Haverá sangue...
por Jacques Sapir
A questão do óleo de xisto (petróleo) retorna ao primeiro
plano com a nova baixa das cotações do bruto (tanto em WTI como
em BRENT). De facto, o que era anormal era a tímida alta que se
experimentou em Fevereiro de 2015. Mas uma tendência altista vai
certamente se afirmar a partir do Verão de 2015 como anunciado por este
sítio em 1º de Janeiro último
[1]
. Aqui estão portanto as últimas notícias da
catástrofe que se prepara nos Estados Unidos. Se se recorda o filme
"There will be blood"
[2]
pode-se acrescentar "Yes, it will...".
A economia da produção de óleo de xisto
A produção de óleo de xisto obedece a regras bastante
particulares. Uma das características desta produção
é a forma muito particular da curva de produção. O pico de
produção é atingido entre o primeiro e o segundo depois de
iniciar a exploração do furo. O volume de produção
diminui muito rapidamente. De facto, não se obtém mais do que 25%
da produção do pico de exploração entre 19 meses
(2010) e 15 meses (2013).
Gráfico 1
Fonte: Dyker D., "Why Shale Oil Is a Ponzi Scheme", nota publicada em
The Street, 17/Março/2015,
www.thestreet.com/...
O nível de produção melhorou muito de 2010 a 2014, mas
conserva as mesmas características. Este esgotamento rápido dos
furos impõe uma renovação rápida dos mesmos e,
portanto, investimentos constantes.
A indústria do óleo de xisto é constituída, nos
Estados Unidos e no Canadá, essencialmente por pequenas companhias,
daí o mito de um "sonho americano" no domínio do
petróleo. Mas as condições de rentabilidade destas
pequenas companhias (que exploram cerca de 85% do furos) são muito
diferentes daquelas das grandes companhias (como a Exxon) que também
investiram neste sector. Se, para alguns furos realizados pela Exxon o patamar
de rentabilidade está nos 45 dólares por barril, ele é bem
mais elevado nas pequenas companhias, estimado entre 70 e 75 dólares.
Estas últimas realizam seus investimentos com uma alavancagem
bancária muito forte. A partir do momento em que obtêm uma
concessão, elas pedem um crédito ao banco, crédito que
pode cobrir de 90% a 95% do investimento necessário. O reembolso
é assegurado pela produção no primeiro ano de vida activa
do furo, aquele em que ele é mais produtivo. Mas isso implica garantir o
preço. De facto, incluindo os juros uma companhia ganhava dinheiro desde
que o petróleo se vendesse acima de 80 dólares por barril. Os
seguros tomados por estas companhias garantiam-lhes um preço entre 80 e
90 dólares. Mas estes seguros não cobrem senão seis meses
de produção e eles não foram renovados a partir de Outubro
de 2014 devido à queda importante dos preços do petróleo.
Isso significa que elas não estarão mais protegida a partir do
fim do mês de Março de 2015.
A partir desta data, só as grandes companhias poderão vender com
uma cotação do barril (WTI na América do Norte) entre
43-45 dólares/barril. Isso implica um colapso dos investimentos,
portanto de novos furos, e a prazo da produção de petróleo
nos Estados Unidos. Com efeito, cerca da metade do petróleo produzido
é petróleo de xisto.
O colapso dos investimentos e da produção
De facto, o colapso dos investimentos está em vias de verificar-se. O
número de furo agora diminui muito rapidamente. Isso significa que furos
antigos (em fim de vida) são retirados do mercado ao passo que novos
furos não vêem substituí-los. A queda começou em
meados de Dezembro de 2014 (gráfico 2).
Gráfico 2
Fonte: Baker-Hugues
Constata-se igualmente que esta queda, muito rápida desde o
começo de 2015, afecta ainda mais a produção canadiana do
que a dos Estados Unidos. Havia 430 furos no Canadá em Outubro de 2010 e
cerca de 200 em Março de 2015. De facto, de acordo com relatório
de meados de Agosto de 2014, momento em que a queda dos preços
começou a tomada amplitude, a contracção dos furos atingiu
mais de 41% nos Estados Unidos. As "bacias" mais atingidas são
as do Texas e também do Dakota (tabela 1).
Tabela 1 Número de furos utilizando trepanos rotativos.
|
15/08/2014
|
13/03/2015
|
Diferença
|
Evolução em percentagem
|
ALABAMA-LAND
|
6
|
2
|
-4
|
-66,7%
|
ALABAMA-INL WATER
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
ALABAMA-OFFSHORE
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
TOTAL ALABAMA
|
6
|
2
|
-4
|
-66,7%
|
ALASKA-LAND
|
9
|
11
|
2
|
22,2%
|
ALASKA-OFFSHORE
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
TOTAL ALASKA
|
9
|
11
|
2
|
22,2%
|
ARIZONA
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
ARKANSAS
|
11
|
11
|
0
|
0,0%
|
CALIFORNIA-LAND
|
45
|
12
|
-33
|
-73,3%
|
CALIFORNIA-OFFSHORE
|
2
|
2
|
0
|
0,0%
|
TOTAL CALIFORNIA
|
47
|
14
|
-33
|
-70,2%
|
COLORADO
|
75
|
37
|
-38
|
-50,7%
|
FLORIDA-LAND
|
0
|
1
|
1
|
-
|
FLORIDA-INL WATER
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
FLORIDA-OFFSHORE
|
2
|
0
|
-2
|
-100,0%
|
TOTAL FLORIDA
|
2
|
1
|
-1
|
-50,0%
|
GEORGIA
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
HAWAII
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
IDAHO
|
1
|
0
|
-1
|
-100,0%
|
ILLINOIS
|
1
|
1
|
0
|
0,0%
|
INDIANA
|
2
|
1
|
-1
|
-50,0%
|
KANSAS
|
26
|
14
|
-12
|
-46,2%
|
KENTUCKY
|
3
|
2
|
-1
|
-33,3%
|
N LOUISIANA-LAND
|
31
|
27
|
-4
|
-12,9%
|
S LOUISIANA-INL WATER
|
10
|
8
|
-2
|
-20,0%
|
S LOUISIANA-LAND
|
19
|
13
|
-6
|
-31,6%
|
S LOUISIANA-OFFSHORE
|
56
|
45
|
-11
|
-19,6%
|
TOTAL LOUISIANA
|
116
|
93
|
-23
|
-19,8%
|
MARYLAND
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
MICHIGAN
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
MISSISSIPPI
|
14
|
5
|
-9
|
-64,3%
|
MONTANA
|
8
|
3
|
-5
|
-62,5%
|
NEBRASKA
|
2
|
3
|
1
|
50,0%
|
NEVADA
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
NEW MEXICO
|
94
|
58
|
-36
|
-38,3%
|
NEW YORK
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
N DAKOTA
|
185
|
101
|
-84
|
-45,4%
|
OHIO
|
42
|
31
|
-11
|
-26,2%
|
OKLAHOMA
|
209
|
134
|
-75
|
-35,9%
|
OREGON
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
PENNSYLVANIA
|
51
|
47
|
-4
|
-7,8%
|
S DAKOTA
|
1
|
0
|
-1
|
-100,0%
|
TENNESSEE
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
TEXAS-OFFSHORE
|
2
|
1
|
-1
|
-50,0%
|
TEXAS-INL WATER
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
DISTRICT 1
|
106
|
73
|
-33
|
-31,1%
|
DISTRICT 2
|
82
|
65
|
-17
|
-20,7%
|
DISTRICT 3
|
69
|
22
|
-47
|
-68,1%
|
DISTRICT 4
|
40
|
24
|
-16
|
-40,0%
|
DISTRICT 5
|
11
|
5
|
-6
|
-54,5%
|
DISTRICT 6
|
35
|
25
|
-10
|
-28,6%
|
DISTRICT 7B
|
13
|
5
|
-8
|
-61,5%
|
DISTRICT 7C
|
97
|
41
|
-56
|
-57,7%
|
DISTRICT 8
|
323
|
199
|
-124
|
-38,4%
|
DISTRICT 8A
|
43
|
14
|
-29
|
-67,4%
|
DISTRICT 9
|
16
|
3
|
-13
|
-81,3%
|
DISTRICT 10
|
64
|
24
|
-40
|
-62,5%
|
TOTAL TEXAS
|
901
|
501
|
-400
|
-44,4%
|
UTAH
|
23
|
8
|
-15
|
-65,2%
|
VIRGINIA
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
W VIRGINIA
|
29
|
18
|
-11
|
-37,9%
|
WASHINGTON
|
0
|
0
|
0
|
0,0%
|
WYOMING
|
55
|
29
|
-26
|
-47,3%
|
TOTAL UNITED STATES
|
1913
|
1125
|
-788
|
-41,2%
|
CANADA-LAND
|
397
|
216
|
-181
|
-45,6%
|
CANADA-OFFSHORE
|
4
|
4
|
0
|
0,0%
|
TOTAL CANADA
|
401
|
220
|
-181
|
-45,1%
|
GRAND TOTAL
|
2314
|
1345
|
-969
|
-41,9%
|
Fonte: Baker-Hugues
A diferença entre meados de Agosto de 2014 e meados de Março de
2015 é espectacular, uma vez que atinge 788 furos num total inicial de
1913 furos nos Estados Unidos. O caso do Texas, com sua grande bacia de
exploração, é típico do movimento geral. No entanto
é preciso notar que é no Texas que estão localizados os
furos dependentes das grandes companhias. Entretanto, a percentagem de
contracção ali é superior à média dos
Estados Unidos com -44%.
Gráfico 3
Fonte: Baker-Hugues
Portanto trata-se claramente de uma contracção enorme e
espectacular a que se está em vias de assistir e que vai prosseguir nos
próximos meses (ainda que a um ritmo provavelmente mais reduzido). Deste
ponto de vista, pode-se efectivamente dizer, como o herói do filme, e
pensando nas consequências destas contracções de furagens:
"there will be blood"...
Consequências sobre a indústria e sobre a economia dos Estados
Unidos
É preciso avaliar as consequências desta contracção.
E em primeiro no que se refere aos preços. Acerca deste ponto, há
actualmente uma super-produção (excesso de oferta). Mas isto
não se traduz necessariamente em excesso de oferta disponível. A
oferta teórica pode ser bloqueada devido a conflitos (Líbia,
Iraque, etc). É isto que explica a (pequena) recuperação
dos preços do barril no fim de Fevereiro. Mas, para que se esboce uma
tendência altista clara, será preciso que a produção
dos Estados Unidos (e do Canadá) se estabilize, depois comece a baixar.
Pode-se prever, com base na evolução das furações,
que isto se verificará em Maio-Junho (para a
estabilização) e em Julho-Setembro (para a baixa). O impacto
sobre o preço deveria ser sensível e o barril, em índice
WTI, deveria subir outra vez para os US$70 no começo de Novembro.
É de notar algumas incertezas:
A que velocidade subirá outra vez?
Como o mercado reagirá a esta tendência altista?
Não se pode excluir completamente uma recuperação forte
(para os US$85) seguida de uma correcção (para os US$65) ligada
à liquidação dos stocks importantes que existem
actualmente, antes que se encontre uma cotação de
equilíbrio em torno dos US$70. Mas o preço deveria estabilizar-se
em média a 50% acima do seu preço de meados de Março de
2015.
É preciso a seguir encarar as consequências financeiras das
evoluções actuais. Numerosas pequenas sociedades estarão
na incapacidade de servir suas dívidas, na verdade entrarão em
falência. Os bancos serão obrigados a reclassificar em
"non-performing loans" ou apagar de 250 a 400 mil milhões de
dólares de dívidas (incluindo aquelas dos sub-empreiteiros). Este
choque é gerível pelo sistema bancário americano, mas
é importante. O Dólar deveria ressentir-se e baixar novamente a
partir de Julho-Setembro de 2015. A reserva federal deveria adiar sua alta das
taxas de três a seis meses. A taxa de câmbio Euro-Dólar
deveria subir outra vez para 1 Euro por US$1,5, a não ser que o BCE
acentue suas intervenções.
O impacto sobre a actividade económica nos Estados Unidos deveria
manifestar-se através de dois mecanismos, por um lado a subida
(certamente limitada) dos preços do petróleo, mas sobretudo pelo
fim do "boom" da indústria do óleo de xisto. O primeiro
mecanismo vai pesar sobre o crescimento, na medida em que os preços dos
carburantes estão pouco dependentes dos impostos (ao contrário da
Europa) e em que as companhias petrolíferas repercutem rapidamente uma
grande parte das baixas ou das altas do preço do petróleo. O
segundo mecanismo é ainda mais importante. Os lucros acumulados na
indústria do óleo de xisto irrigavam amplamente a economia
americana, tanto pelo volume de actividade oferecido aos sub-empreiteiros como
pela alta de rendimento para uma fracção da
população que implicava uma forte expansão dos
serviços. Estes dois impactos tiveram um impacto considerável
sobre a actividade nos últimos quatro anos. Ora, se, como se pode
antecipar, a indústria do óleo de xisto entra numa crise profunda
e os preços do petróleo começam a subir, é de
esperar uma desaceleração importante da economia dos Estados
Unidos (e do Canadá) no 2º semestre de 2015.
Isto implicará igualmente uma reestruturação do sector do
óleo de xisto, com um peso bem mais importante das grandes companhias em
detrimento dos pequenos produtores. Esta reestruturação poderia
então conduzir a uma mudança das regras económicas que
presidem a produção de petróleo, pois as grandes
companhias têm os meios para introduzir tecnologias muito mais eficazes
neste sector.
As consequências sobre o resto do mundo (zona Euro e Rússia)
O que nos conduz a interrogar-nos sobre duas zonas que poderiam ser
potencialmente afectadas pelas consequências sobre os preços do
petróleo e sobre a actividade económica nos Estados Unidos, a
zona Euro e a Rússia.
A zona Euro está bastante ligada à economia dos Estados Unidos,
acima de tudo porque esta última representa ainda hoje um importante
mercado de exportação para países como a Alemanha ou a
Itália. Deste ponto de vista, a forte probabilidade de uma
desaceleração importante da actividade nos Estados Unidos
é uma má notícia. Além disso, é claro que a
situação de meados de Março, em que a zona Euro é
favorecida por uma depreciação do Euro e por preços de
petróleo muito fracos, não se deveria manter durante o 2º
semestre de 2015, com as consequências que se pode esperar sobre a
actividade económica. Estes diferentes factores permitem pensar que esta
última deveria enfraquecer no fim do ano, mas ainda é
impossível dizer se este enfraquecimento se fará a partir do
4º trimestre de 2015 ou o primeiro trimestre de 2016. No total, não
é impossível que a crise da indústria do óleo de
xisto implique para a zona Euro uma perda de 0,3% a 0,5% no crescimento do PIB
agregado. Este enfraquecimento deveria afectar a Alemanha, mas também
países como a Itália e a Espanha que estão muito
dependentes dos hidrocarbonetos importados.
Para a Rússia, a recuperação em alta das
cotações do petróleo (rumo aos US$75 para o BRENT)
traduzir-se-á por um nível de equilíbrio da taxa de
câmbio em torno dos 40 rublos por US$1. Tendo em conta pressões
especulativas que por diversas razões pode-se pensar que se
manterão, a taxa efectiva deveria estar compreendida entre 52 rublos e
35 rublos por US$1. Pode-se pensar que a Rússia tem interesse em
estabilizar o rublo no intervalo 45-50 rublos por US$1 se quiser manter a
competitividade da sua indústria. Mas, uma apreciação de
20% da taxa de câmbio é de encarar daqui até o fim do ano.
Ela deveria ter efeitos benéficos sobre a inflação,
permitindo à produção aumentar rapidamente. Neste
cenário, o ano 2015 seria saldado por uma recessão de -1,5% (e
não -4% como anunciado em Janeiro) e o ano 2016 poderia ser marcado por
um crescimento de 1,5% a 2,5%.
23/Março/2015
[1] Ver Sapir J., Schistes, schistes, rage!, nota publicada em
RussEurope, le 1 janvier 2015,
russeurope.hypotheses.org/3215
[2]
Filme realizado por Paul Thomas Anderson
em 2007. Em Portugal recebeu o título "Haverá sangue". É
extraído do romance
Petróleo!
, de 1927, do escritor e dramaturgo americano Upton Sinclair.
O original encontra-se em
russeurope.hypotheses.org/3658
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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