A nova ordem petrolífera
por Nicolas van der Leek
Quando o petróleo atingir os 150 dólares por barril, os
americanos passarão a gastar em energia cerca de 12 por cento das suas
receitas. Há quem pense que este valor corresponde a um pico
máximo. Talvez. Mas, quer esse pico se situe nos 150 dólares ou
não, podemos começar desde já a imaginar as
mudanças que irão ocorrer.
Globalização às avessas
O mundo orgulha-se dos seus progressos. Conseguimos produzir grandes
quantidades de alimentos, e transportar bens e pessoas por todo o mundo sem
grande dificuldade. Tem vindo a ser um mundo de eleição
até agora, com a supressão de barreiras que permite as trocas e o
comércio mundial. Tem sido possível movimentar pessoas e produtos
por todo o mundo praticamente sem grande dificuldade.
Todas estas mesmas facilidades também funcionam eficazmente em sentido
contrário ou seja, regridem rapidamente. Um exemplo de um
"mecanismo eficaz" na nossa vida, especialmente nos subúrbios,
é a electricidade. A electricidade permite-nos cozinhar rapidamente as
refeições, secar o cabelo e aquecer a água do banho mas,
se faltar, o colapso é muito rápido.
O mesmo acontece quanto à facilidade de irmos de carro até ao
supermercado para nos abastecermos de tudo o que precisamos. Quando deixarmos
de poder fazer isso, os subúrbios passam a ser disfuncionais, e na Nova
Ordem Petrolífera os Subúrbios Disfuncionais são
inevitáveis tal como as viagens aéreas, e muitas outras
coisas.
O mundo está a deixar de estar plano
Ainda há pouco tempo o colunista da moda do
New York Times,
Thomas L. Friedman, escreveu o livro
The World Is Flat
(O mundo é plano). O livro de Friedman representa hoje um manual sobre
o que vai desaparecer mais depressa. Se lermos o livro com espírito
crítico, compreendemos que a premissa, embora não expressa, para
quase todas as forças de aplainamento é a energia barata.
Actualmente, muitas das empresas que Friedman cita como bem sucedidas
estão em vias de se desmantelar e desaparecer. Algumas das mais
saudáveis empresas mundiais vão desaparecer do Fortune 500 dentro
de meses, ou mesmo semanas, para nunca mais serem vistas. O McDonald's e a
Coca-Cola são apenas dois exemplos disso.
E à medida que este processo for ganhando velocidade, o mundo
tornar-se-á inevitavelmente num lugar muito maior, e será
difícil funcionar com a facilidade e o à vontade a que nos
habituámos
Digam adeus
As primeiras vítimas dos altos preços do petróleo
são as grandes faixas de pobres, principalmente de pobres rurais. Podem
desaparecer por algum tempo dos canais do comércio (principalmente o da
indústria informal) mas voltarão a aparecer nas cidades sob a
forma de milícias maciças desordenadas e desesperadas.
Entretanto, a indústria pode começar por se despedir
definitivamente da indústria da aviação. As maiores
empresas talvez sobrevivam durante mais tempo, e a última a funcionar
será talvez a Singapore Airlines, com o seu gigantesco Airbus A380. As
companhias aéreas do Médio Oriente, como a Qatar Airways,
também poderão manter-se em funcionamento mais uma ou duas
temporadas. As futuras viagens aéreas serão reservadas para uma
pequena elite, e as companhias de aviação, tal como as
conhecemos, vão deixar de funcionar, pura e simplesmente. Até
agora já foram à falência mais de uma dúzia de
companhias de aviação internacionais, só nos primeiros 6
meses de 2008, incluindo:
A Airblue (Paquistão), a City Star Airways (UK), a Frontier Airlines
(EUA), a Nationwide Airlines (África do Sul), a Palestinian Airlines
(Egipto), a Tavrey Airlines (Ucrânia), a Jet4you (Marrocos), a Euromanx
(Ilha de Man), a Aeropostal (Venezuela) e a Silverjet (UK), entre outras.
[1]
Os grandes silos que são hoje os edifícios dos aeroportos, dentro
de cinco anos podem estar transformados em museus da arte da tecnologia.
Digam adeus também aos serviços que dependem dos transportes
aéreos, como as empresas de correio. Ou seja, as FedEx e as UPS. Digam
adeus também à Amazon.com e congéneres.
As operações em escala gigantesca desde as viagens
aéreas, à agricultura, à indústria (pensem na
General Motors) serão reduzidas drasticamente.
Isto implica uma implosão no turismo mundial, o que significa que
espectáculos mundiais como a Taça do Mundo da FIFA e as
Olimpíadas de 2012 vão ficar fora do alcance de 90 por cento dos
consumidores. Isto também vai ter impacto em todos os serviços
que se alimentam do turismo internacional cadeias inteiras de
hotéis, empresas de aluguer de automóveis, restaurantes e afins.
Os supermercados como o Wal-Mart (EUA), o Carrefour (França), o Pick'n
Pay (Africa do Sul), o Tesco (UK) e muitos outros começarão por
sentir a falta de artigos de bens não convencionais, e a seguir
progressivamente de artigos básicos, incluindo a fruta e os vegetais.
Estes mercados escorraçaram em tempos os mercados locais, arruinando
muitas mercearias e indústrias agrícolas locais. Estas
actividades locais estão em vias de renascer e, à medida que
voltarem a aparecer, estes mercados locais mais pequenos substituirão os
supermercados.
O fim das operações no exterior e das cadeias de abastecimento
As empresas multinacionais vão perder rapidamente a possibilidade de
utilizar mão-de-obra estrangeira, e de o fazer de forma barata. Mais uma
vez, o comércio voltará a ser mais localizado. Isto significa
que, se no nosso país não se construírem computadores, por
exemplo, estes equipamentos atingirão preços tais que
ficarão fora de mercado.
A indústria electrónica vai seguir a mesma via das companhias de
aviação. Podem sobreviver alguns equipamentos genéricos;
alguns dos modelos mais baratos e mais úteis terão melhores
condições de sobrevivência do que os modelos mais complexos
e de origem mais remota. Nos países em que os custos da Internet
não sejam mínimos, a utilização da Internet
cairá drasticamente.
Os meios de comunicação ficarão reduzidos, desde o
número de canais da TV, e do número de jornais
distribuídos na mesma área, até ao número de
revistas nos escaparates. Mas os blogs continuarão a aparecer, embora
mais funcionais e orientados para a comunidade. Nalguns países
dependendo de há quanto tempo dispõem de infra-estruturas de
Internet os jornais desaparecerão totalmente sendo
substituídos pela informação via Internet. Noutros
países, principalmente onde a Internet é ainda uma
indústria jovem, os jornais reclamarão todo o terreno perdido e a
Internet pode vir a desaparecer.
Haverá cada vez mais pessoas a alugar, a ficar sem os seus carros e
até mesmo sem os seus telemóveis. O número dos pobres
urbanos subirá a níveis alarmantes. Tudo isto representa o fim da
escolha sem limites.
O reaparecimento das oficinas de reparações
Não mais poderemos permitir-nos a nossa cultura de desperdício.
Se qualquer coisa se avariar, teremos que arranjar alguém
técnicos que a conserte. As fianças e as garantias
deixarão de ter qualquer valor.
As pessoas terão que voltar a aprender técnicas não
só como consertar coisas, mas também como fabricar coisas. Quando
os tampos das sanitas, ou as canas de pesca, ou pilhas de roupas deixarem de
chegar em contentores às cidades costeiras, as indústrias locais
terão que preencher esse vazio. Vai levar tempo e não vai ser
fácil. As pessoas mais velhas (com aptidões) tornar-se-ão
as novas celebridades.
O fim do capitalismo
Iremos assistir ao colapso do mercado de acções quando se
perceber (nos mercados) não só que o crescimento económico
deixou de ter qualquer lógica, mas também que a escassez de
energia acarreta o colapso de toda a arquitectura financeira que foi concebida
assente nela desde os mercados imobiliários, aos bancos, a
indústrias inteiras, incluindo (evidentemente) as indústrias
automóvel e alimentar. Obviamente, quando desaparecer a maioria dos
bancos, também desaparecerá o capitalismo e o que restar do
aparelho financeiro.
O dinheiro passará a ter pouco ou nenhum valor no futuro, e o
comércio será feito via permutas e provavelmente de forma
desorganizada. A agricultura tornar-se-á uma grande indústria,
juntamente com outras formas de gestão de recursos
(exploração mineira, florestas, etc.).
Desordem
Nem vale a pena referir que todas estas transições serão
muito provavelmente acompanhadas de desagradáveis níveis de
desordem pública. É muito provável que as autoridades
lutem para manter a lei e a ordem um pouco por toda a parte. Os governos
terão muita dificuldade em resolver os problemas das multidões
subitamente empobrecidas. Estas lutas exercerão uma pressão
adicional sobre as Relíquias do Petróleo Barato que subsistirem,
por exemplo, os serviços municipais e as estradas. Quem é que os
vai manter num mundo que deixa de os poder sustentar?
Um dos novos projectos (acima referido) será a agricultura, mas sem as
máquinas nem os benefícios da tecnologia do mundo antigo.
Provavelmente teremos que dar muita atenção ao solo se quisermos
produzir algo de valor e em quantidade significativa. No novo mundo seremos
especialmente vulneráveis a doenças e pandemias, e também
à alteração climática. Com tantos problemas pela
frente, as pessoas vão estrebuchar. As comunidades com artesãos
talentosos e habilidosos, que trabalham em conjunto, deviam começar a
preparar-se já. A partilha de um objectivo ou fé comum durante
este período também beneficiaria esses grupos em
relação aos que ficarem desmoralizados e perderem o norte.
[1] Fonte: International Air Transport Association
O original encontra-se em
english.ohmynews.com.
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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