Se eu for enganado duas vezes, a vergonha é minha
A indústria petrolífera relança o conto falso da
abundância
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Se você actua sob a hipótese de que o petróleo da terra
ou pelo menos o material barato está prestes a acabar,
não vai prosperar na nova era do petróleo. A tecnologia
está a tornar possível descobrir, produzir e refinar
petróleo tão eficientemente que a sua oferta, pelo menos para
finalidades prática, é basicamente ilimitada.
BusinessWeek, 14/Dezembro/1998 |
Esta era a história contada pela indústria antes de uma
década de ascensão nos preços que culminou num pico
histórico em 2008. Só mesmo a indústria petrolífera
teria agora a audácia de mais uma vez apregoar como se fosse novidade
um conto que se revelou errado ao longo de mais de uma década.
Ao alistar os media e o seu exército de consultores pagos, a
indústria está mais uma vez a dizer ao público que a
abundância de petróleo está à mão. E, o que
é duplamente audacioso, é que ela está a promover este
conto quando os preços do petróleo pairam a níveis mais de
oito vezes superiores dos de 1999. A indústria está claramente a
contar com a amnésia colectiva para se proteger do ridículo.
O propósito da indústria é transparente. Assegurar que o
mundo permaneça viciado em combustíveis fósseis
convencendo a todos que as nossas fontes de energia mais de 80% das
mesmas são combustíveis fósseis não precisam
mudar. É uma estratégia vencedora mesmo que a sua premissa
esteja errada, pois as companhias de petróleo
ainda têm enormes reservas de combustíveis fósseis debaixo
da
terra que querem vender a preços máximos. E vão
conseguir esses preços máximos se os governos, as empresas
e as famílias deixarem de se converter para alternativas e permanecerem
portanto reféns dos combustíveis fósseis.
Num golpe de génio de relações públicas, a
indústria enviou recentemente um dos seus,
Leonardo Maugeri
, um
executivo italiano do petróleo, para um trabalho extra como
"research fellow"
em Harvard. É difícil imaginar um nome
mais prestigioso para propalar os sistematicamente ultra optimistas
pronunciamentos da indústria acerca da oferta petrolífera
muito embora sejamos informados em tipo itálico no rodapé do
relatório de Maugeri que "declarações e visões
expressas neste resumo são unicamente as do autor e não implicam
endosso por parte da Universidade de Harvard, da Harvard Kennedy School ou do
Belfer Center for Science and International Affairs". Imagine quantos
media imprimiram esta ressalva.
Pode encontrar o relatório de Maugeri
aqui
. O que não
encontrará aí ou nos relatos habituais dos media são as
suas previsões sistematicamente falhadas acerca da ascensão da
oferta na última década, oferta que era suposto resultar numa
inundação de petróleo.
Aqui está uma jóia de 2006 num artigo que escreveu para a Forbes Magazine
: "Uma previsão plausível é que no fim da
década a procura diária por petróleo ter-se-á expandido em 7 a 8
milhões de barris. Se a produção global continuar
às taxas actuais, ela poderia crescer em 12 a 15 milhões de
barris por dia nesse período. Por outras palavras, há
petróleo mais do que suficiente no terreno".
A alegação de Maugeri era que altos preços resultariam
numa resposta da oferta que trariam de volta a abundância dos bons velhos
tempos. Naturalmente, ninguém a cobrir o seu recente
relatório teve o incomodo de mencionar que a sua previsão de 2006
estava errada e não por apenas um pouco. A
produção mundial de petróleo tem estado estagnada desde
2005. A sua alardeada resposta da oferta nunca se materializou.
Mas não foi por falta de tentativas da indústria
petrolífera. Como explicou John Westwood, presidente da empresa de
consultoria em energia Douglas-Westwood, numa recente
apresentação de diapositivos, está a tornar-se
excessivamente difícil acrescentar nova capacidade de
produção de petróleo.
Uns US$2,4 milhões de milhões
(trillion)
de despesas de capital da indústria
petrolífera, entre 1994 e 2004, aumentaram a taxa mundial de
produção de petróleo em 12 milhões de barris por
dia. Contudo, os US$2,4 milhões de milhões em despesas de capital
gastos entre 2005 e 2010 resultaram numa
diminuição
na taxa de produção de petróleo de 200 mil barris por dia
(Ver diapositivo 8).
Ainda assim, Maugeri e a indústria como um todo continuam a tentar
convencer toda a gente de que as coisas agora mudaram. Naturalmente, eles
persistentemente permanecem longe dos
dados e tendências reais
as quais mostram ofertas de petróleo estagnadas desde 2005 apesar da
ascensão de preços, algo que tenderia a refutar a sua
posição. E eles tentam confundir a questão com o
acréscimo de coisas que não são petróleo aos números da oferta de petróleo
, tais como líquidos de
instalações de gás natural e biocombustíveis, e a
seguir aplaudem-se a si próprios por estarem certos acerca da
ascensão da produção de petróleo quando, de facto,
estão realmente errados.
Maugeri e outros argumentam não com a utilização de factos
e sim de fantasias. Tentam vender seu futuro imaginado
recorrendo a vastas ofertas de petróleo de fontes com teor extremamente baixo e que ninguém até então compreendeu como extrair lucrativamente
, tais como
xisto petrolífero
(oil shale)
não confundir com óleo de xisto
(shale oil)
o qual é adequadamente chamado
tight oil
. Ou
projectando taxas irrealistamente baixas do declínio mundial dos campos existentes
, pretendendo que os campos existentes são algo
como fábricas que se pode fazer produzir não muito abaixo dos
níveis actuais por um período de tempo prolongado ao invés
de declinarem a taxas historicamente observadas. Ou então ainda
empenhando-se em projecções fantasiosas do crescimento da oferta
não baseadas nos dados existentes e num entendimento adequado da
informação histórica e técnica.
Mas como qualquer bom profissional de RP lhe dirá, é a manchete
que conta. Assim, Maugeri e outros obtiveram toda espécie de manchetes a
proclamarem uma nova era de abundância petrolífera. Os
repórteres tendem a centrar-se nos números mais altos e
afirmações mais grossas de qualquer relatório. E
o público frequentemente avalia a verdade de tais afirmações, especialmente se forem de natureza técnica, pelo número de vezes que as ouve
.
Com o preço do petróleo na Europa ainda paira acima dos US$100
por barril, as pessoas acham confortantes as historietas de Maugeri e outros
porque as mesmas prometem continuidade. Mas a mudança já
está em torno de
nós nos mercados de petróleo e tem estado durante mais de uma
década. Finalmente, a volatilidade destes mercados e as realidades da
oferta constrangida demonstrarão ao público a verdade acerca da
matéria. Nessa altura, contudo, poderemos ter perdido uma outra
década de preparação devido à complacência
criada por uma habilmente fabricada fantasia de abundância destinada a
adormecer os decisores políticos e o público num transe sonhador
de aquiescência.