Em Hong Kong tentam mais uma daquelas revoluções coloridas
Sob o domínio colonial britânico, sem
quaisquer direitos eleitorais, estes manifestantes não se mobilizavam
nem protestavam
por James Petras
entrevistado por Efraín Chury Iribarne
[*]
EChI: Bem, comecemos pelo Brasil onde há eleições no
domingo
JP: No caso do Brasil a esquerda consequente o PCB, o PSOL, o PSTU
não tem muitas possibilidades. Creio que o melhor dentre eles
é o PCB com o candidato Mauro Iasi. Não vão conseguir mais
que uns 2%. Então, qual é a oferta entre os principais candidatos?
De um lado temos Dilma Rousseff depois de 12 anos de governo, sem
mudanças estruturais importantes, algumas políticas
assistencialistas, alguma intervenção estatal mas misturada com
uma enorme quantidade de corrupção. Temos as
privatizações, temos os gastos públicos que impactaram
bastante na baixa do desemprego mas sem gerar um modelo alternativo. Há
uma grande dependência das exportações agrominerais frente
a uma situação de deterioração total dos
preços e da procura.
Neste contexto surge a alternativa de Marina Silva, que está mais ou
menos como representante do grande capital, uma mescla de (Fernando Henrique)
Cardoso com chalatanice e creio que ela também representa a direita.
Pede, por exemplo, a independência do Banco Central, que não
é realmente independência e sim passar o controle do banco
directamente ao sector financeiro. Quer romper com o Mercosul e assinar acordos
de livre comércio com a Europa e os EUA, pede maior
intervenção do capital privado e no sector do petróleo,
particularmente do petróleo no mar. E além disso vai baixar os
fundos para despesas sociais.
Então, por um lado temos a corrupção, a continuidade da
entrega e a política que procura cada vez mais o investimento privado no
sector agromineral. Por outro lado temos uma versão do neoliberalismo
mais radicalizada com Marina Silva.
Depois da primeira volta, onde há possibilidade fazer voto de protesto,
na segunda não há uma alternativa progressista. Vamos ver,
provavelmente, a vitória de Rousseff que vai continuar e aprofundar a
corrupção, a entrega e o modelo extractivo de capitais, mais
possibilidade de ajuste e cortes sociaispara compensar a queda nos rendimentos
das exportações primárias. Por outras palavras, podemos
dizer que a maioria das pessoas vai apertar o nariz e talvez vote em Rousseff.
No outro lado, os serviços públicos vão continuar a
deteriorar-se, o que provocará grandes mobilizações e que,
talvez, Marina Silva faça outro show de chorar, gritar e pedir apoio
devido aos seus antecedentes populares. Mas há cada vez mais buracos,
porque se revelou agora que Cardoso e seu partido estão preparados para
juntar-se a ela na segunda volta. Então, num contexto muito polarizado
entre um e outro partido neoliberal, as pessoas têm poucas
opções. Creio que vai aumentar o abstencionismo para além
do que se verificou em eleições anteriores.
EChI: Petras, faz tempo que não falas da Venezuela. Como está a
situação ali?
JP: Há duas coisas na Venezuela. Uma é que a direita apoiada
pelos EUA esgotou uma etapa de violência e de confrontações
na rua. Além disso, continua a tentar desprestigiar e desgastar o
governo de várias formas, a partir de protestos menos visíveis
mas que continuam em função de suas posições em
governos e municipalidades. Enquanto isso o governo de (Nicolás) Maduro
não mostrou um plano económico para recuperar o crescimento,
baixar a inflação e manejar melhor a economia.
Creio que o grande problema da Venezuela não é simplesmente
radicalizar ou não a política económica. A primeira
consideração é melhorar a governação, porque
actualmente há uma falta de controle sobre as finanças. Num caso
concreto foram perdido US$20 mil milhões, desapareceram, e estavam
destinados a importar comida e outros produtos básicos. E não
há ninguém que possa investigar e descobrir para onde foram esses
US$20 mil milhões.
A Venezuela está politicamente estável. A direita está
suficientemente desprestigiada para não tentar tomar o poder pela
força.
[NR]
Mas por outro lado, o governo ainda não mostra capacidade para montar
um programa económico em que se administrem os rendimentos do
petróleo de uma forma a diversificar a economia. Depois de 12 anos, uns
95% dos rendimentos do comércio provêm do petróleo. E uns
90% ou mais dos alimentos continuam a ser importados. São esses
desequilíbrios que não se podem deixar de lado.
E há outros problemas, como as limitações no acesso do
povo ao governo, etc. O facto é que ainda há uma enorme gama de
forças populares nos conselhos populares e outros que continuam a ser
fortes e capazes de apoiar o governo frente aos desafios da direita. Mas
há uma situação estagnada. E creio que devemos reconhecer
isso e, apesar dos grandes saltos progressistas dos anos anteriores, têm
de encontrar uma forma de superar os grandes desequilíbrios
económicos e sociais.
EChI: Petras, o que se passa com esta espécie de guerra dos EUA, NATO,
Europa ocidental com o Estado Islâmico?
JP: Creio que a intervenção norte-americana e europeia, e das
monarquias árabe do Golfo, fortaleceram o Estado Islâmico e
juntaram agora outro grupo, a Frente al Nusra que está ligada
à Al Qaeda a qual anunciou que vão trabalhar juntos com o
EI (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), juntos representam mais ou
menos 90% da oposição de Bashar al-Assad.
Washington lança bombas mas o EI está a acumular forças no
terreno. Agora estão a atacar perto de Bagdad, estão a atacar os
curdos aliados aos EUA e os ataques aéreos do Ocidente não
têm nenhum impacto militar. Pelo menos nenhuma consequência que
reverta a tendência do avanço do EI.
Além disso, a presença norte-americana enfraqueceu seus
"clientes", os poucos que restam na Síria, que já
desapareceram ou quase, e os que restam estão a denunciar cada vez mais
os EUA. Ou seja, os EUA e seus aliados têm cada vez menos apoio no
terreno. Enquanto isso, os turcos continuam com sua posição de
não se meterem, apesar de terem um enorme exército na fronteira,
porque não querem ajudar os curdos. Sentem-se mais ameaçados
pelos curdos do que pelos islâmicos. Por outras palavras, a nova ofensiva
aérea norte-americana teve um efeito boomerang, fortaleceu o EI,
unificou as forças islâmicas e no terreno próprio
avançaram, apesar dos bombardeamentos.
EChI: Como sempre, deixamos o fecho para que comentes outros temas em que
estás a trabalhar.
JP: Bem, vou falar de alguns temas. O primeiro são as
manifestações em Hong Kong, protagonizadas por aquilo a que a
imprensa burguesa chama de pró democracia. Mas creio que é outra
a intenção desse tipo de manifestações, estimuladas
e apoiadas pelo imperialismo. Não é que o sistema de Hong Kong
seja democrático, mas não é menos democrático que
os sistemas que temos no mundo ocidental, nos EUA, Inglaterra, Europa, etc.
Por exemplo: há voto universal, mas os candidatos e partidos que podem
apresentar-se estão restringidos. Mas nos EUA os republicanos e
democratas controlam o processo eleitoral há 150 anos e sobretudo agora
as restrições são financeiras, pois para ser eleito
deputado a tarifa mínima é de 20 milhões de dólares
e para ser eleito senador pode chegar a 100 milhões de dólares.
Isso elimina qualquer opção que não seja democrata ou
republicana e elimina qualquer candidato que não tenha o apoio do grande
capital. O mesmo se passa na Inglaterra, onde tens trabalhistas e
conservadores. E algo semelhante se passa em todo o continente, com alguma
diversificação aqui ou ali, mas na realidade há sempre
dois blocos.
E a China está sempre a repetir os padrões dos países
ocidentais. É curioso que estes manifestantes, quando estiveram durante
cem anos sob o regime colonial britânico, em que não tinham nenhum
direito eleitoral, não se mobilizavam, não protestavam. Estavam
sob o comando colonial inglês, controlado autocraticamente e não
se mostravam nas ruas. Mas agora, de repente, quando a China começa a
estender o voto, permite a participação, eles protestam pela
democracia total.
Mas diga-me onde está a democracia total. Onde temos aqui nos EUA acesso
aos meios de comunicação de massas? Onde temos meios financeiros
para competir?
São algo suspeitas estas manifestações. Creio que outra
daquelas revoluções coloridas, que estão organizadas
simplesmente para desprestigiar o governo chinês e talvez provocar alguma
repressão, que pudesse mobilizar a opinião pública mundial
para boicotar ou restringir o comércio com a China. Creio que é
isso que está por trás destes chamados "protestos".
Agora, o segundo tema que quero abordar, que afecta também o Uruguai,
é a grande crise que se está a aprofundar nos modelos
económicos de exportação de matérias-primas,
agrícolas ou minerais. Os mercados estão péssimos, os
preços estão a cair, a procura esta a cair, os rendimentos do
Estado caem, o défice continua a crescer e não há mais
possibilidade de repartir dinheiro entre os grande capital e os sectores
populares, que é a maneira de equilibrar a política dos governos
de centro esquerda.
Isto vai afectar de maneira negativa as candidatura de Rousseff, Cristina
Fernández e Tabaré Vásquez, porque põe em causa
todo o modelo agro mineral e agora esse modelo está em franca
deterioração. E não resta para eles outras alternativas,
têm que enfrentar uma situação em que a capacidade
policlassista, de juntar capitalistas e trabalhadores, está a terminar.
Nesse contexto, devemos esperar que a direita volte com mais forças e
mais capacidade de aproveitar essa debilidade para voltar a impor uma
política mais reaccionária. Creio que isso vai afectar as
possibilidades dos governos no Brasil, Argentina, Uruguai e outros
países que estão nessa dinâmica.
A única excepção é Evo Morales, que convidou
grandes capitais agro-minerais nos últimos tempos. (O vice-presidente
Álvaro) Garcia Lineras esteve envolvidos nas conversações
com os grandes do agro-negócio, entregando centenas de milhares de
hectares para fomentar as exportações, mas prejudicando os
pequenos produtores.
Neste caso, com as novas ofertas e o aprofundamento da entrada do capital
extractivo, não há dúvida de que Evo Morales vai ganhar o
apoio do grande capital. E assim vai manter o controle sobre os sindicatos e as
organizações de cocaleiros.
Neste caso, esta combinação vai consolidar uma nova
vitória eleitoral, com talvez 55% dos votos. Mas ele não tem medo
de perder, porque entre o populismo simbólico e a entrega agressiva, tem
recursos económicos e apoio eleitoral suficiente para poder ganhar outra
eleição.
[NR] Mas agora recorre ao terrorismo, como se verifica pelo assassinato do
deputado bolivariano Robert Serra e de sua esposa, em data posterior a esta
entrevista.
[*]
Entrevista à rádio CX36, de Montevideo, em 29/Setembro/2014.
A entrevista pode ser ouvida aqui:
www.ivoox.com/...