Aspectos de classe nos Estados Unidos
por John Bellamy Foster
[*]
Se bem que a guerra de classe seja contínua na sociedade capitalista, não há dúvida de que nas últimas décadas ela assumiu nos Estados Unidos uma forma muito mais virulenta. Num discurso apresentado em 2004 na New York University, Bill Moyers destacou que
Os efeitos desta ofensiva implacável da parte dos interesses estabelecidos contra o resto da sociedade são cada vez mais evidentes. Em 2005 o New York Times e o Wall Street Journal publicaram uma série de artigos focando as classes nos Estados Unidos. Este raro reconhecimento aberto da importância da classe pela elite dos media pode ser atribuído em parte a rápidos aumentos na desigualdade do rendimento e da riqueza na sociedade americana ao longo do último par de décadas associado aos efeitos dramáticos dos cortes fiscais de Bush, que beneficiaram primariamente a riqueza. Mas ele também tem origem num conjunto de novos estudos estatísticos que demonstraram que a mobilidade de classe intergeracional nos Estados Unidos está muito abaixo daquela que era suposta anteriormente, e que os Estados Unidos é uma sociedade mais determinada pela classe (class-bound) do que as suas congéneres da Europa Ocidental, com excepção da Grã-Bretanha. Nas palavras de The Wall Street Journal (13/Maio/2005):
Como observou outrora Paul Sweezy, "a auto-reprodução
é uma característica essencial de uma classe, distinguindo-a de
um mero estrato".
[2]
O que é claro a partir dos dados recentes é que as classes
superiores
nos Estados Unidos são extremamente eficazes em reproduzirem-se a si
próprias num grau que não lembra qualquer
comparação histórica óbvia na história do
capitalismo moderno. Segundo o
New York Times
(14/Novembro/2002), "Bhashkar Mazumber do Federal Reserve Bank of Chicago
... descobriu que cerca de 65 por cento das vantagens em rendimentos dos pais
era transmitida para os filhos". Tom Hertz, um economista da American
University, declara que "enquanto poucos negariam que é
possível começar pobre e acabar rico, a evidência sugere
que este feito é mais difícil de cumprir nos Estados Unidos do
que em outros países de alto rendimento".
[3]
O facto de que os ricos estão a ficar tanto relativamente como
absolutamente mais ricos, e de que os pobres estão a ficar relativamente
(se não absolutamente) mais pobres, nos Estados Unidos de hoje,
está abundantemente claro para todos embora a verdadeira
extensão desta tendência desafie a imaginação. Ao
longo dos anos 1950 a 1970, por cada dólar adicional ganho por aqueles
nos 90 por cento da base dos receptores de rendimentos, aqueles nos 0,01 por
cento do topo recebiam um adicional de US$ 162. Em contraste, de 1990 a 2002,
para cada dólar obtido por aqueles nos 90 por cento da base, aqueles nos
0,01 por cento da cúspide (hoje cerca de 14 mil famílias)
ganhavam US$ 18.400 adicionais.
[4]
Estes bens intangíveis são difíceis de medir, mas numa
sociedade capitalista tendem a interagir com grandes diferenciais em rendimento
e propriedade e portanto deixam aqui seus traços quantitativos.
É toda esta constelação de vantagens de classe
correlacionada em linhas gerais com rendimento e riqueza, mas não
simplesmente redutível a estes elementos, que permite aos privilegiados
manterem suas posições de status económico e poder
intergeracionalmente mesmo no contexto de uma sociedade que à
superfície parece ter muitas das características de uma
meritocracia. O próspero obtem melhor educação, desfruta
melhor saúde, tem mais oportunidades para viajar, beneficia de um
conjunto mais vasto de serviços pessoais (derivado da compra dos
serviços laborais de outros), etc tudo isto traduz-se em
vantagens de classe passadas aos seus filhos.
Tal como todas as definições breves de classe, esta tem as suas
fraquezas, uma vez que não é capaz de levar em conta a natureza
dinâmica das relações de classe. Como argumentou Sweezy,
um tratamento sistemático da classe e da luta de classe "precisa
também abranger pelos menos o seguinte: a formação de
classes em conflito com outras classes, o carácter e o grau da sua
auto-consciência, suas estruturas organizacionais internas, os modos como
elas geram e utilizam ideologias para fomentar seus interesses, e os seus modos
de reprodução e auto-perpetuação".
[8]
Se estamos a falar de uma "classe dominante", então os modos
pelos quais esta classe domina a economia e o estado precisam ser entendidos.
Além disso, é crucial verificar como a classe articula-se em
relação a outras relações sociais e formas de
opressão, tais como raça e género.
1- Bill Moyers, This is the Fight of Our Lives, keynote speech, Inequality Matters Forum, New York University, June 3, 2004, http://www.commondreams.org/views04/0616-09.htm/ . 2- Paul M. Sweezy, Paul Sweezy Replies to Ernest Mandel, Monthly Review 31, no. 3 (JulyAugust 1979), 82. 3- Tom Hertz, Understanding Mobility in America, Center for American Progress (April 26, 2006), i, 8, http://www.americanprogress.org/ . 4- Correspondents of The New York Times, Class Matters (New York: Times Books, 2005), 186. 5- Edward N. Wolff, Changes in Household Wealth in the 1980s and 1990s in the U.S., (April 27, 2004, draft), forthcoming in Wolff, International Perspectives on Household Wealth (Brookfield, Vermont: Edward Elgar), http://www.econ.nyu.edu/user/wolffe/ . 6- Aqui os comentários de Sweezy eram destinados principalmente a sociedades pós-revolucionárias mas ele deixou claro que as mesmas questões relacionadas com a reprodução de classe aplicavam-se a sociedades capitalistas. Inseri uma breve qualificação em parênteses rectos para evitar qualquer má interpretação relativa ao contexto específico no qual foi escrito. Ver Paul M. Sweezy, Post-Revolutionary Society (New York: Monthly Review Press, 1980), 7980. 7- V. I. Lenin, Selected Works (Moscow: Progress Publishers, 1971), 486. 8- Sweezy, Paul Sweezy Replies to Ernest Mandel, 79. [*] Editor da Monthly Review, autor de Naked Imperialism: The U.S. Pursuit of Global Dominance . O original encontra-se em http://www.monthlyreview.org/0706jbf.htm Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |