A ascensão dos preços do petróleo e a queda do dólar
O célebre colunista do
New York Times
Thomas L. Friedman, um adepto da terra plana, numa polémica provocativa
(
Mr. Bush, Lead or Leave
, 22/Junho/2008) acusou o presidente dos Estados Unidos de ser o viciado em
chefe
do país no petróleo com "uma maciça, fraudulenta e
patética justificativa para uma política de energia". Ele
descreveu a estratégia do presidente como conseguir que "a
Arábia Saudita, nosso principal traficante, aumente a nossa dose por
alguns momentos e rebaixe o preço do petróleo apenas o suficiente
para que as energias renováveis alternativas não possam arrancar.
Tenta então fortalecer o Congresso para o levantamento da
proibição de perfurar no offshore e no Refúgio Nacional de
Vida Selvagem do Árctico".
Friedman admite que "vamos precisar de petróleo no futuro".
Mas diz que por razões geopolíticas prefere que os EUA obtenham
tanto petróleo quanto possível de furos internos. Também
admite que "o nosso futuro não está no
petróleo". Ele quer que o presidente conte ao país uma
verdade supostamente muito maior: "O petróleo está a
envenenar o nosso clima e a nossa geopolítica, e aqui está como
estamos em vias de romper com o nosso vício: Vamos estabelecer um
preço mínimo de US$4,50 por galão [US$1,19 por litro] para
a gasolina e de US$100 para o petróleo. E aquele preço
mínimo vai disparar investimentos maciços em energia
renovável particularmente vento, painéis solares e solar
térmico. E também avançaremos rumo a um programa
rápido para aumentar dramaticamente a eficiência da energia
térmica, levar a conservação a um nível
inteiramente novo e instalar mais potência nuclear. E quero que todo
democrata e todo republicano se una neste esforço".
Friedman fala como se quisesse que o presidente fosse um ditador
autocrático. Será que Friedman não sabe que com US$4,50
para a gasolina e US$100 para o petróleo bruto um grande número
de trabalhadores não será capaz de sustentar os seus lares neste
Inverno? Que companhias de aviação e outras empresas de
transporte enfrentariam a bancarrota? Será que não sabe que numa
democracia preços prolongados de US$100 traduzem-se num sério
problema político? O problema do petróleo não se presta a
soluções simplistas. Mas é precisamente isso que o nosso
adepto da terra plana propõe.
Mesmo corporações multinacionais estão a ser
forçadas a subir preços para impedir as perdas dos altos custos
da energia. Exemplo: a Dow Chemical (NYSE: DOW) acaba de anunciar que
aumentará o preço dos seus produtos em até 25% no
mês de Julho, após o aumento de 20% em Junho, num esforço
para compensar a implacável e contínua ascensão no custo
da energia e dos hidrocarbonetos. A companhia também aplicará
uma sobretaxa nos fretes de US$300 nos carregamentos por camião e US$600
nos carregamentos ferroviários, a entrar em vigor a 1 de Agosto de 2008.
Além disso, a Dow está parada temporariamente e a reduzir a
produção num certo número de fábricas, tendo
reduzido sua produção de óxido de etileno no mundo todo em
25%, e reduzido 30% da sua produção de ácido
acrílico na América do Norte. A Dow também
diminuirá 40% da sua capacidade de produção de estireno na
Europa, e reduziu a sua taxa de produção de poliestireno em 15%.
À luz de um declínio agudo nas vendas de automóveis, a
unidade automotiva da Dow está a anunciar uma série de medidas de
redução de custos que abrangem instalações, pessoas
e gastos externos, desinvestir no seu negócio de selantes de tintas e a
implementar consolidações de fábricas devido ao
encerramento de três unidades de produção. Além
disso, a Dow Building Solutions suspendeu temporariamente 20% da sua capacidade
europeia na produção de isolamento Styrofoam. No mês
anterior, a Dow anunciara planos para suspender três fábricas da
Dow Emulsion Polymers que representam 25% da capacidade da América do
Norte e 10% da capacidade europeia devido a declínios nos sectores da
habitação e dos bens de consumo, bem como à
ascensão de custos.
Andrew N. Liveris, presidente da Dow, descreveu estas medidas como
"extremamente indesejáveis mas totalmente inevitáveis"
quando o custo global do petróleo, gás natural e derivados de
hidrocarbonetos sobe cada vez mais alto, apesar dos esforços da empresa
para melhorar a eficiência energética em 22% entre 1995 e 2005, e
de um objectivo de mais 25% para 2015, a fim de cortar custos
significativamente, e com um conjunto de esforços quanto a energia
alternativa e matérias-primas alternativas. Ao longo dos últimos
cinco anos, a conta da Dow com hidrocarbonetos como matérias-primas e
energia aumentou quatro vezes, de US$8 mil milhões em 2002 para uma
estimativa de US$32 mil milhões este ano.
A General Motors anunciou planos para encerrar quatro fábricas de
camiões e Sport Utility Vehicels (SUVs), mencionando
redução de vendas de veículos grandes em
consequência do aumentos dos preços dos combustíveis. A
Ford adoptou acções semelhantes. Mas cerca de 65% do consumo de
petróleo refere-se aos transportes, um sector onde a tecnologia de
combustíveis alternativos é relativamente fácil de
enfrentar, com alternativas como motores eléctricos e
combustíveis substitutivos.
Na China, fabricantes de aço foram obrigados a anuir a um aumento
recorde nos preços do minério de ferro num movimento que
provavelmente aumentará globalmente o custo de carros, maquinaria e
outros produtos. Fabricantes chineses concordaram em pagar à empresa de
mineração anglo-australiana Rio Tinto mais 96,5% pelos seus
fornecimentos de minério este ano, o maior aumento anual desde sempre e
dez vezes o aumento de 9,5% pago em 2007, ultrapassando o aumento recorde de
71,5% em 2005 quando o boom das
commodities
começou a tomar impulso. O desenvolvimento dos combustíveis
desperta o temor de que a inflação global conduzida pelas
commodities
venha a continuar. A BHP Billiton, anglo-australiana, a maior companhia do
mundo de recursos primários, disse que o aumento recorde de 96,5% no
custo do minério de ferro anunciado pela Rio Tinto não era
suficiente, indicando que poderia pedir um aumento acima dos 100% aos seus
clientes siderúrgicos.
Na Coreia do Sul, a Pohang Iron and Steel Company (Posco), o terceiro maior
produtor de aço do mundo, aumentou os preços em até 21%,
elevando a inflação acumulada de preços para cerca de 60%.
A siderurgia gigante alemã Salzgitter A.G, empresa sucessora da
Reichswerke Hermann Göring do Terceiro Reich, também disse que
aumentaria os preços em 20%.
No meu artigo de 26/Maio/2005 no
Asia Times on Line,
The Real Problem with $50 Oil
, esbocei a teoria económica e a geopolítica do petróleo.
Os pontos principais são
actualizado abaixo para mostrar o impacto de um piso de US$100 para o
petróleo tal como proposto por Friedman.
É uma incorrecção de Friedman etiquetar a Arábia
Saudita como "nosso principal traficante"
(pusher).
Uma vez que os árabes também são semitas, pode-se ser
tentado a destacar que Friedman lança sobre si próprio
acusações de anti-semitismo quando alfineta injustamente a
Arábia Saudita.
O problema petrolífero do mundo começou em 1973 quando a OPEP,
formada em 1960, emergiu como um cartel efectivo após o embargo
árabe contra os EUA, Europa Ocidental e Japão por apoiarem Israel
na guerra do Yom Kippur. O embargo começou em 19 de Janeiro de 1973 e
terminou em 18 de Março de 1974. Durante aquele período de seis
meses, o preço de referência para Saudi Light aumentou de US$2,59
em Setembro de 1973 para US$11,65 em Março de 1974. Desde então,
a OPEP tem estabelecido preços de referência base para as
várias espécies de petróleo no mercado mundial, com a
Arábia Saudita como produtor de equilíbrio
(swing producer)
para aumentar ou diminuir a oferta a fim de estabilizar preços. Para
manter o preço do óleo no piso de US$100 como proposto por
Friedman, é necessária a cooperação da
Arábia Saudita a fim de reduzir a produção sempre que o
preço do petróleo caia abaixo desse piso de US$100. De acordo
com este padrão, a Arábia Saudita dificilmente pode ser chamada
de "principal traficante de petróleo".
Por alturas de 1984, os efeitos de uma década de preços de
petróleo mais elevados haviam afectado a procura estado-unidense na
forma de casas melhor isoladas e processos industriais mais eficientes em
energia, e na melhoria substancial da eficiência do combustível
nos automóveis, sem mencionar novas utilizações
competitivas de carvão mais limpo, vento, solar e outras alternativas.
Ao mesmo tempo, a produção de petróleo bruto estava a
aumentar por todo o mundo, estimulada pelos preços mais elevados.
Durante este período, a produção total da OPEP permaneceu
relativamente constante, em torno dos 30 milhões de barris por dia.
Contudo, a fatia de mercado da OPEP diminuiu de mais de 50% em 1974 para 47% em
1979. A perda da fatia de mercado da OPEP foi provocada por aumentos de
produção não OPEP no resto do mundo. Preços mais
altos do petróleo causados pelos sacrifícios de
produção da OPEP fizeram a exploração mais
lucrativa para todos, não apenas a OPEP, e muitos produtores não
OPEP por todo o mundo apressaram-se a aproveitá-los, incluindo os EUA.
A procura global de petróleo atingiu um pico em 1979 e ficou claro que o
único meio de a OPEP manter os preços era reduzir a
produção mais uma vez a fim de compensar a alta
produção dos produtores não OPEP. A OPEP reduziu a sua
produção total em um terço durante a primeira metade da
década de 1980. Em consequência, a fatia do cartel na
produção mundial de petróleo caiu abaixo dos 30%. Os
produtores não OPEP, incluindo os EUA, obtiveram um grande
estímulo com preços mais elevados, fatias de mercado maiores e um
definido crescimento das reservas provadas que se expandiram quando os
preços ascenderam.
Após duas décadas de preços altos, o petróleo
mergulhou abaixo dos US$10 por barril depois da crise financeira
asiática de 1997 pois a procura caiu quando a economia global caiu num
impasse. Depois de os preços do petróleo terem atingido um pico
acima dos US$58 por barril no princípio de Abril de 2005, a Casa Branca
anunciou desejar que o preços do petróleo voltasse aos US$25 por
barril. Quando o petróleo ascende acima dos US$50 e aí permanece
por um período extenso, as mudanças resultantes na economia
tornam-se factos normalizados. Estas mudanças abrem caminho para
além das flutuações no preço do óleo de modo
a produzir uma economia muito diferente. Em 2005 listei dez novos factos
económicos criados pelo petróleo a US$50. Agora ajusto estes
factos para o barril a US$100 tal como proposto por Friedman para ver se as
suas propostas têm sentido. O facto chave é que enquanto o
petróleo a US$100 pode estimular o desenvolvimento de modos
energéticos alternativos, não se pode esperar que tal
desenvolvimento traga o preço novamente para baixo, ou o estimulado
sector energético alternativo irá para a bancarrota. Se bem que
não haja qualquer solução para o problema do
petróleo que conduza a preços mais baixos do barril sem uma
recessão global, o petróleo a US$100 não é isento
de problemas.
Factos
Facto 1:
Transacções relacionadas com petróleo envolvendo a mesma
quantidade material envolvem maior fluxo de caixa, com cada barril a gerar
US$100 ao invés de US$25. Os Estados Unidos em 2007 consumiram cerca de
22 milhões de barris de petróleo por dia, cerca de 25% do consumo
mundial de 87 milhões de barris. A China consome 7,3 milhões de
barris por dia. Mas a produção mundial é apenas cerca de
85 milhões de barris/dia, o que deixa um défice de 2
milhões de barris o qual está a ser colmatado a partir de
inventários. Este facto é a razão fundamental porque os
preços do petróleo aumentaram. Pode-se esperar que a
produção venha a aumentar em resultado dos preços elevados
a fim de remover o défice da oferta. O consumo dos EUA tem sido
razoavelmente constante nos últimos poucos anos. Cerca de 10,2
milhões de barris foram importações e apenas 5,5
milhões de barris vieram da OPEP. A US$100, a conta agregada de
petróleo para os EUA chega a US$2 mil milhões por dia, US$730 mil
milhões por ano, cerca de 5,6% do produto interno bruto (PIB) dos EUA.
Cerca de 50% do consumo estado-unidense é importado a um custo de US$1
mil milhões por dia, ou US$365 mil milhões por ano. A
importação de petróleo e gás é o maior
componente único no défice comercial dos EUA, não as
importações do Japão ou da China.
Quando os preços aumentam, os consumidores pagam mais pelo óleo
de aquecimento e a gasolina, os camionistas pagam mais pelo gasóleo, as
companhias de aviação pagam mais pelo jet fuel, as produtoras de
electricidade pagam mais pelo combustível pois o preço do
carvão sobe com os preços do petróleo, e toda a economia
paga mais pela electricidade. Tais pagamentos extra não desaparecem num
buraco negro no universo. Eles vão para os bolsos de alguém como
rendimento e traduzem-se em lucros para alguns negócios e perdas para
outros. Por outras palavras, preços mais altos da energia não
levam o dinheiro para fora da economia, eles meramente mudam a
localização do lucro de um sector de negócio para outro.
Mais de US$365 mil milhões por ano vão para produtores
estrangeiros de petróleo os quais então devem reciclar seus
dólares do petróleo de volta para títulos do Tesouro dos
EUA ou outros activos dolarizados, como parte das regras do jogo da hegemonia
do dólar. O facto simples é que um aumento no valor
monetário de activos aumenta a riqueza monetária da economia.
Facto 2:
Uma vez que a energia é uma
commodity
básica e o petróleo é a fonte de energia predominante, um
alto custo de energia traduz-se num alto custo de vida, o qual pode resultar
num padrão de vida mais baixo a menos que o rendimento possa manter-se
elevado. Alto custo de energia traduz-se num consumo reduzido em outros
sectores a menos que rendimento mais elevado possa ser gerado a partir do fluxo
de caixa acrescido. Infelizmente, o aumentos dos pagamentos tipicamente ficam
atrás dos aumentos de preços por longo tempo. Preços mais
elevados traduzem-se em mais elevadas receitas agregadas para a economia e
explicam porque o lucro das corporações sobe mesmo quando os
gastos dos consumidores enfraquecem. Grande parte do problema do
petróleo provem do facto de que as receitas mais elevadas das
corporações decorrentes do aumento de preços deixaram de
se traduzir em salários mais altos.
Facto 3:
Como o fluxo de caixa aumenta no mesmo montante das actividades materiais, o
PIB aumenta enquanto a economia estagna devido à
depreciação dos salários. Companhias estão a
comprar e vender o mesmo montante ou talvez menos, mas a um preço e
margem de lucro mais elevado e com empregados a pagamento mais baixo por
unidade de receita. Quando o preço do petróleo ascendeu numa
década de cerca de US$10 por barril para US$150, um aumento de 15 vezes,
aqueles que possuíam reservas de petróleo viram o valor do seu
activo aumentar também 15 vezes. Aqueles que não possuíam
reservas de petróleo protegeram-se com hedges no mundo em rápida
expansão das finanças estruturadas. Uma vez que o PIB é
uma medida geralmente aceite de saúde económica, então
julga-se que a economia dos EUA está a crescer a uma taxa muito
aceitável quando na verdade está a marcar passo ou mesmo a andar
para trás. Há uma bolha petrolífera em expansão,
embora menor do que a bolha imobiliária que recentemente entrou em
colapso, se se entender que uma bolha é definida como um regime de
preço que ascendeu para além da capacidade de uma economia para
sustentá-la com rendimento compensatório de salários.
Facto 4:
Com o valor dos activos a inchar devido ao impacto de um aumento agudo nos
preços da energia, o qual por sua vez conduz toda a cadeia de
preços das
commodities
a uma espiral inflacionária, a economia pode arcar com mais
dívida sem aumentar o seu rácio
dívida-situação líquida, dando o muito desejado
apoio à bolha de dívida residual que começou a explodir
antes de os preços do petróleo começarem a aumentar. Uma
vez que o valor monetário dos activos tende a ascender em conjunto ao
longo do tempo, o efeito líquido é uma depreciação
de facto do dinheiro, mal identificada como crescimento.
Facto 5:
Preços elevados do petróleo ameaçam a viabilidade
económica de alguns sectores comerciais, tais como companhias de
aviação, camionagem e veículos motorizados, os quais
esgotaram a sua elasticidade preço. Estes sectores não podem
passar sobre o acréscimo de custo sem fazer com que o seu volume de
vendas caia. Detroit, nomeadamente a Ford e a General Motors, com os seus
modelos mais lucrativos sendo camiões beberrões de gasolina e
sport utility vehicles (SUVs), que agora podem exigir mais de US$300 para
encher os seus reservatórios, estão a descer a mesma estrada da
agonia das suas sub-financiadas obrigações de pensão.
Facto 6:
Os plásticos industriais, os materiais mais procurados na manufactura
moderna, mais do que o aço ou o cimento, são todos derivados do
petróleo. Preços mais elevados dos plásticos industriais
significarão salários mais baixos para os trabalhadores que os
montam em produtos. Mas mesmo o aço e o cimento exigem energia para
produzir e os seus preços também subirão juntamente com os
do petróleo. Enquanto os baixos salários asiáticos
estão a manter a inflação global sob controle
através da arbitragem de salários transfronteiriça, os
preços em ascensão da energia são o factor
inexorável por trás da inflação global que nenhuma
política de taxa de juros de qualquer banco central pode conter.
Ironicamente, de uma perspectiva de banco central, uma apreciação
de activos conduzida por
commodities,
a qual os bancos centrais não definem como inflação,
é a melhor cura para uma bolha de dívida que os próprios
bancos centrais criaram com as suas frouxas políticas monetárias.
Uma vez que a maior parte dos activos são exponencialmente maiores do
que a taxa de consumo, o efeito riqueza do valor mais elevado do activo pode
neutralizar a ascensão dos preços no consumidor. Esta é a
razão chave porque os bancos centrais não são
sensíveis à necessidade de manter os salários em
ascensão. O sistema monetário está estruturado para
funcionar contra assalariados que não possuam activos substanciais.
Facto 7:
A execução de guerras é glutona quanto ao consumo de
petróleo. Com preços de petróleo elevado, as guerras da
América custarão um preço mais elevado, os quais tanto
conduzirão a défices do orçamento federal mais elevados ou
a gastos sociais mais baixos, ou ambos. Isto traduz-se em ascensão das
taxas de juros do dólar, as quais são estruturalmente recessivas
para a economia globalizada que opera sob a hegemonia do dólar. Mas
enquanto a guerra é inexoravelmente inflacionária, os gastos de
guerra são um estimulante económico, pelo menos enquanto os danos
colaterais da guerra se verificarem apenas em solo estrangeiro. Os lucros da
guerra são sempre bons para os negócios, e a necessidade de
soldados reduz o desemprego. Combater por petróleo enfrenta pouca
oposição popular interna, apesar de para os Estados Unidos a
necessidade de petróleo não ser uma justificação
crível para a guerra. A verdade é que os EUA já controlam
a maior parte do petróleo do mundo sem guerra, em virtude de o
petróleo ser denominado em dólares que os EUA podem imprimir
à vontade com escassa penalização. A petro-guerra
é lançada para proteger a hegemonia do dólar, a qual exige
que o petróleo seja denominado em dólares, não para o
acesso físico ao petróleo. Grande parte da pose anti-guerra num
ano eleitoral é simplesmente retórica de campanha.
Soluções militares para problemas geopolíticos decorrentes
da política económica permanecerão opções
operacionais para os EUA pouco importando quem venha a ser o ocupante da Casa
Branca, populista ou não.
Facto 8:
Há um mito da oferta/procura de que se os preços do
petróleo ascendem, eles atrairão mais explorações
para novo petróleo, as quais trariam os preços outra vez para
baixo. Isto era verdade nos bons velhos dias quando o petróleo no
chão permanecia um activo financeiro adormecido. Mas agora, como
explicado pelos Factos 3 e 4 acima, numa bolha de dívida,
petróleo no chão pode ser mais valioso do que acima do
chão porque ele pode servir como um activo monetizável de valor
ascendente através dos asset-backed securities (ABS) no mundo selvagem
das finanças estruturadas (derivativos). Assim, se bem que haja
incentivo para descobrir mais reservas de petróleo a fim de ampliar a
base de activos, há pouco incentivo para bombeá-lo para fora do
chão simplesmente para manter os preços baixos.
Os preços da gasolina também não virão abaixo,
não porque haja uma escassez de petróleo bruto, mas porque
há uma escassez de capacidade de refinação. A
deficiência na refinação é criada pelo aparecimento
dos beberrões de gasolina que Detroit empurrou ao público
consumidor quando a gasolina a menos de US$1 por galão [3,78 litros] era
mais barata do que água engarrafada. As refinarias estão entre
os investimentos mais capital intensivos, com dificuldades regulamentares de
pesadelo. As refinarias precisam ser localizadas onde está a procura
por gasolina, mas famílias que possuem três carros não
querem viver perto de uma refinaria. Assim, não há incentivo
para expandir a capacidade de refinação a fim de baixar os
preços da gasolina porque o retorno sobre o novo investimento
precisará de altos preços de gasolina para pagá-lo.
Afinal de contas, como Friedman incansavelmente nos recorda, o mercado
não é uma organização de caridade para a
promoção do bem estar humano. É um lugar onde
investidores tentam obter o preço mais elevado por produtos para
reembolsar o seu investimento com o lucro mais elevado. Não é da
natureza do mercado reduzir o preço do resultado do investimento de modo
a que os consumidores possam conduzir SUV beberrões de gasolina que
queimam a maior parte do seu combustível presos nos congestionamentos de
tráfego das auto-estradas.
Facto 9:
De acordo com o US Geological Survey, o Médio Oriente tem apenas entre
a metade e um terço das reservas de petróleo conhecidas do mundo.
Há uma grande oferta de petróleo em outros lugares do planeta
que estaria disponíveis a preços mais altos mas ainda
economicamente viáveis. A ideia de que apenas o Médio Oriente
tem a chave para o futuro energético do mundo é falha e é
geopoliticamente arriscada.
Os Estados Unidos têm grandes reservas provadas de petróleo, que
se tornam maiores com o aumento do preço do óleo. Geralmente
são consideradas reservas provadas de petróleo aquelas
quantidades que a informação geológica e da engenharia
indicam com razoável certeza que podem ser recuperadas no futuro a
partir dos reservatórios conhecidos sob as condições
geológicas e económicas existentes. Segundo a Energy Information
Administration (EIA), os EUA tinha 21,8 mil milhões de barris de
reservas provadas em 1 de Janeiro de 2001, a décima segunda do mundo,
quando o preço estava em torno dos US$20 por barril. Estas reservas
estão concentradas esmagadoramente (mais de 80%) em quatro estados
Texas (25%, incluindo as reservas do estado no Golfo do México),
Alasca (24%), Califórnia (21%) e Louisiana (14%, incluindo as reservas
do estado no Golfo do México).
As reservas provadas do petróleo estado-unidense declinaram cerca de 20%
desde 1990, com o maior declínio num único ano (1,6 mil
milhões de barris) verificando-se em 1991. Mas isto foi devido
principalmente à queda do preço do petróleo, a qual por
definição contrai as reservas provadas. A US$100 por barril,
pode-se esperar que os números da reserva se expandam muito. A
razão porque os EUA importam petróleo é que importar
é mais barato e mais limpo do que extrair o petróleo interno. A
um certo nível de preço, os EUA podem considerar mais
económico desenvolver mais o petróleo interno ao invés de
importar, mas a fórmula depende mais do diferencial de preços
entre o petróleo importado e o interno, o qual num mercado global
não se espera que permaneça muito grande por longo tempo. A
ideia de alcançar independência petrolífera como
estratégia para petróleo barato não merece uma
discussão séria.
A teoria económica do petróleo é tão importante
quanto a geologia ao tratar de estimativas de reservas uma vez que uma reserva
provada é aquela que pode ser desenvolvida economicamente. Mas é
importante recordar que a economia política estende-se para além
da fixação da oferta e procura dos fundamentalistas do mercado.
Se o Médio Oriente e o Golfo Pérsico implodissem geopoliticamente
e o petróleo desta região cessasse de fluir, os EUA, como
produtor de petróleo serão um beneficiário de
petróleo a US$50, ou US$100, ou mesmo US$1000, tal como a
Grã-Bretanha com o seu petróleo do Mar do Norte e países
tais como a Noruega, Indonésia, Nigéria e Venezuela. Mas o maior
vencedor será a Rússia. Para a China, seria um banho, pois
actualmente ela importa energia não para consumo interno, mas para
alimentar a sua crescente exportação de máquinas e pode
transferir os custos acrescentados aos compradores estrangeiros. De facto, a
probabilidade de os EUA permutarem
(bartering)
petróleo do Texas abaixo do mercado por bens manufacturados chineses de
baixo custo é uma possibilidade muito real no futuro. Arranjos
bilaterais semelhantes entre China-Rússia, China-Médio
Oriente/Golfo, China-Nigéria, China-Venezuela e China-Indonésia
são também boas perspectivas. Além disso, as reservas
off-shore da China até agora têm permanecido em grande medida
não desenvolvidas.
Facto 10:
Petróleo a cinquenta dólares comprou algum tempo mais para a
bolha da dívida estado-unidense, mas as bolhas nunca perduram para
sempre e ela explodiu em Agosto de 2007. Mas numa democracia, a Casa Branca em
2005 estava sob a pressão do público para trazer o
petróleo de volta aos US$25, não percebendo que o preço
para o petróleo barato podia acelerar o estouro da bolha da
dívida. Apesar de todas as apregoadas advertências acerca da
necessidade de reduzir o défice comercial dos EUA, pode-se argumentar
com facilidade que os Estados Unidos não podem reduzir drasticamente seu
défice comercial sem pagar o preço de uma recessão aguda
que poderia disparar uma depressão global.
A teoria económica do petróleo
Desde a descoberta do petróleo, a sua teoria económica nunca foi
voltada para um tratamento justo do consumidor, seja corporativo ou individual,
sem falar nos pobres ou nos trabalhadores. Ela tem tudo a ver com o espremer
do máximo valor financeiro deste ouro negro.
John D. Rockefeller consolidou a indústria petrolífera americana
num monopólio através da eliminação da
competição caótica para manter o preço elevado,
não para empurrar os preços para baixo. A teoria
económica neoclássica encara preços mais altos de
consumíveis como inflação, mas a apreciação
de activos é encarada como crescimento, não como
inflação. Uma vez que o petróleo é tanto um activo
como uma
commodity
consumível, a teoria neoclássica enfrenta um dilema na teoria
económica do petróleo. Assim, enquanto uma ascensão no
preço de mercado do petróleo aumenta a inflação, a
correspondente ascensão dos valores dos activos e da dimensão das
reservas de petróleo cria um efeito riqueza que mais do que neutraliza o
impacto inflacionário dos preços de mercado do petróleo.
O mundo não deveria importar-se com uns poucos pontos percentuais
acrescentados à inflação se os activos do mundo se
apreciassem em 100% em consequência, excepto que quando o petróleo
não é possuído igualmente entre a população
mundial, emerge um conflito entre consumidores e produtores, tornando o
petróleo um problema político interno e geopolítico.
De facto, numa base agregada, petróleo barato pode ter um impacto
deflacionário sobre a economia ao reduzir o efeito riqueza de todos os
activos. Para a economia americana, uma vez que os Estados Unidos é um
grande possuidor de activos petrolíferos, tanto no
on
como no
offshore,
preços elevados são do interesse nacional. O que temos
não é um problema de inflação na ascensão
dos preços do petróleo, mas um problema de apreçamento que
distribui desigualmente os benefícios e sofrimentos dos ajustamentos de
preço entre possuidores de petróleo e consumidores de
petróleo, tanto internamente como internacionalmente. Isto é um
problema político. Os políticos estão sob a
pressão populista no sentido de manter os preços do
petróleo baixos quando a solução é equalizar os
benefícios e sofrimentos dos altos preços do petróleo.
Preço do petróleo e política monetária
O fracasso da Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (OPEP) em cortar a produção, na sua
reunião de Novembro de 1998, induziu os preços a entrarem em
colapso numa baixa de 12 anos de US$10,35 por barril em Nova York no mês
seguinte. Uma combinação de excesso de produção,
stocks em ascensão e fraca procura por combustíveis para
aquecimento de Inverno empurraram os preços para baixo. Em Março
de 1999, os preços subiram 17%, ficando mais altos quando os
países produtores, unificados pelos baixos preços, tiveram
êxito em cortar a produção. Os preços do
petróleo começaram a efectuar uma recuperação aguda
no Inverno de 1999, ascendendo dos US$13 a US$19 do princípio do ano
para mais de US22 por barril no princípio do Outono, e ultrapassando os
US$30 em meados de Fevereiro de 2000. Uma causa importante foram cortes na
produção estabelecidos em Março de 1999 pela OPEP e outros
países grandes exportadores de petróleo.
Em 12 de Março de 1999, o presidente do St Louis Federal Reserve Bank,
William Poole, disse num discurso que o crescimento da oferta monetária
dos EUA, a qual estava então em mais de 8% quando a
inflação estava abaixo dos 2% anuais, era "uma fonte de
preocupação" porque tomava a dianteira sobre a taxa de
inflação. A oferta monetária M2 estivera a crescer a uma
taxa anual de 8,6% durante as 52 semanas anteriores para impedir a economia de
estagnar antes da eleição de 2000. A Reserva Federal
também estava a observar a taxa de inflação, mantida baixa
principalmente pelos baixos preços do petróleo.
Poole advertiu que "não podemos continuar a confiar no
declínio dos preços do petróleo ao [baixo] ritmo do
último par de ano". Ele disse que os investidores que haviam
impulsionado os rendimentos de títulos ao seu mais alto nível em
seis meses estavam correctos em assumir que o movimento a seguir do Fed seria
aumentar as taxas de juros. O Fed Open Market Committee (FOMC), quando se
reuniu em 2 de Fevereiro de 1999, havia deixado intacto o objectivo de 4,75%
das taxas dos Fundos (Fed Fed Funds rate, FFR). Em 1998 Poole votou para que o
FOMC cortasse o objectivo dos FFR três vezes entre Setembro e Novembro,
para 4,75% quando o petróleo estava a US$12.
Hoje, com o petróleo em torno dos US$135, o objectivo FFR é 2%
efectivos desde 30 de Abril de 2008. Em 25 de Junho, o Fed optou por manter a
taxa objectivo dos Fundos Fed inalterada. Na sua declaração, o
Fed Open Market Committee (FOMC) disse: "As duras condições
de crédito, a contracção em curso na
habitação e a ascensão dos preços da energia
irão provavelmente pesar no crescimento económico ao longo dos
próximos poucos trimestres".
A taxa de crescimento anualizada para o M2 no 4º trimestre de 2007 era
6,8%, com uma taxa objectivo dos Fundos Fed de 2%, quando comparada com a taxa
de crescimento M2 em 1999 de 8,6% contra uma taxa objectivo dos Fundos Fed de
4,75% em resposta às consequências da Crise Financeira
Asiática de 1997. Contudo, nos últimos sete trimestres antes do
fim de 2007, a V2 (a velocidade do M2) declinou em 2,3% em taxa anual, levando
o crescimento do PIB a desacelerar de 3,5% para 2,2%. O crescimento do PIB no
primeiro trimestre de 2008 foi de 0,6%, o qual justificou uma taxa objectivo
dos Fundos Fed de 2%.
Mas se o Fed está realmente preocupado em combater a expectativa de
inflação, petróleo a US$135 e taxa objectivo dos Fundos
Fed simplesmente não combinam, mesmo com uma taxa de crescimento da
oferta monetária em queda. Há uma forte evidência de que,
ao invés de se preocupar acerca da expectativa inflacionária, o
Fed está realmente mais preocupado acerca dos escombros
(debris)
económicos do estouro da bolha da dívida, pois espera-se que a
inflação invisível através da
apreciação de activos ajude a fazer a limpeza com menos
sofrimento. Se altos preços do petróleo são obra de
especuladores, o Fed é o especulador-chefe. Mas há muito pouca
especulação no mercado de petróleo porque o hedging
não é especulação como sabe todo analista de
mercado competente. A ascensão do preço do petróleo
é o resultado directo da degradação da moeda coordenada
pelos bancos centrais do mundo conduzidos pelo Fed.
Em Julho de 1993, quando a economia dos EUA esteve a crescer durante mais de
dois anos a partir do crescimento do M2 de mais de 6%, o presidente do Fed,
Alan Greenspan, observou num testemunho perante o Congresso que "se o
relacionamento histórico entre o M2 e o rendimento nominal permaneceu
intacto, o comportamento do M2 em anos recentes teria sido consistente com uma
economia em severa contracção". Com a taxa de crescimento
do M2 a baixar para 1,44% em Julho de 1993, Greenspan disse: "O
relacionamento histórico entre moeda e rendimento, e entre a moeda e o
nível de preços, em grande medida veio abaixo, privando os
agregados de grande parte da sua utilidade como guias para a política.
Pelo menos no momento, o M2 foi rebaixado como um indicador confiável
das condições financeiras na economia, e nenhuma variável
única foi ainda identificada para substituí-lo".
Mas o M2, ajustado para mudanças no nivel de preços, permanece um
componente do Index of Leading Economic Indicators, o qual alguns analistas do
mercado utilizam para prever recessões e recuperações
económicas. Uma correlação positiva entre crescimento da
oferta monetária e crescimento económico existe apenas no
crescimento do M2 ajustado à inflação, e apenas se a nova
moeda dirige-se a novo investimento ao invés de ir para dívida
para apoiar a especulação nos preços em ascensão
dos activos. Expansões económicas sustentáveis são
baseadas na produção real, não na dívida
especulativa.
Em 2004, as taxas de juro a longo prazo realmente declinaram em
relação aos altos 4,82% de Junho, indo para 4,2% no fim do ano
mesmo quando as taxas a curto prazo ascenderam num "ritmo cadenciado"
para 2,25% em Dezembro de 2004 (de uma baixa de todos os tempos de 1% em Junho
de 2003 para 5,5% em Junho de 2006), com a oferta monetária em 2004 a
crescer a uma taxa anual de 5,67%. Isto reflectiu um mercado de crédito
não preocupado com a inflação a longo prazo apesar de um
afundamento do dólar estado-unidense e de preços do
petróleo a subirem acima dos US$50 por barril. A razão é
que os US$50 do petróleo aumentaram o valor dos activos a um ritmo mais
rápido do que a inflação do preço das commodities.
Assim, US$100 para o petróleo apenas duplicará o impacto.
Em Março de 2000, a OPEP perfurou a bolha do dinheiro fácil de
Greenspan ao reverter a queda dos preços do petróleo. O FOMC foi
forçado a responder à mudança na taxa de
inflação, que já não estava a ser mantida baixa
pelos declínios nos preços do óleo. Porque o dinheiro
fácil apenas estimulou a especulação que não
produziu qualquer crescimento real, a bolha do dinheiro fácil de 2000
evoluiu para a bolha seguinte dos activos conduzidos pela dívida na
habitação que estourou em Agosto de 2007. Os financeiros
espertos perceberam em 2000 que a marcha do mercado rumo aos US$50 estava
acabada, tal como perceberam em 2007 que a marcha rumo aos US$150 estava
acabada. E em 2005 o petróleo a US$50 parecia estar a dar à
bolha de activos conduzidos pela dívida de Greenspan uma segunda vida, a
maior parte da qual terminou no sector do
imobiliário/habitação. Se o petróleo devesse cair
de volta nos US$25 por barril como queria a Casa Branca, a bolha de activos
conduzida pela dívida teria explodido com um estrondo.
Como se verificou, a bolha da habitação estourou a partir do
colapso do crédito em Agosto de 2007, que o Fed sob Bernanke tentou
salvar com uma injecção maciça de liquidez e o
petróleo avançou para os US$130. O Fed agora parece estar a
assumir que os preços do petróleo logo serão subsidiados,
baseado em grande parte em informação sobre preços
futuros. Mas há limites para a extensão em que os preços
futuros podem indicar tendências de preços, uma vez que a
arbitragem impede-os de se moverem muito longe do alinhamento com os
preços correntes.
Havia provas sólidas de que a reciclagem de petrodólares da
década de 1970, a qual de qualquer modo acabou principalmente nos
activos em dólar nos Estados Unidos, contribuiu para a
inflação nos EUA tanto quanto os preços a retalho mais
altos da gasolina. Isto em essência sugou fundos globais adicionais para
a compra de petróleo a preço mais alto para investimento no
imobiliário estado-unidense, o qual até então era o
único sector em que os toscos administradores árabes de dinheiro
pensavam conhecer o suficiente para lidar. Na década de 1990, eles
estavam mais refinados. Alguns haviam esperado que uma nova
injecção de petrodólares sustentaria o mercado de
acções em colapso da "nova economia" da década
de 1990. Isto não funcionou porque, mesmo a US$35, o petróleo
ainda estava atrás do seu preço pré 1973 em
relação ao pico Nasdaq em Junho de 1999, cujo equivalente traria
o petróleo para US$120.
A queda nos preços do petróleo depois de 1997 foi principalmente
um efeito cíclico da redução drástica da procura
devido à crise financeira asiática, a qual teve impactos em todo
o mundo. Naquele tempo havia pressão zero, mesmo nos EUA, para elevar
os preços do petróleo, devido ao efeito que tinham sobre a
inflação baixa. Mesmo as companhias de petróleo
não estavam realmente inquietas por causa desta condição
temporária porque até os preços do petróleo
caírem abaixo dos US$7 por barril isto não era um grande
negócio uma vez que era o custo de produção offshore no
Mar do Norte. O custo na cabeça do poço em terra era de menos de
US$4 por barril, mais custos de arrendamento
(leasehold)
induzidos pelo mercado. Em 1998, o petróleo podia permanecer em
qualquer ponto acima do US$7 por uns poucos anos sem efectuar qualquer dano
durável aos EUA ou à Europa. Era geralmente esperado que
voltasse aos US$35 no fim de 2000, e um bocado de pessoas ficaria rica no
processo. A OPEP estava a seguir a linha de argumentação de que
altos preços estimulariam nova exploração para conseguir
que consumidores não OPEP aceitassem petróleo mais custoso. No
longo prazo, menos novas explorações seriam boas para a OPEP.
Antes de 1973, todo o mundo estava feliz com US$3 por barril. Como para os EUA
o petróleo barato mantinha a inflação (tal como medida
pelo Fed) baixa, o dólar alto e as taxas de juro do dólar baixas.
Estes benefícios eram mais importantes do que os problemas do sector
petrolífero criados por um colapso nos preços do barril. Em
petróleo, ninguém disse a verdade durante mais de 80 anos, ou
desde a sua descoberta.
O problema com o petróleo barato
É muitas vezes passado por alto que os Estados Unidos são um
grande produtor de petróleo. De facto, antes da descoberta de
petróleo no Médio Oriente na década de 1930, os EUA eram o
maior exportador de petróleo do mundo. "Querosene para as
lamparinas da China" era um slogan do monopólio Standard Oil.
Não é claro que petróleo barato seja do interesse nacional
dos EUA. Petróleo barato distorce a economia dos EUA em caminhos
não construtivos. Nos anos recentes de petróleo barato, foram
abandonados todos os avanços na conservação. Até
este ano, os consumidores estado-unidenses estavam a comprar SUVs de oito
cilindros com 400 cavalos [298 kW] que fazem apenas seis milhas por
galão [39,2 litros aos 100 km] em tráfego urbano, assim como
conversíveis com ar condicionado. Mesmo com gasolina a
US$4/galão, os seus utilizadores enfrentam apenas um aumento de US$1000
por ano nas suas contas de gasolina. Os preços dos veículos
aumentaram mais depressa do que os preços da gasolina nas últimas
décadas. Naturalmente, o resto do mundo fora dos EUA tem estado a
operar com gasolina a US$4 durante longo tempo.
O petróleo a uma centena de dólares não é um
desastre económico mas é um problema político. O
petróleo a uma centena de dólares não prejudica
necessariamente a economia global, mas no entanto força uma
reestruturação da mesma em modos que têm
repercussões políticas. Para começar, US$100 por barril
no longo prazo estimula mais exploração e produção,
e reactiva poços ociosos que não são económicos a
US$10 por barril. Isto também tornará mais viáveis
energias alternativas. Também a economia global está a crescer
de modo energeticamente mais eficiente com nova tecnologia e o efeito do
preço do petróleo sobre a economia é muito menor do que na
década de 1970. E o petróleo a US$100 impedirá um retorno
à era do desperdício abusivo de energia provocado pelos
preços excessivamente baixos. Assim como salários baixos
encorajam a má utilização do trabalho, custos não
razoavelmente baixos do petróleo criam incentivos para a
utilização imprópria da energia e desencorajam a
investigação de fontes de energia alternativas.
O único transtorno é que US$100 por barril tira dinheiro do bolso
de consumidores e entrega-o a produtores de petróleo (não apenas
árabes), os quais então reinvestem-no na Wall Street. O
resultado líquido é uma transferência de riqueza das
"famílias trabalhadoras" do mundo para os capitalistas do
mundo todo. A procura do consumidor mudará, com mais dinheiro gasto em
combustível e
utilities
e menos para outros tipos de consumo que melhoram o padrão de vida, mas
os preços das acções subirão porque haverá
mais dólares a caçar o mesmo número de
acções. O que é mais perturbador é que a
apreciação das resultantes reservas provadas ampliadas de
petróleo alimentarão mais dívida assim como o rácio
entre a dívida e a situação líquida. A actual
estrutura de super capacidade da economia é tamanha que mais
dívida pode apenas ir para o apoio ao consumo e à
especulação, não para a produção e ao
investimento, provocando uma nova e insustentável bolha de dívida.
Uma redução de impostos sobre o petróleo deixará
mais dinheiro nos bolsos dos consumidores. Os governos podem maquilhar a
resultante queda de arrecadação fiscal através de aumentos
nas taxas de impostos sobre a apreciação de activos
petrolíferos talvez, no caso dos Estados Unidos, para financiar o
défice vindouro da Segurança Social. Mas governos tendem a
resistir a reduções no imposto sobre combustíveis devido
à ideologia enviesada de que estes encorajam a
conservação. As medidas fiscais sobre ganhos de capital
encontram resistência com base na doutrina de que o que prejudica o
capital prejudica também os pobres, se não mais. Esta
fixação ideológica é cada vez menos operacional num
mundo dominado pela super capacidade [de produção] e com
disparidades de rendimento a ampliarem-se. Qualquer desenvolvimento que reduza
a procura é mortal para a estrutura da actual economia global. Nisto
reside a questão chave da crise do petróleo que vem aí
preços inchados das acções não suportados
pelo rendimento salarial e um amortecimento da procura do consumidor devido aos
altos preços. O mundo desfrutou um boom de petróleo a US$10
durante uma década. Durante aquele boom, a disparidade do rendimento
aumentou tanto internamente como globalmente. Agora, um retorno ao
preço de mercado operativo para o petróleo deveria permitir
continuar esta tendência de ampliação da disparidades dos
rendimentos.
Em 2005 escrevi: "Nós agora parecemos estar a nos dirigirmos para
uma repetição do princípio da década de 1980 quando
uma ampliação do défice comercial e uma queda precipitada
do dólar disparou o colapso de 1987 dos mercados de
acções. A estratégia de Greenspan de reduzir a
regulação do mercado substituindo-a com intervenção
nas crises está meramente a permutar a extensão do boom pela
severidade acrescida do fracasso mais adiante. Greenspan parece estar a
procurar petróleo a US$50 para sustentar sua bolha de dívida. Se
bem que US$50 não seja um problema a longo prazo, isto pode dar a
Greenspan uma super dor de cabeça se servir simplesmente para alimentar
mais dívida. Greenspan começou seu mandato no Fed com um crash
de mercado. Será que o sábio da exuberância irracional
acabará o seu mandato com outro crash de mercado?" A minha
pergunta foi respondida dois anos depois com a crise de crédito de 1997
devido à qual o próprio Fed agora está a dizer que o
mercado não veria o fundo até ao fim de 2009.
25/Junho/2008
[*]
Nascido em Hong Kong, licenciou-se em arquitectura e urbanismo pela
Universidade de Harvard, EUA. Seu interesse pela teoria económica e as relações
internacionais principiou quando participou num trabalho interdisciplinar sobre
desenvolvimento regional e urbano como professor da Universidade da Califórnia
- Los Angeles, Harvard e Columbia. Actualmente preside um grupo de investimento
privado com sede em Nova York.
O original encontra-se em
http://www.henryckliu.com/page163.html
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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