mais rápida durante um determinado período de tempo
é, obviamente, a China, onde a economia, de acordo com a
fantástica (e, de algum modo, suspeita) observação do
Bloomberg.com, "cresceu 69 pontos" desde 1978
[37]
. Mas o crescimento exponencial, ainda que a níveis mais baixos que os
da China, é característica do capitalismo em geral, mesmo onde a
economia passa por um crescimento lento ou uma estagnação, e
definiu as economias capitalistas desenvolvidas nas últimas
décadas. Marx sustentou que,
Sob o capitalismo, vemos como [
] o modo de produção e os
meios de produção são continuamente transformados,
revolucionados,
como a divisão do trabalho é necessariamente seguida por uma
maior divisão do trabalho, a aplicação de maquinaria por
uma ainda maior aplicação de maquinaria, trabalho em larga escala
por trabalho numa escala ainda maior.
É essa a lei que, uma e outra vez, atira a produção
burguesa para fora do seu curso anterior e que compele o capital a intensificar
as forças produtivas do trabalho,
porque
as intensificou, ela, a lei que não dá descanso ao capital e
continuamente sussurra ao seu ouvido: "Continua! Continua!"
Para Marx, também os trabalhadores estavam amarrados à rotina da
produção, assim as suas condições fossem tornadas
toleráveis por curtos períodos apenas pelo crescimento
económico rápido mesmo que isto reduzisse a sua
condição
relativa
no interior do sistema e, por conseguinte, os tornasse ainda mais dependentes
dos seus chefes capitalistas
[38]
.
De um ponto de vista ecológico, evidentemente, este sistema de
crescimento a qualquer custo, sinónimo de capitalismo, coloca a economia
mundial em conflito directo com a sustentabilidade ambiental. O crescimento
rápido da China nas últimas décadas também provocou
taxas recordes de degradação ambiental. A China está agora
próxima dos Estados Unidos nas emissões anuais de dióxido
de carbono, apesar de muito abaixo nas emissões
per capita.
No entanto, não obstante a seriedade desta contradição
entre a economia capitalista e o planeta, os economistas dominantes argumentam
geralmente contra qualquer tentativa de monta de prevenir as
alterações climáticas, ou seja, de salvar a natureza. Ao
mesmo tempo, não hesitam em defender que biliões de
dólares sejam gastos a salvar bancos. O principal conselheiro
económico do presidente Obama, Larry Summers, é conhecido pelas
suas diatribes anti-ambientais. Ele afirmou, em mais do que uma ocasião,
que faz tanto sentido económico em termos de bem-estar no futuro gastar
em vários factores não-ambientais por exemplo, reconstruir
infra-estruturas (estradas, pontes, etc.) como procurar preservar o
ambiente (por exemplo, as florestas tropicais). Ao abordar o problema do
aquecimento global, Summers afirmou ingenuamente em 1992 que no quadro das
"estimativas mais pessimistas já preparadas [
] o aquecimento
global reduz o crescimento nos próximos dois séculos menos de 0,1
por cento ao ano"
[39]
. No entanto, sob
as estimativas mais pessimistas dos climatologistas
nesse tempo que agora se provam acertadas , o aquecimento global
no contexto do
business as usual
ameaçava a vida no planeta e a própria civilização
humana. De facto, nada é mais perturbador que a noção de
Summers e de outros economistas ortodoxos de que o planeta tal como o
conhecemos possa ser destruído, ao mesmo tempo que a economia
capitalista continua como antes.
Ironicamente, o actual abrandamento da economia capitalista pode ajudar
temporariamente a constatar alguns dos fardos crescentes colocados sobre a
biosfera através da redução da taxa de crescimento do
consumo total de energia e de matérias. Porém, a resposta
habitual à crise económica em capitalismo é a
remoção das protecções previamente aplicadas aos
trabalhadores e ao ambiente. Nesse sentido, é provável que o
declínio económico resulte em formas mais intensivas de
exploração ecológica.
A escala crescente da economia capitalista e o peso que impõe a uma
biosfera limitada não são tudo. Mais importante ainda, em
última análise, é a integridade dos ecossistemas e os
processos biogeoquímicos do sistema da Terra. Neste aspecto, a teoria de
Marx da ruptura metabólica ajuda-nos a compreender a
destruição
intensiva,
e não meramente
extensiva,
do ambiente que o capitalismo promove. A perspectiva de Marx incluiu um
elemento ecológico desde o início. Nos seus
Manuscritos Económico-Filosóficos de 1844,
escreveu sobre o estrago ambiental provocado pelo capitalismo industrial na
forma de "poluição universal a ser encontrada nas grandes
cidades". Para Marx, "o Homem
vive
da natureza, ou seja, a natureza é o seu corpo e ele deve manter um
diálogo contínuo com ela se não quiser morrer"
[40]
. Mas a crítica ecológica do capitalismo de Marx consolidou-se
apenas com a publicação do primeiro volume de
O Capital,
em 1867. Ele foi influenciado pela crítica da agricultura industrial
britânica desenvolvida por Justus von Liebig, o principal químico
alemão da altura. Apoiando-se em Liebig, Marx sublinhou o facto de que
através do transporte de alimentos e de fibras por centenas ou milhares
de quilómetros para novos centros urbanos (um reflexo da crescente
divisão entre a cidade e o campo), a agricultura capitalista
industrializada estava, de facto, a provocar a depleção dos
nutrientes básicos do solo (como o nitrogénio, o potássio
e o fósforo), que deixavam de recircular pela Terra. Esse processo criou
uma grande crise do solo na Europa e nos Estados Unidos, no século XIX.
Marx descreveu-o como uma "ruptura irreparável no processo
interdependente do metabolismo social, um metabolismo prescrito pelas
próprias leis naturais da vida". Sustentou que a sociedade exigia
uma "recuperação" de um metabolismo humano com a
natureza sustentável, que, no entanto, só poderia ser completo
numa sociedade de produtores associados
[41]
. Na concepção de sustentabilidade mais radical alguma vez
formulada, Marx escreveu:
Do ponto de vista de uma formação socioeconómica mais
avançada, a propriedade privada dos indivíduos na Terra
surgirá como algo tão absurdo como a propriedade privada de um
homem por outro homem. Nem mesmo uma sociedade inteira, uma
nação, ou todas as sociedades existentes ao mesmo tempo tomadas
em conjunto, são proprietárias da Terra. São apenas seus
utilizadores, seus beneficiários, e têm que legá-la num
estado melhorado às gerações seguintes, como
boni patres familias
[bons chefes de família].
[42]
Na presente década, tem havido muitas investigações a
aplicar o conceito geral de Marx de ruptura metabólica para explicar as
diferentes disjunções na ecologia global relacionadas com a
exploração capitalista dos solos, das florestas, dos oceanos e do
ciclo do carbono
[43]
. Isso conduziu à conclusão, para utilizar as palavras dos
sociólogos do ambiente Brett Clark e Richard York, que "O
capitalismo é incapaz de regular o seu metabolismo social com a natureza
de uma forma ambientalmente sustentável. As suas operações
violam as leis de restituição e restauro metabólico. A
pressão permanente para renovar o processo de acumulação
de capital intensifica o seu metabolismo social destrutivo, impondo as
necessidades do capital sobre a natureza, sem olhar às
consequências dos sistemas naturais"
[44]
.
Face às crises ecológicas, não qualquer tentativa por
parte sistema de ir à raiz do problema nas relações
sociais que estão a minar aquilo a que Marx chamava "as
condições vitais de existência". Pelo
contrário, o problema é contornado, com o capitalismo a continuar
"a apostar na mesma estratégia falhada, uma e outra vez"
[45]
. O resultado é um composto de desastre ecológico. A
solução que o capitalismo deu à crise do solo do
século XIX de que falavam Liebig e Marx não foi restaurar o
metabolismo humano com o solo, mas, ao invés, desenvolver fertilizantes
sintéticos, especialmente os baseados em nitrogénio, que marcaram
o início do agronegócio moderno e que (em função do
seu elevado uso de petróleo) são uma grande fonte de aquecimento
global, bem como contribuem para as zonas mortas nos oceanos. A
solução do capitalismo para a produção
agrícola mundial na forma do agronegócio moderno resultou numa
subsequente polarização da riqueza e da fome. De entre as mais de
seis mil milhões de pessoas que vivem hoje no mundo, as
Nações Unidas indicam que cerca de mil milhões passam
fome, e esses números (quer relativos quer absolutos) estão a
crescer. Nos próprios Estados Unidos, cerca de 36 milhões de
pessoas, mais ou menos 12 por cento da população, eram, em 2007,
afectadas por "insegurança alimentar"
[46]
.
A derradeira solução do capitalismo para os problemas
ecológicos visto que mudanças fundamentais no
próprio sistema são proibitivas é
tecnológica. Mas quaisquer ganhos tecnológicos em
eficiência na utilização de recursos naturais são
esmagados pela via extensiva e ecologicamente disruptiva do crescimento que
caracteriza este sistema rapace. Por conseguinte, o capitalismo é um
sistema falhado no que à sustentabilidade ecológica diz respeito.
Instabilidade imperial global
Tudo o que foi dito atrás tem que ser visto em termos do capitalismo
enquanto sistema mundial. O capitalismo nasceu nos séculos XV e XVI,
desenvolvendo-se a partir de um pequeno canto da Europa, e foi desde o seu
início uma economia globalizante. Mas a sua globalização
tomou a forma de uma divisão, logo à partida, entre centro e
periferia e, por conseguinte, foi imperial por natureza. O sistema foi
engrenado pelas necessidades de acumulação no centro, ou o topo
da hierarquia mundial. O tempo correu e mais áreas externas foram
incorporadas na economia capitalista mundial, de tal forma que essa
globalização, no sentido da ascendência global do capital,
está hoje mais ou menos completa. O exemplo mais dramático nas
últimas décadas foi a rápida integração da
China na economia mundial (e o colapso do bloco soviético e a
subsequente integração da maioria desses Estados na
condição de satélites dependentes do capitalismo
ocidental).
No entanto, a globalização, considerada por si só,
não é uma forma muito útil de compreender a dinâmica
de acumulação do sistema nesta fase específica do seu
desenvolvimento, que é melhor caracterizada, como sustentou Sweezy, em
termos de três elementos: crescimento lento (no centro e na economia
mundial como um todo), monopolização através das empresas
multinacionais e financeirização. A globalização
continuada, associada à financeirização, criou a
ilusão, propagada por certos ideólogos do sistema, de que "o
mundo é plano"
[47]
. Ainda assim, o capitalismo continua a ser um sistema económico mundial
dividido em Estados-nação separados, com diferentes recursos de
poder uma contradição impossível de transcender no
quadro do sistema. Ao mesmo tempo, o crescimento das empresas multinacionais
baseado nos países do centro serviu historicamente para canalizar as
mais-valias globais das periferias para os centros. A
concentração de poder (económico, militar, financeiro,
comunicacional) no centro é intrínseca ao capitalismo enquanto
sistema mundial, embora as nações específicas que
constituem o centro e a periferia (e a semiperiferia) possam mudar. A economia
mundial está, nesse sentido, desproporcionadamente assente nas
necessidades de acumulação nos países centrais. O sistema
capitalista mundial é mais estável quando é governado por
um único poder hegemónico, como aconteceu com a
Grã-Bretanha em grande parte do século XIX e com os Estados
Unidos em grande do século XX. Em períodos de instabilidade
hegemónica e de crises económicas mundiais, o sistema aproxima-se
das condições para a crise total, como pudemos testemunhar com as
duas guerras mundiais.
Os desastres ecológicos e económicos planetários, acima
discutidos, estão a ocorrer num tempo em que há uma
mudança geopolítica tectónica a decorrer no interior do
capitalismo. Os Estados Unidos continuam a declinar em poder relativo, ao mesmo
tempo que não há um poder singular ou um grupo de poderes que,
neste momento, os possam desafiar, particularmente com a queda da União
Soviética. Nessas circunstâncias, os Estados Unidos procuram
assegurar o controlo dos recursos estratégicos e um posicionamento
geoestratégico que venha a gerar um "novo século
americano", naquilo que marca claramente uma época de
"imperialismo nu"
[48]
. Isto resultou numa nova doutrina oficial da guerra antecipativa e no
lançamento de guerras no Afeganistão e no Iraque. Ao mesmo tempo,
Washington tem sido a força liderante na promoção das
políticas neoliberais, impondo um capitalismo hayekiano no mundo
não para criar um mundo mais plano, mas para consolidar o poder dos
Estados que já estão no topo.
Essas ambições globais de um só Estado, porém,
transmutam-se inevitavelmente de uma fonte de estabilidade hegemónica
numa fonte de instabilidade hegemónica para o sistema mundial.
Não obstante as suas tendências globalizantes, o capitalismo
é incapaz de integrar-se politicamente numa forma de governo global.
Pelo contrário, as tentativas empreendidas por Washington para restaurar
e expandir a sua hegemonia global, utilizando o seu poder militar para
reforçar a sua posição económica, estão a
criar aquilo que é potencialmente o período mais mortífero
da história do imperialismo. Os Estados Unidos expandiram recentemente
as suas bases à volta do mundo para 70 países e
territórios, ao passo que as suas tropas operam num campo ainda mais
vasto. Os gastos militares dos Estados Unidos em 2007, de acordo com os dados
oficiais, atingiram os 552 mil milhões de dólares,
aproximadamente os gastos militares estimados de todas as restantes
nações do mundo em conjunto, mas os gastos militares reais dos
Estados Unidos em 2007 chegaram a 1 bilião de dólares
[49]
. Amiya Kumar Bagchi, um dos economistas mais prestigiados da Índia,
chamou a este fenómeno uma "terceira era axial", na qual os
Estados Unidos emergiram como superimperialistas
e o seu governo afirmou que não há leis ou
organizações internacionais que os possam deter em quaisquer
acções materiais que considerem corresponder aos seus interesses
nacionais (leia-se, obviamente, os interesses do grande capital
norte-americano). Ao mesmo tempo que esse grande capital, suportado pelo sector
militar superimperialista, prossegue o seu curso criminoso, o poder negocial
dos trabalhadores em todo o mundo é reduzido a níveis bastante
baixos através de uma combinação de medidas
finança totalmente desregulada, enfraquecimento do Estado e
aniquilação de direitos dos trabalhadores face ao capital
através de legislação.
[50]
Não há dúvida de que o aparelho de segurança
nacional nos Estados Unidos, neste período, vê a China, como
referiu o grande filósofo marxista István Mészáros,
como o seu "derradeiro alvo"
[51]
. Isso foi mais evidente nos últimos anos: (1) nos relatórios
após relatórios do aparelho de segurança nacional dos
Estados Unidos a alertar para a influência crescente da China em
África e o seu acesso às reservas petrolíferas africanas,
cujo controlo é encarado como vital para a "segurança
nacional" dos Estados Unidos; (2) nos medos continuados no interior dos
serviços de inteligência norte-americanos de uma aliança
sino-iraniana ou sino-russo-iraniana; (3) nos esforços norte-americanos
para formar uma pacto militar com a Índia; (4) nas
preocupações acerca dos avanços espaciais da China; e (5)
nos conflitos que envolvem o Tibete, Taiwan, a Coreia do Norte e o Mar da
China. Embora os Estados Unidos estejam economicamente ligados à China
através da produção das empresas multinacionais e do
comércio e trocas monetárias intensivas de tal forma que
as duas economias parecem formar uma espécie de abraço
simbiótico , a intensificação da rivalidade
geopolítica, associada ao declínio da hegemonia dos Estados
Unidos e à ascensão da China como poder mundial, pode criar a
possibilidade de vir a verificar-se um relacionamento mais explosivo.
Actualmente, há vários medos palpáveis nos círculos
superiores de Washington em relação ao papel continuado e,
do seu ponto de vista, necessário e inegociável do
dólar como moeda de reserva, mesmo perante o actual apoio da China ao
sistema do dólar. Washington compreende que o apoio da China ao
dólar é problemático, especialmente na eventualidade de
uma desvalorização acelerada das obrigações de
dólar existentes, resultante da política da Reserva Federal. A
China detém 652 mil milhões de dívida do Tesouro
norte-americano (no final de 2007, esse valor era de 459 mil milhões de
dólares). Tudo somado, detém 10 por cento da dívida
pública norte-americana. Uma desvalorização acelerada
seria vista na China como uma expropriação. Um subsequente
movimento da China de afastamento do dólar, mesmo que limitado e
nada mais que movimentos limitados são imediatamente possíveis
, poderia desestabilizar drasticamente toda a ordem económica
mundial dominada pelos Estados Unidos
[52]
.
Ao mesmo tempo que Washington se preocupa com a potencial ameaça
crescente à sua hegemonia colocada pela ascensão da China,
também se empenha na contenção ou enfraquecimento de
outros Estados, como a Rússia, o Irão e a Venezuela. Não
há dúvida de que a crise ecológica e a crise
económica, à medida que pioram, tenderão a desestabilizar
o sistema, intensificando essas e outras tensões imperiais.
A teoria geopolítica clássica sugere que só contendo as
regiões limítrofes da Eurásia pode um único poder
controlar o globo. A estratégia norte-americana no presente centra-se no
Médio Oriente, enquanto ponto petrolífero estratégico da
Eurásia. Mas o seu principal objectivo é defender, e mesmo
expandir, a sua própria ascendência global, enfraquecida
relativamente aos seus potenciais adversários económicos e
militares. Com a generalização das armas de
destruição em massa que as tentativas dos Estados Unidos
de consolidarem o seu domínio militar e económico efectivamente
encorajam não é difícil imaginar uma
situação de descontrolo. O terror de um holocausto global que
emerge de uma tal instabilidade económica, ecológica e
geopolítica colocado, em primeira análise, pela recusa por
parte dos Estados Unidos e do seu aliado israelita de aceitarem a
falência das suas políticas no Médio Oriente e a
correlacionada má gestão dos recursos energéticos mundiais
é um perigo que não pode ser subestimado. A realidade
deprimente marca a paz falhada
Pox Americana,
em vez de
Pax Americana
de um sistema falhado.
Para lá de um sistema falhado
Como mostra o que atrás se referiu, o mundo enfrenta actualmente a
ameaça de uma nova deflação-depressão, nunca vista
desde os anos 1930. O problema ecológico atingiu um nível que
ameaça o planeta tal como o conhecemos. O capitalismo neoliberal parece
estar num beco sem saída, conjuntamente com o que muitos chamaram
"neoliberalismo com características chinesas"
[54]
. O declínio da hegemonia norte-americana, associado às actuais
tentativas dos Estados Unidos de restaurar militarmente a sua hegemonia global
através da chamada Guerra ao Terror, ameaça com guerras mais
vastas e com holocaustos nucleares. O denominador comum que determina todas
essas crises é a actual fase do capital monopolista-financeiro global.
As linhas de fractura são mais óbvias em termos dos perigos para
o planeta. Como referiu recentemente Evo Morales, presidente da Bolívia,
"Sob o capitalismo, não somos seres humanos, mas consumidores. Sob
o capitalismo, a mãe Terra não existe; ao invés, há
matérias-primas". Na verdade, "a Terra é muito mais
importantes que [as] acções de Wall Street e de todo o mundo. [No
entanto], enquanto os Estados Unidos e a União Europeia alocarem 4100
mil milhões de dólares para salvarem banqueiros da crise
financeira que eles próprios causaram, os programas em torno das
alterações climáticas obtêm 313 vezes menos, ou
seja, apenas 13 mil milhões de dólares"
[55]
.
A crise económica mundial é hoje tão severa que uma figura
como Martin Wolf, um dos principais comentadores económicos do
Financial Times,
"atlantista" e apologista das políticas norte-americanas,
avisa que todo o sistema do comércio mundial pode falir como aconteceu
na década de 1930. Não surpreende que Wolf responsabilize os
"países mercantilistas" com grandes mais-valias externas e uma
procura interna insuficiente, como a China, a Alemanha e o Japão. E
destaca a China como o principal culpado. Os chamados países
"mercantilistas" são acusados de levar a cabo políticas
de mendigar-ao-vizinho, às custas dos países deficitários
(ou seja, acima de todos, os Estados Unidos) e do mundo inteiro
[56]
. Não atingimos ainda o ponto em que é possível perguntar
que consequências traria o colapso do dólar, enquanto moeda de
reserva e de transacção global unilateral, e isso atira Wolf e os
restantes atlantistas para algo próximo da histeria. São esses
mesmos Estados mercantilistas que estão no centro plausível de
uma nova moeda multilateral global, uma perspectiva de medo indizível e
horror para os atlantistas que gera as tensões geopolíticas que
obstruem um tal projecto.
É claro que a globalização neoliberal tem que chegar a um
fim e que o capitalismo está numa crise de longo prazo. Estamos hoje
confrontados como a "economia da depressão", não como
uma ocorrência especial, mas como uma ocorrência geral. Como
sugeriu durante muito tempo o teórico do sistema-mundo, Immanuel
Wallerstein, o que foi chamado "globalização" nas
últimas duas décadas foi, na verdade, uma "era de
transição" ao nível global do actual sistema-mundo
capitalista para outra coisa
[57]
.
O que é realmente essa outra coisa, não sabemos nem poderemos
saber neste ponto, na medida em que isso depende das respostas não
apenas dos Estados e das empresas, mas, mais importante, da resposta das
populações do mundo. No topo da intensa alienação
de classe, exploração e desigualdades endémicas do
capitalismo a todos os níveis, enfrentamos hoje fracturas globais mais
amplas. Até agora, ao nível continental, a liderança no
reconhecimento de que a única resposta possível é
revolucionária um novo socialismo para o século XXI
foi tomada pelos povos da América Latina, em Cuba, Venezuela,
Bolívia, Equador, e também se manifesta nas lutas que têm
lugar no Brasil, no México, na Nicarágua e em muitos outros
lugares
[58]
. A América Latina, que foi o primeiro continente a sentir o mais duro
golpe da globalização neoliberal, a região mais
brutalmente atingida fora do Médio Oriente em termos de
intervenções militares nos últimos 25 anos e a
região que foi a base inicial da hegemonia internacional
norte-americana, mostra hoje um caminho para o mundo não
só em relação à luta pela igualdade substantiva,
que é essencial, mas também em relação a salvar o
planeta do capitalismo. Como afirmou Morales, "a humanidade é capaz
de salvar a Terra se recuperar os princípios da solidariedade, da
complementaridade e da harmonia com a natureza, em contraposição
ao reino da competição, dos lucros e do consumo desvairado dos
recursos naturais" que distingue o sistema falhado do capitalismo
[59]
.
Notas:
1. Joseph A. Schumpeter,
Capitalism, Socialism and Democracy,
Harper and Row, Nova Iorque, 1947, p. 61.
2. John Bellamy Foster e Fred Magdoff,
The Great Financial Crisis,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 2009.
3. George W. Bush, Encontro sobre Mercados Financeiros e a Economia Mundial,
Washington, D.C., 15 de Novembro de 2008.
4. Paul Krugman,
The Return of Depression Economics and the Crisis of 2008,
W. W. Norton, Nova Iorque, 2009.
5. John Maynard Keynes,
The General Theory of Employment, Interest and Money,
Macmillan, Londres, 1973, p. 372.
6. Keynes,
The General Theory,
p. xxxv.
7. Keynes,
The General Theory
, pp. 376-78.
8. Keynes,
The General Theory
, p. 3.
9. Joan Robinson, recensão a
Money, Trade and Economic Growth,
de J. G. Johnson,
Economic Journal
72, n.º 287, Setembro de 1962, pp. 690-92; Lynn Turgeon,
Bastard Keynesianism,
Greenwood Press, Westport, 1996.
10. Dimitri B. Papadimitriou e L. Randall Wray, "Introduction",
in
Hyman P. Minsky,
John Maynard Keynes,
McGraw Hill, Nova Iorque, 2008, p. xii. Esta perspectiva da teoria geral de
Keynes como uma "ocorrência especial" foi inicialmente
influenciada pela proposta de Leijonhufvud, que sustentava que havia emergido
um compromisso entre a maioria das correntes económicas, que assumia:
"(1) o modelo que Keynes designava por teoria geral não
é senão uma ocorrência especial da teoria clássica,
obtida pela imposição de certas assunções
restritivas sobre aquela; e (2) a ocorrência especial keynesiana
é, apesar de tudo, importante porque, como sucede, é mais
relevante para o mundo real que a teoria geral (do equilíbrio)".
Axel Leijonhufvud, "Keynes and the Keynesians",
American Economic Review
57, n.º 2, Maio de 1967, pp. 401-02. Mais tarde, porém, devido
à emergência do monetarismo e de outras doutrinas conservadoras, a
análise de Keynes veio a ser tratada como
menos
relevante para o mundo real e a teoria geral e a sua "economia da
depressão" foi reduzida a uma "ocorrência
especial", quer teoricamente quer historicamente. Cf. Robert Skidelsky,
John Maynard Keynes, 1883
1946,
Penguin, Londres, 2003, pp. 846-51.
11. Robert E. Lucas, "Macroeconomic Priorities",
American Economic Review
93, n.º 1, Março de 2003, p. 1; Ben S. Bernanke, "The Great
Moderation", Eastern Economic Association, Washington, D.C., 20 de
Fevereiro de 2004, http://www.federalreserve.gov.
12. Krugman,
The Return of Depression Economics,
pp. 181-84; cf. também Paul Krugman,
The Return of Depression Economics,
W. W. Norton, Nova Iorque, 2000, pp. viii, xiii.
13. Robert Skidelsky, "The Remedist",
The New York Times,
14 de Dezembro de 2008. Skidelsky juntou-se orgulhosamente ao Partido
Conservador ("Tory") britânico em 1992, nas profundidades mais
escuras da "revolução" neoliberal thatcheriana. Uma
biografia de Keynes muito superior à de Skidelsky é a de D. E.
Moggridge,
Maynard Keynes: An Economist's Biography,
Routledge, Londres, 1992.
14. Krugman,
The Return of Depression Economics,
p. 5. Krugman escreveu um artigo em 1998 atacando fortemente os
"keynesianos vulgares", do género "keynesiano
inicial", pelas suas noções de "paradoxo da
poupança", má distribuição da riqueza e defesa
do aumento dos salários reais. Esses "keynesianos
vulgares",
sugeriu, não eram tomados a sério pelos economistas dos dias de
hoje por razões que poderiam ser resumidas em "duas palavras: Alan
Greenspan". Escreveu: "É óbvio (para mim) que a
taxa de
desemprego média nos próximos dez anos será a que a FED
quiser". Paul Krugman,
The Accidental Economist,
W. W. Norton, Nova Iorque, 1998, pp. 28-33.
15. Karl Marx,
Capital,
vol. 1, International Publishers, Nova Iorque, capítulo 4; Paul M.
Sweezy,
Four Lectures on Marxism,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 1981, pp. 26-45.
16. Karl Marx,
Capital,
vol. 3, International Publishers, Nova Iorque, 1967, p. 484 (capítulo
30).
17. Marx,
Capital,
vol. 3, p. 507 (capítulo 32, secção 2).
18. Marx,
Capital,
vol. 3, pp. 484, 507 (capítulos 30 e 32); Marx,
Capital,
vol. 1, p. 138 (capítulo 3, secção 3b). O 42.º
Salmo (versão rei James) diz: "Como o cervo anseia pelas correntes
das águas, assim a minha alma anseia por ti, ó Deus".
19. Cf. Michal Kalecki,
Theory of Economic Dynamics,
Augustus M. Kelley, Nova Iorque, 1965; Josef Steindl,
Maturity and Stagnation in American Capitalism,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 1976.
20. Paul A. Baran e Paul M. Sweezy,
Monopoly Capital,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 1966.
21. Paul M. Sweezy e Harry M. Magdoff,
The Dynamics of U.S. Capitalism,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 1972;
The End of Prosperity,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 1977;
Stagnation and the Financial Explosion
, Monthly Review Press, Nova Iorque, 1987; e
The Irreversible Crisis,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 1988.
22. Kalecki,
Theory of Economic Dynamics
, p. 161.
23. Baran e Sweezy,
Monopoly Capital
, p. 108.
24. Cf. Hyman Minsky,
Can It Happen Again?,
M. E. Sharpe, Nova Iorque, 1982.
25. Magdoff e Sweezy,
The Dynamics of U.S. Capitalism,
pp. 180-96.
26. Magdoff e Sweezy,
Stagnation and the Financial Explosion
, p. 22.
27. Foster e Magdoff,
The Great Financial Crisis
, pp. 49, 63-76, 121.
28. Jim Reid citado no seu blogue do
Financial Times,
Alphaville, 15 de Dezembro de 2008,
http://ftalphaville.ft.com/blog/2008/12/15/50429/so-what-could-go-wrong-next.
Cf. também John Bellamy Foster, Harry Magdoff e Robert W. McChesney,
"What Recovery?",
Monthly Review
54, n.º 11, Abril de 2003, pp. 8-13.
29. Paul M. Sweezy, "More (or Less) on Globalization",
Monthly Review
49, n.º 4, Setembro de 1997, pp. 3-4.
30. Minqi Li, "An Age of Transition: The United States, China, Peak Oil,
and
the Demise of Neoliberalism",
Monthly Review
59, n.º 11, Abril de 2008, p. 28; Kevin Hamlin, "China
Property Slump Threatens Global Economy as Growth Slows", Bloomberg.com, 7
de Dezembro de 2008; "China Fears Restive Migrants as Jobs Disappear in
Cities",
The Wall Street Journal,
7 de Dezembro de 2008; "Slowdown in China Gets Worse, Increasing Global
Woes",
The Wall Street Journal,
11 de Dezembro de 2008.
31. Bo Ekman, Johan Rockström e Anders Wijkman,
Grasping the Climate Crisis,
Fundação Tällberg, Estocolmo, 2008, p. 8,
http://www.tallbergfoundation.org
.
32. John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York, "Ecologia: o momento
da
verdade.
Uma introdução
",
Monthly Review edição portuguesa
, n.º 3, Julho de 2008.
33. Ekman,
et. al., Grasping the Climate Crisis,
p. 18; Mark Lynas,
Six Degrees,
National Geographic, Washington, D.C., 2008.
34. James Hansen,
et. al.
, "Target Atmospheric CO
2
: Where Should Humanity Aim?",
The Open Atmospheric Science Journal
2, 2008, pp. 217, 221, 228-29, suplemento: p. xix.
35. Simon Dietez e Nicolas Stern, "On the Timing of Greenhouse Gas
Emissions
Reductions: A Final Rejoinder to the Symposium on 'The Economics of Climate
Change: The Stern Review and its Critics",
Review of Environmental Economics and
Policy, colocado
online
em 4 de Dezembro de 2008; William Nordhaus,
A Question of Balance,
Yale University Press, New Haven, 2008.
36. John Kenneth Galbraith,
The Economics of Innocent Fraud,
Houghton Mifflin, Boston, 2004; James Gustave Speth,
The Bridge at the End of the World,
Yale University Press, New Haven, 2008, p. 63.
37. Bloomberg.com, "China Property Slump Threatens Global Economy".
Os
apelos ao crescimento da China feitos pela Bloomberg.com expressam-se em termos
monetários e são consideravelmente marcados pela
monetarização dos bens públicos socialistas
pré-existentes, previamente valorizados pela sua utilidade, e não
pela quantidade de dinheiro por que poderiam ser trocados.
38. Karl Marx e Friedrich Engels,
Selected Works in One Volume,
International Publishers, Nova Iorque, 1984, pp. 88, 90. Aqui, Marx parece
brincar com uma conhecida passagem do Talmude, traduzido popularmente como
"Cada espada de erva tem o seu anjo que se inclina sobre ela e sussurra
Cresce, cresce",
Midrash Rabba,
Bereshit 10:6 (comentário talmúdico sobre o Génesis).
39. Lawrence H. Summers, "Summers on Sustainable Growth",
The Economist,
30 de Maio de 1992; cf. também John Bellamy Foster,
Ecology Against Capitalism,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 2002, pp. 60-68.
40. Karl Marx,
Early Writings,
Penguin, Londres, 1974, pp. 302, 328.
41. Karl Marx,
Capital
, vol. 1, Penguin, Londres, 1976, pp. 636-38 (capítulo 15,
secção 10; Karl Marx,
Capital
, vol. 3, Penguin, Londres, 1981, pp. 911, 948-50; John Bellamy Foster,
Marx's Ecology,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 2000, pp. 141-77.
42. Marx,
Capital
, vol. 3, p. 911 (capítulo 46).
43. Cf., por exemplo, Brett Clark e Richard York, "Carbon
Metabolism",
Theory & Society
34, n.º 4, 2005, pp. 391-428; Rebecca Clausen e Brett Clark, "The
Metabolic Rift and Marine Ecology",
Organization & Environment
18, n.º 4, 2005, pp. 422-44; Philip Mancus, "Nitrogen Fertilizer
Dependency and Its Contradictions: A Theoretical Explanation of
Socio-Ecological Metabolism",
Rural Sociology
72, n.º 2, 2007, pp. 269-88.
44. Brett Clark e Richard York, "Rupturas e mudanças.
Ir à raíz das crises ambientais
",
Monthly Review edição portuguesa
n.º 7, Novembro de 2008.
45.
Ibid
.; Karl Marx,
Theories of Surplus Value
, vol. 3, Publicações Progresso, Moscovo, 1971, pp. 301-10.
46. Fred Magdoff, "A crise alimentar mundial",
Monthly Review edição portuguesa
, no. 1, Maio de 2008; "New USDA Statistics Highlight Growing Hunger
Crisis in the U.S.", Reuters, 17 de Novembro de 2008.
47. Thomas L. Friedman,
The World is Flat,
Farrar, Strauss and Giroux, Nova Iorque, 2005.
48. Cf. John Bellamy Foster,
Naked Imperialism,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 2006.
49. John Bellamy Foster, Hannah Holleman e Robert W. McChesney, "O
triângulo imperial norte-americano e os gastos militares",
Monthly Review edição portuguesa,
n.º 6, Outubro de 2008; Foster,
Naked Imperialism,
pp. 55-66; Chalmers A. Johnson,
The Sorrows of Empire,
Metropolitan Books, Nova Iorque, 2004; István Mészáros,
The Challenge and Burden of Historical Time,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 2008, pp. 105-07.
50. Amiya Kumar Bagchi,
Perilous Passage: Mankind and the Global Ascendancy of Capital,
Rowman and Littlefield, Nova Iorque, 2005, p. xvii.
51. Mészáros,
The Challenge and Burden of Historical Time
, pp. 124-26.
52. "Dollar Shift: Chinese Pockets Filled as Americans' Emptied",
The New York Times
, 26 de Dezembro de 2008.
53. Cf. John Bellamy Foster e Robert W. McChesney, eds.,
Pox Americana,
Monthly Review Press, Nova Iorque, 2004; John Bellamy Foster, "The New
Geopolitics of Empire",
Monthly Review
, n.º 8, Janeiro de 2006, pp. 4-6.
54. David Harvey,
A Brief History of Neoliberalism,
Oxford University Press, Oxford, 2005, pp. 120-51.
55. Evo Morales, "Save the Planet from Capitalism", 28 de Novembro de
2008, http://links.org.au/node/769.
56. Martin Wolf, "
Global Imbalances Threaten the Survival of Liberal Trade
", blogue do
Financial Times Economists' Forum
, 2 de Dezembro de 2008,
57. Immanuel Wallerstein,
The Decline of American Power,
The New Press, Nova Iorque, 2003, pp. 45-68.
58. Se a América Latina está a desempenhar um papel
revolucionário liderante ao nível continental, não devemos
negar a importância dos desenvolvimentos que vão tendo lugar
noutras regiões, por exemplo no Nepal.
59. Morales, "Save the Planet from Capitalism".
Notas de resistir.info
[NR 1] A crença do autor na teoria do aquecimento global não tem
correspondência no plano dos factos pois nos últimos anos tem havido,
antes, um arrefecimento global. As emissões de CO
2
de origem humana
na verdade são irrelevantes para o clima terrestre.
[NR 2] O alarmismo quanto ao suposto derretimento dos pólos não
tem base na realidade. Verifica-se até que em certas partes do
Árctico e da Antárctida a espessura do gelo está a
aumentar.
[NR 3] Se isso fosse verdade não seria mau pois a Gronelândia
poderia voltar a ser produtiva em termos alimentares. Durante a Idade
Média a Gronelândia (Green Land = Terra Verde) chegou a ser
colonizada pelos vikings e autónoma em termos alimentares.
[NR 4] Esse suposto aumento de 2ºC foi estimado com base em modelos
construídos a partir de uma teoria climatológica obsoleta pois
anterior a
Marcel Leroux
.
[*]
Editor da
Monthly Review
e professor de Sociologia na Universidade de Oregon. É co-autor,
com
Fred Magdoff, de
The Great Financial Crisis: Causes and Consequences
(Monthly Review Press, Janeiro de 2009), entre muitos outros trabalhos. Este
artigo foi originalmente uma comunicação apresentada à
Conferência Internacional sobre a Crítica do Capital na Era da
Globalização, na Universidade de Suzhou, na China, em 11 de
Janeiro de 2009.
O original encontra-se em
http://monthlyreview.org/090302foster.php
.
Tradução gentilmente cedida por
Zion Edições
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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