por Miguel Urbano Rodrigues
Camarada Oliverio:
Li as notas que escreveste na prisão brasileira onde te encarceraram.
Neste momento elas correm pelo mundo levantando uma onda de solidariedade.
Nessas linhas os que não sabiam da tua existência encontram o
retrato do humanista, do combatente, do revolucionário.
De longe imagino a decepção dos esbirros da polícia
brasileira que te interrogaram a mando de Uribe. Sinto vergonha pelo Brasil,
minha segunda pátria, e orgulho pela tua firmeza.
Eras um jovem padre, como o teu compatriota Camilo Torres, quando te atingiram
as primeiras perseguições. Durante oito anos, de 75 a 83
desenvolveste com esperança ingénua um trabalho pastoral em
Neiva. Fazias o pouco que estava a teu alcance para melhorar as
condições de existência de comunidades camponesas olhadas
pelo Poder como escravos de novo tipo. Nos
caserios
da Huila adquiriste um prestígio que inquietou as autoridades. Os
terratenientes
da região protestaram em Bogotá contra a actividade subversiva
desenvolvida por um sacerdote que proclamava a necessidade de dar
educação, saúde e comida a comunidades misérrimas,
cuja vida pouco melhorara desde os tempos do vice-reino de Nova Granada. O
exército ameaçou matar-te.
Despiste a sotaina e foste para as montanhas. Para continuar ao lado do povo
não tinhas outra opção. As FARC-Exército do Povo
receberam-te fraternalmente.
"Foi grande a minha surpresa revelas quando descobri que a
guerrilha tinha em sua linha política, desde o início, a proposta
de construir a solução pacífica dos problemas do povo
colombiano".
Nas tuas notas da prisão iluminas capítulos da história
contemporânea da Colômbia. Valeu a pena o esforço porque a
história oficial do teu país transforma em heróis inimigos
do povo como Santander e Uribe e apresenta como vilão e assassino Manuel
Marulanda, o herói moderno que assume os ideais bolivarianos.
Não esqueço, Oliverio, o dia em que te encontrei pela primeira
vez. Foi em Porto Alegre durante o I Fórum Social Mundial. Eu tinha
publicado uns artigos em defesa das FARC depois de passar algumas semanas no
acampamento de Raul Reys, no Caquetá. Conhecia e admirava o trabalho que
desenvolvias no Brasil. Abraçámo-nos como velhos amigos.
No ano seguinte interviemos no Fórum, na mesma Oficina, ao lado, se
não me falha a memória, de François Houtard, Julio
Gambina, José Reinaldo de Carvalho, Gloria la Riva, e Samir Amin.
Combatíamos e combatemos pela causa da humanidade, em defesa da paz, da
liberdade, do socialismo, contra a barbárie.
Saber que estás num cárcere dói-me duplamente por as
grades serem brasileiras. Participava num Seminário Internacional no Rio
de Janeiro, quando os media informaram que a polícia federal brasileira
te havia detido, atendendo pedido do governo de Álvaro Uribe.
Da nossa tribuna, na Universidade Estadual do Rio, elevou-se um dos primeiros
protestos contra o acto de violência, inadmissível, que te
atingia. Numa palestra que fiz a convite do Partido Comunista Brasileiro o teu
caso foi também amplamente debatido. A reacção
unânime era de indignação.
Os jornais comentavam o pedido de extradição com a habitual
hipocrisia. O governo Lula, desacreditado perante o povo, permanecia mudo.
Medo dos senhores de Washington? Políticos do sistema saíam em
sua defesa, para explicar o silencio covarde, alegando que o problema é
da esfera do Judiciário.
Quase certamente, Lula, no Palácio da Alvorada, não quer ouvir
falar da tua prisão. Lava as mãos como o procônsul romano
em Jerusalém, Poncio Pilatos, quando os judeus prenderam o profeta Jesus
e esperaram dele uma decisão, antes de o crucificarem.
Obviamente, Oliverio, as subtilezas jurídicas que encantam os
políticos da burguesia empenhados na definição das
fronteiras dos Poderes Executivo e Judiciário são invocadas
apenas para desviar a atenção da evidência: a tua
prisão é uma indignidade, um acto de capitulação
perante o governo fascizante de Álvaro Uribe.
Contra ela se ergue já o clamor de todos quantos na América
Latina se batem pela paz, contra o imperialismo, por uma democracia que
não seja de fachada.
OIliverio, sei que o teu nome de registo, na Colômbia, é Francisco
António Cadena. Mas para todos os teus amigos és o Oliverio
Medina. Resides há dez anos, legalmente, no Brasil, tens uma
companheira brasileira, um filho brasileiro.
Confiar na independência dos juízes do Supremo Tribunal Federal
que ordenou a tua detenção seria uma ingenuidade perigosa.
Uribe faz pressão para que te entreguem. Logo forjariam um processo
acusando-te de narcotraficante, talvez de assassino. Washington trataria de
pedir a tua extradição.
Conheci o comandante Simon Trinidad, preso em Quito pelas polícias do
Equador e da Colômbia (com a ajuda da CIA) e depois entregue a Uribe que
aplaudiu a sua extradição para os Estados Unidos. Sou amigo
fraternal do comandante Rodrigo Granda, sequestrado em Caracas pela
polícia secreta colombiana (com a colaboração da CIA e de
traidores venezuelanos) e encarcerado num presídio uribiano.
Repetem agora contigo, noutro contexto, uma «operação»
criminosa cujo objectivo é o mesmo: capturar num país estrangeiro
um quadro destacado das FARC-EP, leva-lo para a Colômbia e entrega-lo
depois aos EUA.
Exigir do Governo Lula uma tomada de posição firme que conduza
à libertação de Oliverio Medina é um dever para
aqueles que, no Brasil e no mundo, acreditam nos princípios e valores
pelos quais lutam há mais de quarenta anos os guerrilheiros de Manuel
Marulanda, herói bolivariano da América Latina.
Estamos contigo, Oliverio!
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