Guerras americanas no Médio Oriente:
Oposição social e impotência política

por James Petras

"Não se pode ganhar a paz a menos que se conheça o inimigo interno e externo"
Coronel US Marine do Tennessee.

. Em todos os lugares que visito, desde Copenhagem até Istambul, desde a Patagónia até a Cidade do México, jornalistas e académicos, sindicalistas e homens de negócio, assim como cidadãos comuns, inevitavelmente perguntam-me: por que o público americano tolera a matança de mais de um milhão de iraquianos ao longo das duas últimas décadas, e de milhares de afegãos desde 2001?

Por que, perguntam eles, é um público – cujos inquéritos de opinião revelam que mais de 60 por cento estão a favor da retirada das tropas americanas do Iraque – tão politicamente impotente? Um jornalista de um importante jornal de negócios da Índia perguntou-me o que está a impedir o governo dos EUA de concluir a sua agressão ao Irão se quase todas as grandes companhias de petróleo do mundo, incluindo as multinacionais americanas, estão ansiosas por acordos com Teerão para descobrir petróleo? Advogados anti-guerra na Europa, Ásia e América Latina perguntam-se em grande fóruns públicos o que aconteceu ao movimento da paz estado-unidense face ao consenso entre a Casa Branca republicana e o Partido Democrata que domina o Congresso para continuar a financiar a carnificina de iraquianos, apoiar a penúria, morte e ocupação israelense da Palestina e a destruição do Líbano?

Ausência de um movimento da paz?

Pouco antes da invasão americana do Iraque, em Março de 2003, mais de um milhão de cidadãos americanos protestaram contra a guerra. Desde então tem havido pouco protestos e mais pequenos mesmo quando a carnificina de iraquianos ganha maior dimensão. As baixas estado-unidenses sobem e uma nova guerra com o Irão assoma na horizonte. A morte do movimento da paz é em grande medida o resultado da decisão das maiores organizações pacifistas de comutarem das mobilizações sociais independentes para a política eleitoral, nomeadamente canalizar activistas para trabalhar pela eleição de candidatos democratas — a maior parte dos quais tem apoiado a guerra. A lógica apresentada por estes 'líderes da paz' era que uma vez eleitos os democratas reponderiam aos votantes anti-guerra que os colocaram no gabinete. A experiência prática e a história, naturalmente, deveria ter ensinado o movimento da paz a actuar de outra forma. Os democratas no Congresso votaram todo orçamento militar desde que os EUA invadiram o Iraque e o Afeganistão. A capitulação total da maioria democrata recém-eleita teve um efeito desmoralizante sobre os desorientados activistas da paz e desacreditaram muitos dos seus líderes.

Ausência de um movimento nacional

Como relatou correctamente David Brooks (La Jornada, 02/Julho/2007) no Fórum Social americano, não há movimento social coerente nos EUA. Ao invés disso temos uma colecção de 'grupos de identidade' fragmentados, cada um deles incrustrado em estreitos conjuntos de interesses identitários. A proliferação destes sectários 'grupos de identidade' 'não governamentais' baseia-se na sua estrutura, financiamento e liderança. Muitos dependem de fundações privadas e agências públicas para o seu financiamento, os quais impedem-nos de tomar posições políticas. No melhor dos casos eles operam como 'lobbies' simplesmente pressionando a elite política de ambos os partidos. Seus líderes dependem da manutenção de uma existência separada a fim de justificar os seus salários e assegurar avanços futuros em agência governamentais.

Os sindicatos estado-unidenses são virtualmente não existentes e mais da metade dos Estados Unidos. Eles representam menos de 9% do sector privado e 12% da força de trabalho total. A maior parte dos responsáveis nacionais, regionais e de cidade recebem salários comparáveis a altos executivos de negócios: entre US$ 300 mil a US$ 500 mil por ano. Quase 90% dos burocratas sindicais de topo financia e apoia democratas pró-guerra e apoiaram Bush e os orçamentos de guerra do Congresso, compraram Títulos de Israel (US$ 25 mil milhões), a carnificina de palestinos e o bombardeamento israelense do Líbano.

Lobby da guerra sem oposição

Os EUA são o único país do mundo onde o movimento da paz nega-se a reconhecer, condenas publicamente ou opor-se a importantes e influentes instituições políticas e sociais que apoiam firmemente e promovem guerras americanas no Médio Oriente. O poder político da configuração de forças pró-Israel, conduzida pelo American Israel Political Affairs Committee (AIPAC), apoiado dentro do governo por líderes do Congresso e por responsáveis altamente colocados da Casa Branca e do Pentágono tem sido bem documentado em livro e artigos por importantes jornalistas, académicos e o antigo presidente Jimmy Carter. A Zionist Power Configuration (ZPC) tem mais de dois mil funcionários a tempo inteiro, mas de 250 mil activistas, mais de um milhar de multi-milionários doadores políticos que contribuem com fundos para ambos os partidos políticos. O ZPC assegura que 20% do orçamento de ajuda militar estrangeira dos EUA sejam para Israel, mais de 95% de apoio do Congresso para o boicote as incursões armadas de Israel em Gaza, para a invasão do Líbano e a opção militar antecipativa contra o Irão.

A invasão americana e a política de ocupação do Iraque, incluindo as provas fabricadas que justificavam a invasão, foram profundamente influenciadas por altos responsáveis com antigas lealdades e laços com Israel. Wolfowitz e Feith, números 2 e 3 no Pentágono, são sionistas há muito, ambos perderam o certificado de segurança (security clearance) no princípio das suas carreiras por entregarem documentos a Israel. O chefe dos conselheiros de política externa para o planeamento da invasão do Iraque do vice-presidente Cheney é Irving Lewis Liebowitz ('Scooter Libby'). Ele é protegido e colaborador de longa data de Wolfowitz e um criminoso condenado.

Libby Liebowitz cometeu perjúrio, defendendo a cumplicidade da Casa Branca na punição de oficiais críticos da sua propaganda de guerra ao Iraque. Libby Liebowitz recebeu poderoso apoio político e financeiro do lobby pro-Israel durante o seu julgamento. Depois de perder o seu apelo quanto à sua condenação por cinco delitos de perjúrio, obstrução da justiça e mentira, o ZPC convenceu o presidente Bush a que 'comutasse' a sua sentença de prisão, libertando-o com efeito de uma sentença de prisão de 30 meses antes de ele ter cumprido um dia. Enquanto políticos democratas e alguns líderes pacifistas criticaram os presidente Bush, nenhum ousou responsabilizar o lobby pro-Israel que pressionou a Casa Branca.

Os Presidentes das Principais Organizações Judias Americanas (PMAJO, na sigla em inglês) – em número de 52 – e seus anexos regionais e locais são a força principal que transmite a agenda de guerra de Israel contra o Irão. O PMAJO, a trabalhar em estreito contacto com o congressista americano-israelense Rahm Emmanuel e importantes senados sionistas como Charles Schumer e Joseph Lieberman, conseguiram eliminar uma cláusula do orçamento que estabelecia uma data para a retirada das tropas americanas do Iraque.

Em contraste com o êxito da vasta propaganda, no congresso e nas campanhas dos media, organizada e financiada pelos lobbies pro-Israel para as políticas de guerra, não há registo público de que as grandes companhias de petróleo apoiem a guerra do Iraque, a invasão israelense do Líbano ou as ameaças militares de ataques antecipativos ao Irão. Entrevistas com banqueiros de investimento, executivos de companhias petrolíferas e através de uma revisão das principais publicações do Petroleum Institute ao longo dos últimos sete anos proporcionam uma prova conclusiva de que o 'Big Oil' estava profundamente interessado em negociar acordos petrolíferos com Saddam Hussein e o governo da islâmico iraniano. O 'Big Oil' percebe as guerras no Médio Oriente como uma ameaça para as suas antigas relações lucrativas com todos os conservadores estados petrolíferos árabes do Golfo. Apesar da posição estratégica na economia americana e da sua grande riqueza o 'Big Oil' foi totalmente incapaz de reagir ao poder político e influência organizada do lobby pro-Isarel. De facto, o 'Big Oil' foi totalmente marginalizado pelo Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca para o Médio Oriente, Elliot Abramas, um sionista fanático e militarista.

Apesar da maciça e sustentada actividade pro-guerra das principais organizações sionistas dentro e fora do governo e apesar da ausência de qualquer campanha aberta ou encoberta do 'Big Oil', os líderes do movimento da paz americano recusaram-se a atacar o lobby da guerra pro-Israel e continuar a balbuciar clichés não fundamentados acerca do papel do 'Big Oil' nos conflitos do Médio Oriente.

Os slogans aparentemente 'radicais' contra a indústria petrolífera por parte de alguns intelectuais críticos da guerra serviram como uma 'cobertura' para evitar a tarefa muito mais desafiante de enfrentar o poderoso lobby sionista. Há várias razões para o fracasso dos líderes do movimento da paz em confrontar o militante lobby sionista. Uma é o medo da poderosa propaganda e campanha de calúnias que o lobby pro-Israel é perito em montar, com suas acusações agressivas de 'anti-semitismo' e sua capacidade para por os críticos na lista negra, o que leva à perda de emprego, destruição de carreira, abuso público e ameaças de morte.

A segunda porque os líderes da paz fracassam na crítica ao lobby pro-guerra é a influência dos 'progressistas' pro-Israel no movimento. Tais progressistas condicionam o seu apoio à 'paz no Iraque': só se o movimento não criticar o lobby pro-guerra de Israel dentro e fora do governo americano, o papel de Israel como parceiro beligerante para os EUA no Líbano, na Palestina e no norte curdo do Iraque. Um movimento que clama ser a favor da paz, que se recusa a atacar os principais proponentes da guerra, está destinado à irrelevância: ele desvia a atenção dos altos responsáveis pro-Israel no governo e dos lobbystas no Congresso que apoiam a guerra e estabelecem a agenda da Casa Branca para o Médio Oriente. Ao focar a atenção exclusivamente sobre o presidente Bush, os líderes da paz fracassaram em confrontar a maioria democrata pro-Israel do Congresso que financiam a guerra de Bush, respaldam a sua escalada de tropas e dão apoio incondicional à opção militar de Israel quanto ao Irão.

O colapso do movimento da paz americano, a falta de credibilidade da maior parte dos seus líderes e a desmoralização de muitos activistas pode ser derivada de fracassos políticos estratégicos: a falta de vontade em identificar e confrontar os movimentos pro-guerra reais e a incapacidade para criar uma alternativa política à belicosidade do Partido Democrata. O fracasso político dos líderes do movimento da paz é ainda mais dramático face à grande maioria de americanos passivos que se opõem à guerra, a maior parte dos quais não ostenta as suas bandeiras neste Quatro de Julho e não são conduzidos a reboque pelo lobby pro-Israel ou os seus apologistas intelectuais dentro dos círculos progressistas.

A resposta para os críticos anti-guerra do resto do mundo é que mais de sessenta por cento do público americano opõe-se à guerra mas as nossas ruas estão vazias porque os líderes do nosso movimento da paz são sem espinha e politicamente impotentes.

04/Julho/2007

O orginal encontra-se em http://petras.lahaine.org/articulo.php?p=1704&more=1&c=1

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
27/Jul/07