A identificar o "petróleo" que mais preocupa
O "petróleo" mundial tem sido definido de diferentes modos por
diferentes entidades. A International Energy Agency (IEA, da OCDE) e a Energy
Information Administration (EIA, do governo dos EUA) definiram-no como o total
de hidrocarbonetos líquidos incluindo petróleo bruto,
lease condensates
[NT]
, líquidos de gás natural, petróleo pesado, areias
betuminosas, biocombustíveis e ganhos de processamento em refinarias.
Nos seus estudos pormenorizados, Colin Campbell tem utilizado as seguintes
categorias: 1) petróleo e gás convencionais; 2)
petróleo pesado (<17,5 graus API) e betume; 3) petróleo
extraído do xisto (obtido por aquecimento de rochas-fonte imaturas);
4)
tight oil
(também conhecido como petróleo de xisto, extraído por
fracturação hidráulica de formações rochosas
a que faltem adequadas porosidades e permeabilidades naturais); 5)
petróleo de águas profundas (>500m); 6) petróleo
polar; e 7) líquidos de gás natural (NGLs) de
instalações de gás. Outros analistas optaram por
utilizar o conteúdo energético como meio de
diferenciação entre "petróleos convencionais" e
líquidos com conteúdo energético mais baixo, tais como
NGLs e biocombustíveis.
Estas e outras definições têm valor em diferentes
contextos, mas desde há muito não estou satisfeito com elas no
contexto da explicação para o público da tragédia
iminente do "pico petrolífero". Também sinto que a
expressão "pico petrolífero" tem inconvenientes, devido
aos vários modos como a expressão tem sido definida. Prefiro a
frase menos atraente "o iminente declínio dos combustíveis
líquidos mundiais para os transportes", porque quando o
declínio tiver início o mundo será confrontado com
escassez de combustível para transportes e escalada de preços, o
que serão as tragédias acerca das quais muitos na
"comunidade do pico petrolífero" têm estado preocupados.
Há alguns meses, perguntei a alguns colegas sobre
definições alternativas de "petróleo" para
melhor descrever a expressão de um modo que possa fazer mais sentido
para um público mais vasto. Kjell Aleklett, professor de física
na Universidade Uppsala, Suécia, sugeriu combustíveis utilizados
para transportes produzidos em refinarias. Esse conceito impressionou-me e
considerei-o como potencialmente utilizável e a prosseguir com ele.
Para encurtar uma história longa, acredito que é uma tese
convincente que o declínio dos combustíveis para os transportes
mundiais marcará um grande ponto de viragem nas economias modernas,
devido à importância dos mesmos para actividades humanas
essenciais. A taxa de declínio inicial tem sido estimada por
vários analistas e está aberta à incerteza, devido
à miríade de variáveis envolvidas. A taxa de
declínio a longo prazo ditará o grau de dano económico. Se
for rápida, digamos de 3 a 5 por cento ano, provavelmente será
catastrófica, mas se for inferior a 1 por cento por um período
razoável, provavelmente poderá ser acomodada sem
consequências graves.
Os dados sobre a produção das refinarias mundiais estão
disponíveis em várias fontes. Uma delas a
BP Statistical Review
apresenta a seguinte decomposição dos produtos das
refinarias:
destilados leves
, consistentes de gasolinas para aviação e motores e destilados
leves como matéria-prima;
destilados médios
, consistentes de querosenes para jacto e para aquecimento, e gasóleo
(incluindo bancas marítimas);
fuel óleo
, incluindo bancas marítimas e petróleo bruto utilizado
directamente como combustível; e
outros
, consistentes de gás de refinaria, GPL, solventes, coke de
petróleo, lubrificantes, betume, cera, outros produtos refinados,
combustível de refinaria e perdas. Esta decomposição
conduz-nos a um longo caminho rumo ao isolamento dos combustíveis para
transportes mas não até o fim. Os destilados leves e
médios e os fuel-óleos abrangem os seguintes combustíveis
para transportes: gasolinas para motores e aviação, jet fuel e
gasóleos incluindo bancas marítimas. A categoria de
"outros" inclui produtos geralmente não utilizados como
combustíveis para transportes. As áreas problema incluem
destilados leves para matéria-prima, querosenes para aquecimento e
petróleo bruto não utilizado directamente como combustível
para transporte, e os biocombustíveis, os quais, ainda que em pequena
quantidade, precisam ser acrescentados como o único combustível
de transportes não produzido em refinaria de petróleo.
Ao reflectir sobre esta abordagem, o analista britânico Chris Skrebowski
destacou os seguintes pontos: "Os seus destilados leves incluem
light distillate feedstock
(LDF) os quais para você e eu é nafta e não
combustível para transportes. Grosseiramente, metade da nafta é
utilizada como uma matéria-prima petroquímica e a outra metade
como
reformer feedstock
para fabricar uma combinação de gasolina. Mas para evitar dupla
contagem, assumo que eles só contam os números da gasolina
acabada. Tipicamente, a nafta petroquímica representa cerca de 5% do
barril do produto mas pode ser mais ou mais baixa.
"Para destilados médios o principal problema é o
gasóleo. O diesel é simplesmente um gasóleo acrescido de
acetona e outras especificações. Nos últimos anos, tem
sido fabricada uma quantidade cada vez mais desta fracção e
vendida com especificação diesel, sendo o restante vendido para
fins de aquecimento. O querosene de aquecimento tem agora um volume demasiado
baixo para nos preocuparmos muito com isso mas o gasóleo não
precisa ser removido. Os dados sobre a divisão entre gasóleo e
diesel são realmente maus pois tanto a IEA como a EIA geralmente
agregam-nos num só número.
"Para o fuel óleo, globalmente o mercado mundial de bancas
está abaixo de 1 milhão de barris/dia (mbd), sendo o resto
destinado a geração de energia eléctrica ou outros usos em
caldeiras. De modo que se este desce para 80% (uma aproximação
primitiva) será um número demasiado elevado para os
combustíveis utilizados em transportes. Se disser, como é
razoável, que a maior parte dos lubrificantes e a maior parte do betume
utilizado está directamente ligado aos transportes mas retirar o
gasóleo, nafta e outras utilizações do fuel óleo,
provavelmente chegará a uma amplitude de 72 a 75 por cento".
A partir de uma análise que fiz utilizando dados da EIA e seguindo
Skrebowski, assumi que 75 por cento da produção total mundial das
refinarias será provavelmente uma boa primeira estimativa da
produção mundial de combustíveis para transportes.
Utilizando dados da
BP Statistical Review,
de Junho de 2012, estimei a
produção mundial de combustíveis para transportes no
período 2001-2011. Comparando isso com os dados da BP para a
"Produção total (mundial) de petróleo",
obteve-se o gráfico abaixo.
Dentre as conclusões deste exercício preliminar destacam-se as
seguintes:
-
Centrarmo-nos nos combustíveis para transportes é centrarmo-nos
nos impactos mais importantes que a declinante oferta mundial de
petróleo terá sobre economias modernas. Isto não significa
ignorar os impactos da escassez de outros produtos sobre as suas respectivas
áreas industriais e entre consumidores; é simplesmente uma
questão de considerar os impactos provavelmente maiores.
-
A estimativa da produção de combustíveis destinados a
transportes ao longo dos últimos anos mostra um crescimento geralmente
linear do total de líquidos durante o período do chamado
"planalto da produção"
("production plateau").
A minha suposição é que o aumento linear resulta de
refinarias a pressionarem seus produtos em direcção aos produtos
de preços mais altos (combustíveis para transportes) e
afastarem-se dos produtos de valor mais baixo. Muitas refinarias têm a
capacidade de mudar [a composição da produção] sem
efectuarem grandes novos investimentos. É necessário
análise pormenorizada para estabelecer que se trata disso e o grau em
que é possível nova mudança sem e com grandes novos
investimentos em refinaria.
-
No nosso
trabalho anterior sobre mitigação
(Hirsch, Bezdek e Wendling), não considerámos o potencial para
transformar
(upgrading)
combustíveis de valor mais baixo não destinados a transportes em
combustíveis de valor mais elevado para transportes. Esse caminho para o
incremento da produção de combustíveis para transportes
é viável até um certo ponto e merece análise mais
cuidadosa para determinar o seu potencial, custo e prazo.
-
Para além deste esforço preliminar, uma análise mais
pormenorizada pode ser útil e proporcionar entendimentos úteis.
[NT] Lease condensates: Líquidos provenientes de furos de gás
natural e que condensam à temperatura ambiente.
Do autor em resistir.info:
Restrições à produção mundial de petróleo
A mãe de todas as crises de energia
O fraco crescimento do PIB mundial e o Pico Petrolífero
Pico petrolífero – O que faremos agora?
A muralha do Pico Petrolífero
O pico da produção mundial de petróleo: impactos, amenização & gestão de riscos
A necessidade do planeamento a fim de amenizar as consequências da produção máxima mundial de petróleo
A iminente desordem energética mundial
[*]
Antigo conselheiro sénior do programa de energia da Science Applications
International Corporation e actual Conselheiro Sénior sobre Energia no
MISI e consultor em energia, tecnologia e gestão. Foi o autor principal
do relatório
Peaking of World Oil Production: Impacts, Mitigation, and
Risk Management,
redigido para o Departamento da Energia dos EUA.
O original encontra-se em
Peak Oil Review
, 03/Dezembro/2012
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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