A muralha do Pico Petrolífero
por Robert L. Hirsch
entrevistado por Steve Andrews
Robert L. Hirsch é o autor principal do importante relatório
Peaking of World Oil Production: Impacts, Mitigation & Risk Management
[1]
escrito para o National Energy Technology Laboratory (NETL) do
Departamento de Energia (DOE) dos Estados Unidos e divulgado no
princípio de 2005. Hirsch tem-se mantido activo em
relação
às suas preocupações acerca do Pico Petrolífero.
Steve Andrew, da
ASPO-USA
, conversou com ele na semana passada a fez-lhe algumas perguntas acerca do
relatório, na altura e agora. O entrevistado
será um dos expositores na conferência da ASPO-USA em Denver no
mês que vem (11-13 de Outubro).
Pergunta: Quais têm sido as suas áreas primárias de
interesse durante a sua carreira na energia?
Hirsch: Comecei na energia nuclear. A seguir fiz investigação em
fusão e depois administrei o programa de fusão do governo.
Dediquei um bocado de tempo às renováveis, ao longo de anos,
incluindo a administração do programa federal de
renováveis. Dali fui para a indústria do petróleo onde
administrei investigações de grande alcance na
refinação e depois nos combustíveis sintéticos.
Mais tarde administrei a investigação e o desenvolvimento a
montante a exploração e produção de
petróleo e gás. Depois disso passei algum tempo na
indústria da energia eléctrica todos os aspectos da
energia eléctrica. E então fui para os estudos de energia e tenho
estado a fazê-los desde há vários anos com a Rand, SAIC e
agora MISI. Isto do ponto de vista do trabalho; de outro ponto de vista estive
envolvido com as Academias Nacionais [de Ciências] em estudos de energia
desde 1979 e também estive envolvido em quase todos os aspectos da
energia dentro das Academias, como participante de comité ou como
presidente do seu Board on Energy and Environmental Systems.
P.: Quando ouviu falar pela primeira vez acerca da questão do Pico
Petrolífero?
Hirsch: Soube do Pico Petrolífero depois de sair da indústria do
petróleo, porque no essencial não havia conversas acerca disso
quando nela estava envolvido. No princípio dos anos 2000 fiz um estudo
para o DOE que tratava do planeamento da I&D da energia a longo prazo. Um dos
seis fios condutores que sugeri era o Pico Petrolífero. Eu nunca pensara
realmente acerca dele antes disso. É uma espécie de "boneco
de piche", quando se põe as mãos nele não se pode
retirá-las. Quando a produção de petróleo entra em
declínio, está a ser uma questão definitiva para a
humanidade. De modo que estive envolvido durante seis ou sete anos na
análise do pico e na sua atenuação.
P.: Como é que foi possível o estudo de 2005 do Pico
Petrolífero para o NETL do DOE?
Hirsch: Foi basicamente criação minha. Eu estava a trabalhar com
o NETL-DOE naquele tempo e eles deram-me uma grande liberdade de
acção para examinar assuntos importantes. Senti que o Pico
Petrolífero era extremamente importante, de modo que fiz algum estudo
por mim próprio e então propus ao NETL que fizesse um muito mais
vasto, com Roger Bezdek e Bob Wendling, que são pessoas extremamente
capazes, com que eu trabalhara, e que eram muitos pragmáticos acerca de
energia e do mundo real. O NETL aceitou. Eu já estava sob contrato e
eles acrescentaram o Roger e o Bob.
Coordenámo-nos estreitamente com o NETL enquanto fazíamos o
estudo,
de modo que eles tinham informação e sabiam o que estava para
vir. Mas quando viram
o relatório final ficaram chocados, apesar de terem podido ver o que
estava
em gestação. Isto não é nada de negativo acerca das
pessoas do NETL,
mas quando se pensa acerca de outras coisas a maior parte do tempo, más
notícias que rastejam para si não despertam necessariamente a sua
atenção no imediato.
Quando o relatório estava pronto, a administração do NETL
não sabia realmente o que fazer com ele porque era demasiado chocante e
as implicações eram muito significativas. Finalmente, a directora
decidiu que o assinaria porque estava em vias de se reformar e não podia
ser prejudicada, ou assim me contaram. O relatório não foi
publicitado amplamente. De alguma forma foi obtido por uma escola
secundária em algum lugar na Califórnia, finalmente o NETL
colocou-o no seu sítio web. O problemas para o pessoal do NETL e
são realmente boas pessoas era que estavam sob um bocado de
pressão para não serem portadores de más notícias.
P.: Sob pressão de quem?
Hirsch: De pessoas na hierarquia do DOE. Isto é verdadeiro tanto nas
administrações republicana como democrata. Há, penso,
ampla evidência, e algumas pessoas no DOE chegaram a dizê-lo
especificamente, que pessoas na hierarquia do DOE, sob ambas as
administrações, entenderam que havia um problema e suprimiram o
trabalho na área. Sob o presidente Bush fomos não só
capazes de fazer o primeiro estudo como também um estudo a seguir que
examinava a teoria económica de atenuação
(mitigation).
Depois disso, a visibilidade aparentemente tornou-se tão alta que
disseram ao NETL para cessar qualquer novo trabalho sobre Pico
Petrolífero.
Sim, aquilo foi terrível. E foi estritamente político e de
nomeados políticos não tenho ideia de quão longe em
uma ou outra administração (a actual e a anterior) subiam estas
questões, então ou agora. Pessoas na administração
Clinton falaram acerca do Pico Petrolífero, incluindo o presidente
Clinton e o vice-presidente Gore, e o mesmo é verdadeiro na
administração Bush, e ainda verdadeiro, de acordo com o meu
conhecimento, na administração Obama.
A história do Pico Petrolífero é definitivamente uma
história de más notícias. Não há
simplesmente qualquer meio de açucará-la, de fazer diferente do
que fiz na ocasião e que é dizer que por volta de 2050 teremos
certamente de atravessar a recessão do Pico Petrolífero
bastante provavelmente uma recessão muito profunda. E tenho fé
nas pessoas
em última análise. Mas é uma história de más
notícias e quem está pronto a erguer-se e falar
acerca da historia das más notícias e detem uma
posição de responsabilidade no governo precisa imediatamente a
seguir dizer: "eis o que estamos em vias de fazer acerca disto", mas
ninguém parece preparado para isso.
O Pico Petrolífero é uma questão muito maior do que os
cuidados de saúde, do que os défices do orçamento federal
e assim por diante. Estamos a falar acerca de algo que, para adoptar uma
posição de meio caminho nem o Armagedão extremo
e nem o lá-lá-lá optimista de certas pessoas ,
está em vias de ser extremamente danoso para os EUA e as economias
mundiais durante um muito longo período de tempo. Não há
consertos rápidos.
P.: Como descreve a sua abordagem chave no estudo de 2005?
Hirsch: O que fizemos foi examinar um programa relâmpago de
atenuação à escala mundial. Estávamos interessados
no melhor que fosse humanamente possível. Aquilo era um caso de
limitação. Há muitas razões porque, sob as melhores
condições, as coisas não podem e não irão
tão rápido quanto supusemos. Sabíamos à partida que
o sistema energético era enorme e que a quantidade de equipamento a
consumir produtos petrolíferos de uso final era enorme. Sabíamos
que isto não podia ser alterado rapidamente e que, num certo
número de casos, não havia nada a mudar nenhuma
alternativa aos combustíveis líquidos. Também
sabíamos que a eficiência energética poderia fazer uma
grande diferença, mas ficámos surpreendidos ao saber que a
melhoria
na economia de combustível do veículo levaria muito mais tempo do
que havíamos imaginado antes de fazermos as nossas análises.
Descobrimos que como a taxa de declínio na produção
petrolífera mundial estava em vias de ser múltiplos per centos
por ano, iria levar longo tempo para que a atenuação
alcançasse o declínio na produção mundial de
petróleo. Basicamente, o melhor que descobrimos era que começar
um programa relâmpago de 20 anos à escala mundial antes de o
choque nos atingir evitaria sérios problemas. Se você
começar 10 anos antes, você terá um bocado de
perturbação; e se esperar até ao último minuto
até que o problema seja óbvio, então estará em
profunda perturbação durante um período muito maior que
uma década. Como se verifica, já não temos os
10 ou 20 anos que constituíam dois dos nossos cenários.
P.: Quais foram as reacções imediatas das pessoas fora do governo?
Hirsch: Informámos todas as espécies de audiências,
incluindo pessoas na hierarquia e ao nível de comité nas
Academias Nacionais. Fizemos palestras para audiências técnicas e
leigas e temos estado a fazê-las durante anos. Também
publicámos versões mais curtas em vários media.
Provavelmente a resposta mais generalizada que recebemos foi a descrença
"isto
não pode acontecer
". E há também um certo número de pessoas que
concordam, rapidamente ou após alguma reflexão, em que o
raciocínio é sólido, tanto em termos de
produção mundial de petróleo como de
atenuação. Há sempre algumas pessoas que rejeitam o Pico
Petrolífero de modo peremptório e, de facto, passam ao
contra-ataque e argumentam contra ele. Suspeito que as várias
espécies de reacções que acabo de descrever são
aquilo que muitas pessoas na comunidade do Pico Petrolífero têm
enfrentado.
P. Qual é a sua impressão acerca do workshop sobre o Pico
Petrolífero realizado em Outubro de 2005 na Academia Nacional de
Ciências?
Hirsch: Foi útil porque atraímos uma amostragem de
raciocínios e porque houve alguma discussão aberta. Mas as
discussões não foram de modo algum satisfatórias. As
pessoas basicamente declararam as suas posições e não
houve qualquer debate sobre o que era real e não era real e quão
sólida era a prova. Mas isso faz parte das características de um
workshop da Academia; eles são configurados, e por boas razões,
para as pessoas apresentarem posições com a ideia de educar e,
possivelmente para além disso, levar a um estudo mais pormenorizado da
Academia. As Academias não tomam posições sem fazerem
análises pormenorizadas e passarem o estudo subsequente através
de um processo de revisão muito cuidadoso. Penso que esta abordagem tem
servido bem as Academias. Mas neste caso particular, com governos a quererem
silenciar qualquer discussão aberta do Pico Petrolífero,
não houve consequência.
P.: No tempo em que publicou o seu documento, eu o caracterizaria como sendo
intencionalmente neutro acerca do timing do Pico Petrolífero de modo a
que os leitores não ficassem apaixonados por essa questão. Desde
que o estudo foi publicado, como tem evoluído a sua visão acerca
do timing do Pico Petrolífero?
Hirsch: Para começar, eu sabia bastante acerca da produção
de petróleo e das suas incertezas e incógnitas para sentir,
quando entrei no assunto, que não podia fazer um julgamento fundamentado
demasiado cedo. De modo que passei um certo número de anos a ouvir o que
outras pessoas tinham a dizer, a estudar as suas análises e a examinar o
que estava a acontecer no mundo real antes de chegar a uma conclusão por
mim próprio. Não era um assunto de política. Era o facto
de que este problema é enormemente complicado e de que há uma
série de incógnitas. Por mim, pelo menos, não estava
prestes a tomar uma posição sobre o
timing
sem ter um monte de provas que suportassem a minha posição. E
assim foi só cerca de um ano e meio ou dois anos atrás que
comecei a considerar que o provável
timing
do declínio da produção mundial de petróleo ser
em algum momento dentro dos próximos cinco anos.
P.: Dado o ponto em que estamos hoje, se fosse nomeado o czar da energia que
iniciativas políticas perseguiria?
Hirsch: Se eu estivesse envolvido no governo a alto nível, argumentaria
muito fortemente junto ao presidente para a necessidade de ele assumir a
liderança nacional e internacional sobre o problema. Ele deveria fazer
alguma lição de casa a fim de garantir que percebe o que
são
as questões fazer isto silenciosamente e então
levantar-se e dizer: "mundo e país, temos um problema muito
sério e aqui está o que a minha administração se
prepara para fazer a respeito". Isto é o que eu argumentaria pois
alguma personalidade tem de se levantar e dizer que o imperador não tem
roupas. Vai ser muito difícil porque as pessoas não gostam de
ouvir más notícias e esta é terrível.
Quando ela penetrar nas consciências, os mercados cairão e
haverá uma imediata reacção recessionária, porque
as pessoas perceberão que isto é um problema tão horrendo
que ter uma perspectiva positiva sobre o emprego e a economia é muito
simplesmente irrealista.
P.: Considerando como está hoje a nossa liderança de topo, o que
é que os "preocupados com o Pico Petrolífero"
uma frase que penso ter sido cunhada por si no workshop de 2005 da Academia
devem fazer que já não estejam a fazer hoje?
Hirsch: Gostaria de saber. Isto é uma má notícia sob
quaisquer circunstâncias mas é uma notícia ainda pior em
meio a uma recessão. A minha abordagem é apresentar e argumentar
com
factos e realidades e tentar clarificar a confusão. Não penso que
faça qualquer bem, e não é o meu estilo, argumentar que o
mundo está a aproximar-se de um fim, argumentar o Armagedão. Essa
é a minha posição. Outras pessoas sentem que na verdade o
Armagedão é provável. Estão no seu direito. Receio
que, não importa o que qualquer de nós faça, talvez
não
obtenhamos a atenção do público até que os
preços do petróleo saltem outra vez e as pessoas sintam
sofrimento. Isso aconteceu no ano passado; a questão estava a obter cada
vez mais atenção quando os preços do petróleo
subiram porque 1) as pessoas foram prejudicadas, e 2) as pessoas sabiam que algo
estava errado. O centro e a atenção das pessoas nos dias de hoje
está voltado para questões sobre a recessão e elas
não querem que se somem novas más notícias àquelas
com que já têm de lidar. Eu desejaria poder ser
optimista e dizer que há uma varinha mágica de alguma
espécie, mas se houver não sei o que é.
P.: Alguma ideia final?
Hirsch: Tenho tentado pensar os termos em que podemos passar a mensagem e
conseguir a atenção das pessoas. Não encontro nada que
pudesse fazer que já não esteja a fazer, excepto escrever um
livro, o qual acabámos de começar. Mas outras pessoas têm
outras ideias, oportunidades e conexões, de modo que eu as instaria a
conceberem meios para racionalmente, razoavelmente, conseguirem o envolvimento
de mais decisores em 1) reconhecer o problema e 2) ajudar a elevá-lo aos
mais altos níveis de governo de modo a que se possa começar uma
acção séria.
[1]
O pico da produção mundial de petróleo: impactos, amenização & gestão de riscos
, 13/Maio/2005.
O original encontra-se em
www.aspousa.org
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
.
|