"O Pico Petrolífero é um ponto de viragem para a
espécie humana"
por Colin Campbell
[*]
entrevistado por Neil Jackson
[**]
Neil Jackson: Por que o Pico Petrolífero é importante?
Colin Campbell: O Pico Petrolífero é um ponto de viragem para a
espécie humana. É um assunto crucial.
Em resumo, a população apenas duplicou ao longo dos primeiros 17
séculos do último milénio. Mas então surgiu o
carvão, seguido pelo petróleo e pelo gás, e a
população aumentou seis vezes. Estas novas fontes de energia,
especialmente o petróleo, o mais cómodo, permitiram a
expansão rápida da indústria, transporte, comércio
e agricultura, o que fez com que a economia se expandisse enormemente. Isto foi
acompanhado pelo crescimento do capital financeiro quando os bancos emprestaram
mais do que tinham em depósito, confiantes em que a Expansão do
Amanhã era o colateral para a Dívida de Hoje.
Mas agora enfrentamos o despontar da Segunda Metade da Era do Petróleo,
quando a oferta declina devido ao esgotamento natural, o que significa que a
dívida se torna difícil (como já está a acontecer)
e a economia contrai-se. O abastecimento de petróleo de hoje suporta 6,7
mil milhões de pessoas, mas em 2050 o abastecimento não
será suficiente para suportar senão cerca de 2,5 mil
milhões no actual modo de vida. Assim, o desafio de utilizar menos
petróleo e descobrir outras fontes de energia é grande.
A transição ameaça tornar-se um período de grande
tensão: já há guerras tribais em África,
perturbações em muitos lugares incluindo tumultos na
Grécia. As condições urbanas tornar-se-ão
especialmente difíceis.
NJ: Por que a sua reacção pessoal ao Pico Petrolífero?
CC: Acontece ter trabalhado na indústria petrolífera e ali,
durante longo tempo, não fui só eu a estar plenamente consciente
do esgotamento. Mas os geólogos são pessoas passivas, uma vez que
descrevem ao invés de mudarem as coisas. Podemos descrever o
Cretáceo, mas não mudá-lo.
NJ: Como é que se esta a preparar, com a sua família?
CC: Estou demasiado velho para fazer muito, mas vivo modestamente numa aldeia
irlandesa. Minha esposa no entanto está a tentar activamente introduzir
lotes de terra aqui através dos quais as pessoas possam alimentar-se.
Temos um painel solar térmico no telhado, que fornece água quente
de Maio a Outubro. Se o sol não brilhar não tenho água
quente.
NJ: Pensa que os media estão a actuar correctamente na questão?
Tem havido muita cobertura do assunto nos media de referência? Tem ideias
acerca do por que?
CC: Os media agora estão a tomar um interesse sério: uma
série de jornalistas e equipes de TV estiveram aqui ao longo dos
últimos anos. A BBC e até uma TV coreana estiveram aqui
recentemente. Há naturalmente interesses estabelecidos (a BP por
exemplo) ansiosos por suprimir o Pico Petrolífero, mas penso que a
expressão já está cá fora.
NJ: E acerca dos governos? Estarão eles a actuar correctamente e, se
sim, que exemplos pode dar? Pensa que alguns governos estão a abordar o
Pico Petrolífero correctamente? Quais?
CC: A posição dos governos está a mudar. Eles estão
pesadamente influenciados pela teoria económica clássica e mal
aconselhados por maus profissionais para os quais descobrir petróleo
é apenas uma questão de investimento.
A Agência Internacional de Energia é o cão de guarda da
OCDE, embora na prática seja mais um lobby de consumidores (não
querem que a OPEP conheça a sua força). Dez anos atrás,
internamente, a AIE reconheceu que o Pico Petrolífero aconteceria por
volta de 2010, mas emitiu apenas uma mensagem codificada. Agora quando o Pico
Petrolífero acontece ela muda o seu tom, de medo de perder
credibilidade, e começa a admiti-lo sob o slogan "vamos deixar o
petróleo antes que ele nos deixe".
Acontece que conheço um ministro irlandês, o qual entende a
posição perfeitamente e está a tentar preparar as coisas,
mas ele me diz que os obstáculos políticos são muito
grandes. É prometedor que Obama tenha as renováveis na sua agenda
e pareça reconhecer que a conquista tentada do petróleo do Iraque
fracassou. A Grã-Bretanha atingiu o pico das descobertas na
década de 1970 e isso deveria ter alertado o governo de que o
inevitável pico correspondente da produção se seguiria,
mas a sra. Thatcher acreditava no mercado livre e explorou o recursos
tão rapidamente quanto possível, o que acelerou o esgotamento.
A Grã-Bretanha exportou o seu excedente a baixos preço mas agora
enfrenta importações crescentes a altos preços. A
Rússia agora parece estar consciente do seu poder através do
controle da oferta de gás da Europa, e provavelmente tentará
conservar o que resta para o seu próprio uso ao invés de
exportar, o que faz sentido. É um assunto importante e não
convém ter muita confiança em governos.
NJ: Por vezes diz-se que há reservas de milhares de milhões de
barris de petróleo aprisionados nas areias betuminosas do Canadá.
Pode dizer algo acerca destas reservas em relação ao Pico
Petrolífero? Quais são os desafio enfrentados para levar este
petróleo ao mercado?
CC: Os recursos no terreno das areias betuminosas, no Canadá e alhures,
é enorme. Mas a extracção é lenta e custosa,
rendendo um retorno de energia líquida baixo ou mesmo negativo. Minha
suposição é que os preços do petróleo no
futuro estarão na amplitude dos US$50-100 pois preços mais
elevados deprimiriam a procura devido à recessão
económica. Se assim for, isto é um constrangimento para o
desenvolvimento das areias betuminosas (alguns projectos dizem ser
viáveis só a US$90 ou mais) e na verdade restringe o
desenvolvimento da energia renovável.
NJ: O pico das descobertas foi atingido a uns 40 anos atrás
quanto petróleo estamos a descobrir agora e qual é o potencial
para outras descobertas novas e significativas? Será que o
Árctico representa uma outra Arábia Saudita? O que se pode dizer
da Antárctida?
CC: É difícil obter boa informação sobre
descobertas recentes, mas a minha melhor estimativa é que está na
amplitude dos 5-10 mil milhões de barris por ano. O mundo
acessível já foi extensamente explorado, de modo que todas as
principais províncias produtivas e os grandes campos dentro delas
já foram descobertos.
As atenções agora voltam-se para as águas profundas e as
regiões polares. Penso que as principais áreas de águas
profundas também já foram descobertas: elas dependem de
condições geológicas muito excepcionais pois a maior parte
dos oceanos são definitivamente não prospectivos. Não
mantenho grandes esperanças quanto às regiões polares
porque penso que elas geralmente são deficientes em rocha fonte
(source rock),
e que a integridade da vedação
(seal)
foi prejudicada por movimentos verticais da crusta devido ao peso de
coroamentos de gelo instáveis.
Há umas poucas ocorrências caprichosas, tais como Prudhoe Bay no
Alasca, mas geralmente o polar parece ser um domínio tendente ao
gás, com cheiros de encorajamento que acabarão por desapontar.
É improvável que tenham qualquer impacto material sobre o Pico
Petrolífero.
NJ: Quão familiar pensa que os responsáveis superior das
principais empresas petrolíferas ocidentais são com o conceito de
Pico Petrolífero? Será que elas o vêem como um problema
sério tanto para o seu negócio ou para a economia global mais
vasta?
CC: Anteriormente, as principais companhias de petróleo tendiam a ser
dirigidas por pessoas com experiência de exploração, para
as quais o Pico é evidente há muito (Harry Warman, outrora
Administrador de Explorador da BP, foi um dos primeiros a publicar sobre isto),
mas agora a maior parte é dirigida por financeiros e engenheiros, aos
quais falta a percepção mais profunda do recurso. Mas na
generalidade penso que eles entendem.
As Sete companhias major estão agora reduzidas a quatro através
de fusões, o que é um sinal de contracção. E elas
estão a liquidar refinarias subsidiários e cadeias de marketing,
evidentemente reconhecendo que a queda da oferta provocará
super-capacidade a jusante.
Mas recorde-se que a tarefa dos administradores é cantar para o Mercado
de Acções a fim de proteger os interesses dos seus accionistas
sob o sistema actual pelo qual os méritos dos dividendos de uma firma
submeteram-se a movimentos especulativos no Mercado, o qual é em grande
medida um exercício de relações públicas, quando
estes correctores podem ter pouco entendimento real dos negócios nos
quais tomam posições ("investimento" dificilmente
é a palavra). Simplesmente não é tarefa de administradores
de companhias de petróleo preocuparem-se com questões globais.
Mas dito isto, eles começam a insinuar e semi-admitir a verdade
óbvia: a Total e a Chevron são provavelmente a mais directas,
sendo a BP a menos de todas.
NJ: Como se formou o petróleo, quando se formou, onde se forma o
que é que isto nos diz acerca da probabilidade de encontrar novo
petróleo significativo no meio do Atlântico... ou no
Árctico?
CC: O grosso do petróleo do mundo foi formado sob
condições especiais de aquecimento global há 90 e 150
milhões de anos atrás.
[NR 1]
Proliferaram algas nas águas quentes tropicais iluminadas pelo sol e a
superfície quente da água impediu a circulação
normal de modo que condições estagnantes anóxicas
verificaram-se nas profundidades. Os resíduos orgânicos das algas
foram consequentemente preservados em fendas
(rifts).
Ao serem enterradas a cerca de 2000 metros, foram bastante cozidas para serem
convertidas em petróleo, o qual começou então a mover-se
para cima. Muito escapou ou foi dissipado, mas algum ficou preso no topo de
estruturas geológicas (anticlinos como abóboda ou contra fugas).
Além destas duas épocas principais houve outras ocorrências
locais de pouco significado global. Naturalmente, quanto mais velha a rocha
fonte maior a probabilidade de perda ao longo do tempo geológico.
NJ: Qual a sua opinião sobre o crescimento das reservas?
CC: Avaliar a dimensão de um campo de petróleo no início
da sua vida não coloca qualquer desafio científico particular,
embora naturalmente a avaliação esteja sujeita a um grau de
incerteza. A divulgação da sua dimensão é uma outra
questão.
As companhias de petróleo estiveram sujeitas a regras estritas das
Bolsas de Valores destinadas a impedir o exagero fraudulento ao favorecer
sub-relatando com prudência comercial. Consequentemente as grandes
companhias relatavam tanto quanto precisavam para apresentar um resultado
financeiro satisfatório. As resultantes revisões em alta davam
uma imagem confortante mas enganosa de crescimento de reservas.
Contudo, esses dias estão substancialmente ultrapassados pois os campos
gigantes proporcionam a principal esfera de acção para
revisão em alta amadurecidas. A OPEP por sua vez exagerou muito na
década de 1980 quando os seus países competiam uns com os outros
por quotas baseadas no que relatavam como reservas. A indústria
desenvolveu várias tecnologias (vapor, azoto, injecção de
CO2 e perfuração horizontal mais sísmica refinada para
mapear os reservatórios em pormenor) as quais podem aumentar a
recuperação e portanto dar um crescimento de reservas. Mas a
possibilidade de fazer isso podia facilmente ter sido prevista no
princípio da vida do campo, mesmo que não fosse normal
relatá-lo.
NJ: Na reunião da ASPO após a conferência de Barcelona o
sr. estava a falar acerca de abandonar a sua newletter no fim de 2008 e
após cerca de um milhar de notícias. O plano futuro era que
secções nacionais da ASPO produzissem newsletters, ou submetessem
notícias para alguém correlacioná-las. Isso ainda
está de pé?
CC: Sim, estou um bocado indeciso acerca do futuro da ASPO Newsletter.
Obviamente não posso manter-me a fazer para sempre e além disso a
mensagem principal já foi entregue. Assim, vejo-me a tratar cada vez
mais de assuntos políticos em relação aos quais não
tenho qualquer qualificação.
A ASPO evoluiu como uma organização solta à qual faltava
qualquer administração norma ou regras de coesão, mas
é uma boa coisa que diferentes entidades possam fazer o que seja
apropriado e possível nos seus próprios países. Suponho
num certo sentido que a Newsletter permita ao conjunto dar uma finalidade comum.
Um modelo pode ser revezar a direcção geral (incluindo a da
newsletter), mas na prática duvido que isto possa acontecer. Num certo
sentido a sua missão foi cumprida ao tratar publicamente da Segunda
Metade da Era do Petróleo no momento em que tudo está em
declínio e clama por abordagens muito diferentes.
NJ: Estaremos a progredir na implementação de tecnologias que
utilizem fontes de energias alternativas a uma taxa suficientemente
rápida para impedir um colapso económico ou, pelo menos, para
minimizar o impacto que o Pico Petrolífero tem ou
terá sobre a economia global?
CC: Duvido que energias renováveis alguma vez substituam o
petróleo e o gás de modo suficiente a fim de manter a ordem
passada das coisas ou, menos ainda, para permitir que o crescimento
económico continue. Elas são naturalmente muito
necessárias para a sobrevivência de comunidades.
A minha própria preferência é a energia das marés
para aproveitar os fluxos maciços regulares de água.
Aparentemente podem-se construir muros sobre leito do mar, como funis,
forçando as marés a aumentarem de velocidade no ponto de
constrangimento e assim girar um rotor, gerando electricidade. Mas
aparentemente até agora tais esquemas não competem com
petróleo e gás baratos.
Há naturalmente um campo vasto para utilizar menos energia:
desligar todos aqueles alto-falantes e écrans de TV em lugares
públicos ajudaria.
NJ: Qual o efeito que têm as novas tecnologias nas
projecções de quando a produção atingirá o
pico?
CC: Não penso que novas tecnologias venham a ter qualquer impacto sobre
a data do pico, a qual estimo ter sido atingido em 2008 ("todos os
líquidos"), mas elas podem certamente melhorar o declínio
subsequente. Penso que a maior parte das tecnologias necessárias
já são bem conhecidas, de modo que a questão é mais
acerca da aplicação das mesmas do que inventar uma varinha
mágica.
NJ: Há muito debate acerca da razão porque os preços do
petróleo estiveram tão elevados neste Verão, e de porque
caíram tão rapidamente desde então. Qual é a
explicação para isto? Os preços elevados foram devidos
à "especulação" como muitos argumentaram ou era
oferta e procura, ou ambos, ou alguma outra coisa?
CC: Penso que o petróleo regular convencional atingiu o pico em 2005 e
os preços começaram a elevar-se, embora a escassez fosse
parcialmente maquilhada pela produção custosa das areias
betuminosas e das águas profundas. A tendência de
elevação do preço atraiu o interesse de traders que
começaram a comprar futuros e assim por diante. Também pode ter
feito sentido para a indústria manter os tanques cheios, vendo-os
aumentarem de valor.
Mas a elevação do preço finalmente teve um impacto adverso
sobre a economia real e os traders astutos começaram a descarregar,
vendendo a descoberto
(selling short)
no mercado de futuros. A industria também pode ter começado a
drenar os seus tanques.
Mas talvez o fluxo de petrodólares tenha sido mais importante do que os
altos preços entregues aos governos e famílias reais do
Médio Oriente, onde ainda custa US$10-15 produzir petróleo. Eles
provavelmente enviam o excedente para bancos ocidentais que prontamente o
emprestam com colaterais cada vez menos seguros. Os petrodólares
não eram realmente dinheiro no sentido de representar trabalho ou troca,
mas simplesmente o aproveitamento da escassez.
Todo o frágil edifício financeiro entrou agora em crash e alguns
dos governos mais tolos começaram a bombear ainda mais dinheiro
fictício dentro do sistema a fim de estimular novo consumo. Tais
políticas podem ter êxito por um breve momento, mas apenas
farão o crash seguinte ainda pior.
Entrámos num novo mundo, quando a principal fonte de energia que impeliu
durante o anómalo passado de dois séculos encaminha-se para o
declínio do esgotamento natural. Isto não é
necessariamente uma mensagem do juízo final. Conheci muitos povos
simples em diferentes partes do mundo que sorriem e riem por não fazerem
parte da sociedade de consumo.
Há sinais encorajadores. Uma equipe de filmagem da BBC que esteve aqui
recentemente contou-me que se haviam tornado tão convencidos da
questão do Pico Petrolífero, a qual haviam estudado para fazerem o
seu programa, que haviam decidido deixar a BBC e comprar uma pequena
propriedade agrícola no Oeste da Inglaterra para ali construir um futuro
simples e sustentável. Aquilo foi muito encorajador, penso eu.
[*]
Fundador e Presidente honorário da Association for the Study of Peak Oil and Gas (ASPO)
[**]
Fotojornalista. Os seus trabalho podem ser vistos
aqui.
[NR 1] Há outras teorias. Ver
A resolução do paradoxo do petróleo
, de Thomas Gold.
O original encontra-se em
http://europe.theoildrum.com/node/5315#more
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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