por Miguel Urbano Rodrigues
As gigantescas manifestações de protesto do povo grego contra a
política do Governo do Partido Socialista e as medidas impostas ao
país pela União Europeia e o FMI iluminam nestes dias a amplitude
e complexidade de uma crise sem precedentes.
A grande maioria da Humanidade não tomou ainda consciência de que
o seu futuro é inseparável da luta de classes em desenvolvimento
na terra que foi berço da civilização europeia e do
conceito de democracia política.
Um sistema mediático controlado pelo imperialismo insiste em apresentar
os acontecimentos da Grécia como episódio de uma crise financeira
mundial prestes a ser superada.
Trata-se de uma inverdade. A Humanidade enfrenta uma crise global e estrutural
do capitalismo que se agrava a cada semana nas frentes económica,
financeira, cultural, energética, ambiental, militar, social e politica.
O MITO OBAMA
A crise iniciou-se nos EUA, o principal baluarte do imperialismo. A
potência que os media portugueses insistem em apresentar como "a
maior economia do mundo" entrou num processo de decadência
irreversível. Os EUA são hoje o país mais endividado do
mundo. A sua divida externa no final de 2008 atingia 13,77 milhões de
milhões de dólares, o equivalente ao PIB do país;
actualmente já o excede. É actualmente superior a todas as
dívidas externas somadas da Europa, Ásia, África e
América Latina. Uma divida impagável, anunciadora de um estouro
que abalará o mundo. Por si só, a China é possuidora de
mais de 900 mil milhões de dólares em reservas de dólares
e títulos do Tesouro norte-americano.
Por que se mantém então a hegemonia dos EUA?
Dois factores a garantem. O primeiro é o seu imenso poderio militar. O
outro a permanência do dólar como moeda de referência no
comércio internacional, nomeadamente a divisa utilizada nas
transacções do petróleo. E não há controlo
para a emissão do bilhete verde.
Mas como os EUA se transformaram numa sociedade parasitária que consome
muito mais do que produz, o país avança para um desastre, sem
data no calendário, de proporções colossais.
O gigante tem pés de barro. O seu défice comercial ultrapassou um
milhão de milhões de dólares no ano passado. Este ano
será superior.
Como a acumulação capitalista não funciona mais de acordo
com a lógica do sistema, Washington, na fidelidade a uma
estratégia de dominação universal, saqueia os recursos
naturais de dezenas de países e desencadeia guerras de agressão
ditas "preventivas" com a cumplicidade dos seus aliados da
União Europeia.
Neste contexto o presidente Barack Obama, apresentado pela propaganda como
político progressista e humanista, desenvolve uma politica que é
indispensável e urgente desmistificar porque configura uma ameaça
à Humanidade.
A falsificação da História não pode apagar a
realidade. O homem distinguido com o Nobel da Paz ampliou a politica belicista
de Bush. Manteve a ocupação do Iraque, intensificou a guerra de
agressão no Afeganistão, iniciou os bombardeamentos no Noroeste
do Paquistão, mantém a aliança com o sionismo neofascista
israelense.
Crimes monstruosos, sobretudo no Afeganistão, comparáveis aos das
SS nazis na II Guerra Mundial, são cometidos rotineiramente pelas
Forças Armadas dos EUA. A barbárie militar tem aliás por
complemento uma vaga de barbárie cultural. Essa é porém
assunto a que os grandes media dedicam atenção mínima.
Seria incómodo lembrar a destruição e saque de
patrimónios da Humanidade na antiga Mesopotâmia. Informar por
exemplo que nas ruínas de Babilónia estacionam tanques do US
ARMY, que a maior base americana no Afeganistão, Bagram, está
instalada no espaço arqueológico de Kapisa, a antiga capital da
desaparecida civilização Kuchana.
O Nobel da Paz dos EUA é o primeiro responsável pelo golpe de
Estado nas Honduras (ver odiario.info de 26 de Julho e 1 de Dezembro de 2009),
retoma a política de hostilidade à Revolução
Cubana, volta a enviar a IV Esquadra para águas da América
Latina, ameaça a Venezuela Bolivariana, o Equador e a Bolívia,
cria sete novas bases militares norte-americanas na Colômbia, instala em
África o AFRICOM, um exército permanente dos EUA naquele
Continente, bombardeia a Somália e o Iémen.
O presidente dos EUA é elogiado como defensor de um mundo sem armas
nucleares. Mas na recente Conferência sobre
Desnuclearização ameaçou usá-las contra o
Irão, se o seu governo não se submeter às exigências
de Washington.
A CUMPLICIDADE COM A FINANÇA
Diariamente lemos nos jornais portugueses e ouvimos em programas televisivos em
que pontificam politólogos do sistema que a recessão terminou na
maioria dos países da União Europeia, que a retoma é uma
realidade e que nos EUA a economia cresceu no último trimestre mais do
que o previsto. A Grécia, Portugal, a Espanha, a Irlanda e a
Itália seriam excepções. A "turbulência"
dos mercados mantinha-se, com bruscas oscilações nas bolsas, mas
isso resultaria da acção de especuladores.
Os governantes e a comunicação social esforçam-se por
persuadir os povos de que tudo voltará em breve à normalidade
graças a sábias políticas financeiras insinua-se
que salvaram a banca e a medidas de austeridade impostas pela
necessidade de reduzir os défices orçamentais. Em Portugal o PEC
seria a solução salvadora. Com custos, é um facto, mas a
hora exigiria sacrifícios de "todos" a bem da pátria.
O discurso da mentira e da hipocrisia pode mudar na forma, mas o seu
conteúdo é fundamentalmente o mesmo de Washington a Paris, de
Tóquio a Londres.
O objectivo é enganar os povos para impedir que a
intensificação das lutas sociais abale as bases do sistema.
Uma vez mais são os EUA quem comanda a campanha de
desinformação.
Na realidade, muito pouca coisa mudou ali no mundo corrupto da finança.
Centenas de milhões de dólares foram injectadas no
"mercado" pela Administração Obama, mas não para
acudir às grandes vítimas da crise, as camadas mais pobres do
povo norte-americano. As medidas tomadas pelo Governo Federal visaram salvar da
falência os responsáveis pelas acções criminosas que
desencadearam a crise, sobretudo a grande banca, as seguradoras, os gigantes da
indústria automóvel.
Os patrões da finança são os mesmos e continuam a
atribuir-se salários e prémios milionários (em Portugal
acontece o mesmo) e retomam os métodos fraudulentos que estão na
origem do tsunami financeiro.
Prémios Nobel da Economia como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e
académicos de prestígio mundial como Noam Chomsky arrancam a
máscara ao governo federal, desmontando a mentira da
recuperação. Acusam frontalmente Obama de, ao invés de
punir os cardeais da finança ter colocado muitos deles em postos chave
da Administração. É o caso do secretário do
Tesouro, Timothy Geithner, um ex-magnata de Wall Street, hoje responsável
pela política monetária do país. Mais expressivo ainda
é o caso de Larry Summers. Esse homem foi, durante o governo de Clinton
o autor intelectual da revogação da lei que impedia a chamada
"desregulamentação", isto é as politica
criminosas que provocaram falências em cadeia. Que fez Obama? Nomeou-o
seu assessor económico.
Em 1929, no auge da crise iniciada com o crash de Wall Street, John Kenneth
Galbraith, o eminente economista liberal afirmou que "o sentido de
responsabilidade da comunidade financeira perante a sociedade (
) é
praticamente nulo".
Nada mudou desde então.
Obama comprometeu-se a reformar profundamente o sistema financeiro. Mas, em vez
de cumprir a promessa, manteve os privilégios dos cardeais da
finança.
O desemprego, entretanto, cresce. A pobreza alastra em cidades como Detroit
(antes pulmão da indústria automobilística) e Pittsburg
(antiga capital do aço) onde bairros inteiros, desabitados, oferecem uma
imagem de decadência que nega os slogans do
american way of life.
A chanceler Merkel e o presidente Sarkozy bradam que "é preciso
refundar o capitalismo". Mas, conscientes de que o capitalismo não
é humanizável, tudo fazem para o recauchutar.
O EXEMPLO DA GRÉCIA
Foi ilusório acreditar que a Europa escaparia aos efeitos da crise nos
EUA.
Sucedem-se as crises na Islândia, na Espanha, na Irlanda, em Portugal, na
Grécia.
O euro desvaloriza-se em ritmo alarmante. A taxa de desemprego atinge já
os 20% em Espanha. Na Alemanha e na Grã-Bretanha a gravidade da crise
será transparente após as eleições. Em
França, Sarkozy tenta em vão ocultar o profundo descontentamento
do povo que se expressa na amplitude assumida pela contestação
social.
Na Grécia a economia desmoronou-se. O alarme foi tamanho em Bruxelas que
os grandes da União Europeia, temendo o contágio, aprovaram com o
FMI, após tumultuosos debates, marcados por contradições e
hesitações, um plano dito de "ajuda" que na realidade
impõe ao país medidas que, a serem aplicadas, o reduziria
à condição de colónia administrada pela
finança internacional.
Subestimaram o espírito de luta do povo grego, a sua firmeza no combate
em defesa de direitos históricos adquiridos há muitas
décadas.
Sete greves gerais nos últimos cinco meses expressaram a recusa dos
trabalhadores gregos a submeter-se ao chamado "programa de
austeridade", eufemismo que encobre as exigências impostas pelo
grande capital, violadoras da soberania nacional.
A greve do dia 5 de Maio, gigantesca, paralisou o país. Centenas de
milhares de trabalhadores protestaram em Atenas e 68 outras cidades contra a
agressão exterior mascarada de "ajuda".
Como era de esperar, os media internacionais desinformaram na Europa e nos EUA.
Reduziram a dimensão do protesto e deturparam o significado da grande
jornada de luta.
Mas o objectivo de caluniar o povo grego não foi atingido. Era
impossível ocultar que o país parou. Transportes, escolas,
hospitais, fábricas, portos, aeroportos, comércio; o sector
privado juntou-se ao público.
Elementos da extrema-direita provocaram distúrbios na
manifestação em frente do Parlamento. Entre eles havia
polícias à paisana. Mas a tentativa de responsabilizar o PAME
a Frente Sindical que mobilizou os trabalhadores -fracassou porque o
protesto foi pacífico, excluindo todas as formas de violência.
Os governantes e banqueiros da UE insistem em falar do "caos grego",
criticam os grevistas que se opõem a medidas de austeridade concebidas
para "salvar o país". Mentem conscientemente. A Grécia
projecta nestas semanas a imagem de uma luta de classes exemplar na qual o seu
povo, no confronto com o capital, assume o papel de sujeito histórico. O
mundo do trabalho não está disposto a pagar a factura da
política capituladora que lhe é imposta, prevista aliás no
Tratado de Maastricht: eliminação dos 13º e 14º
salários, redução de pensões de reforma, corte
brutal nos salários, congelamento dos mesmos, etc.
No dia 4 de Maio, reagindo à estratégia de Bruxelas, o Partido
Comunista da Grécia (KKE), ocupou simbolicamente a Acrópole, em
Atenas, e desfraldou naquela colina milenar bandeiras com uma
inscrição desafiadora: "Povos da Europa levantai-vos!"
O KKE está consciente de que a Europa não se encontra no limiar
de uma situação pré-revolucionária. Na
própria Grécia não estão reunidas
condições para um assalto ao poder.
Nem por isso o brado revolucionário do KKE é menos comovente e
oportuno. Também em 1848 Marx sabia, quando redigiu com Engels o
Manifesto do Partido Comunista, que a Revolução socialista na
Europa não iria concretizar-se no futuro próximo. Mas o grito
"Proletários de todos os países uni-vos!" ecoou no
Continente como incentivo à luta de classes, desencadeando um vendaval
de esperança nas massas oprimidas.
As grandes revoluções não se forjam em dias, sequer em
meses ou anos. Não existe para elas data previsível porque
resultam de uma soma de pequenas e grandes lutas inseridas em contextos
históricos favoráveis.
Os comunistas gregos não ignoram que a derrota do capitalismo vai
tardar. Mas adquiriram há muito a convicção
inabalável de que deve ser frontal e sem concessões no combate ao
sistema que invoca a necessidade de "reformas" e de
"políticas de austeridade" para reforçar a
opressão social.
Uma certeza: a crise, na Grécia e no mundo, vai agravar-se com pesado
custo para o proletariado de novo tipo que engloba a nível
planetário centenas de milhões de trabalhadores.
E não será dos Parlamentos transformados em instrumentos da
dominação das classes dominantes que sairá a saída
para a crise global que vivemos e ameaça a Humanidade.
Por isso mesmo, a exemplar lição de combatividade dos
trabalhadores gregos e do seu heróico partido, vanguarda
revolucionária na melhor tradição leninista, é
tão importante, bela e simbólica.
Nesta Primavera europeia do ano 2010, os filhos da Helada voltam a lutar pela
Humanidade.
09/Maio/2010/V.N.de Gaia
O original encontra-se em
http://www.odiario.info/?p=1592
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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