As mentiras do Financial Times

por James Petras [*]

As principais publicações financeiras têm enganado os políticos e investidores que as assinam quanto a crises emergentes e derrotas militares, as quais precipitaram perdas políticas e económicas catastróficas.

O exemplo mais notório é o Financial Times (FT), publicação amplamente lida pela elite empresarial e financeira.

Neste ensaio esboçaremos o contexto político mais amplo que estabelece a estrutura de transformação do FT de um fornecedor de informação relativamente objetivo num propagador de guerras e políticas económicas fracassadas.

Na parte dois, discutiremos vários estudos de caso que ilustram as mudanças radicais de uma prudente publicação de negócios e analista de políticas económicas bem documentadas num raivoso advogado militar e num ideólogo dos piores investidores especulativos.

A decadência da qualidade das suas reportagens é acompanhada pela degradação da linguagem. Conceitos são distorcidos; os significados são esvaziados do seu sentido cognitivo e o veneno abrange crimes e contravenções.

Concluiremos discutindo como e por quê os media "respeitáveis" condicionaram as consequências políticas e de mercado do mundo real para os cidadãos e os investidores.

Contexto político e económico

A decadência do FT não pode ser separada das transformações políticas e económicas globais nas quais publica e circula. O desaparecimento da União Soviética, a pilhagem da economia russa ao longo da década de 1990 e a declaração dos Estados Unidos de um mundo unipolar foram celebrados pelo FT como histórias de grandes sucesso para os "valores ocidentais". A anexação da Europa Oriental, dos Estados dos Balcãs e do Báltico aos EUA e à UE levou à profunda corrupção e decadência das narrativas jornalísticas.

O FT aceitou todas as violações dos acordos entre Gorbachev e Reagan e a marcha da NATO até as fronteiras da Rússia. A militarização da política externa dos EUA foi acompanhada pela conversão do FT a uma interpretação dos aspetos militares qualificando-os de "transição para a democracia".

A linguagem da reportagem do FT combinava a retórica democrática com a adoção de práticas militares. Isso tornou-se a marca de todas as coberturas e dos editoriais. As políticas militares do FT estenderam-se da Europa ao Médio Oriente, ao Cáucaso, ao Norte da África e aos Estados do Golfo. O FT juntou-se à imprensa amarela ao descrever a apropriação militar do poder, incluindo o derrube de adversários políticos, como "transições para a democracia" e a criação de "sociedades abertas".

A unanimidade das publicações liberais e de direita em apoio ao imperialismo ocidental impediu qualquer compreensão dos enormes custos políticos e económicos que se seguiram.

Para proteger-se das suas mais notórias fraquezas ideológicas, o FT incluía "cláusulas de seguro", para cobrir resultados autoritários catastróficos. Por exemplo, eles aconselharam os líderes políticos ocidentais a promoverem intervenções militares como "transições democráticas". Quando se tornou evidente que as guerras dos EUA e NATO não levaram a finais felizes, mas transformaram-se em insurgências prolongadas ou quando aliados ocidentais se transformaram em tiranos corruptos, o FT alegou que não era isso que eles queriam dizer com "transição democrática". isso não era a sua versão de "mercados livres e eleições livres".

O Times Financeiro e Militar (?)

A militarização do FT levou-o a abraçar uma definição militar da realidade política. Os custos humanos, e em particular os económicos, os mercados perdidos, os investimentos e os recursos, ficaram subordinados aos resultados militares das "guerras contra o terrorismo" e do "autoritarismo russo".

Todo e qualquer relatório do FT e seus editoriais promovendo intervenções militares ocidentais nas últimas duas décadas, resultaram em perdas económicas em larga escala e de longo prazo.

O FT apoiou a guerra dos EUA contra o Iraque, que levou à cessação de importantes acordos bilionários de petróleo (petróleo por alimentos) assinados com Saddam Hussein. A subsequente ocupação dos EUA impediu uma revitalização da indústria petrolífera. Os Estados Unidos nomearam um regime vassalo permitindo a pilhagem através de programas multibilionários de reconstrução – às custas dos contribuintes americanos e da UE e privando os iraquianos de necessidades básicas.

As milícias rebeldes, incluindo o ISIS, obtiveram o controle sobre metade do país e impediram a entrada de qualquer novo investimento.

Os EUA e o FT apoiaram os regimes vassalos ocidentais, organizaram resultados eleitorais fraudulentos e saquearam o tesouro das receitas do petróleo, despertando a ira da população sem eletricidade, água potável e outras necessidades.

A guerra, ocupação e controlo do Iraque, tudo apoiado pelo FT, foi um desastre absoluto. O apoio do FT às invasões do Afeganistão, Líbia, Síria e Iémen. conduziu a resultados semelhantes.

Por exemplo, o FT propagou a história de que os talibãs estavam a esconder Bin Laden como autor do plano do ataque terrorista aos EUA de 11 de setembro.

Na realidade, os líderes afegãos propuseram entregar o suspeito aos EUA, se lhes fossem proporcionadas provas. Washington rejeitou a oferta, invadiu Cabul e o FT juntou-se ao coro que apoiava a chamada "guerra ao terrorismo" que levou a uma interminável guerra de um milhão de milhões de dólares.

A Líbia assinou um acordo de desarmamento e um multibilionário acordo de petróleo com os EUA em 2003. Em 2011, os EUA e seus aliados ocidentais bombardearam a Líbia, assassinaram Kadafi, destruíram totalmente a sociedade civil e minaram os acordos de petróleo com a EUA e a UE. O FT apoiou a guerra, mas condenou o resultado. O FT seguiu o estratagema habitual, promovendo invasões militares e depois, depois do facto consumado, criticando os desastres económicos.

O FT liderou os media a favor da guerra ocidental contra a Síria: atacando o governo legítimo e elogiando os terroristas mercenários, apelidados de "rebeldes" e "militantes" – termos duvidosos para agentes financiados pelos EUA e pela UE.

Milhões de refugiados, resultantes das guerras ocidentais na Líbia, Síria, Afeganistão e Iraque, fugiram para a Europa em busca de refúgio. O FT descreveu o holocausto imperial com os "dilemas da Europa". O FT lamentou a ascensão dos partidos anti-imigrantes, mas nunca assumiu a responsabilidade pelas guerras que obrigaram milhões a fugir para os países ocidentais.

Os colunistas do FT tagarelam sobre "valores ocidentais" e criticam a "extrema-direita", mas renunciam a qualquer ataque ao continuado massacre diário de palestinos por Israel. Em vez disso, os leitores recebem uma dose semanal de empoladas notícias sobre a política israelense, sem uma única menção ao poder sionista sobre a política externa dos EUA.

FT: Sanções, conspirações e crises – Rússia, China e Irão

O FT, como todas as prestigiosas folhas de propaganda dos media, assumiu um papel de liderança nos conflitos dos EUA com a Rússia, China e Irão.

Durante anos, os escribas da lixeira do FT descobriram (ou inventaram) "crises" na economia da China – sempre alegando que estava à beira do juízo final económico. Ao contrário do que o FT afirma, a China vem crescendo a uma taxa quatro vezes superior à dos EUA; ignorando os críticos, construiu um sistema de infraestruturas global em vez das multi-guerras apoiadas pelo jornalismo vendedor de belicismo.

Quando a China inova, o FT repete o tema do roubo de tecnologia – ignorando o declínio económico dos EUA.

O FT orgulha-se de escrever "sem medo e sem favor", o que se traduz em servir voluntariamente os poderes imperiais.

Quando os EUA sancionaram a China, o FT informou que Washington está a corrigir as políticas estatais abusivas da China. Como a China não impõe postos avançados militares para se opor às oitocentas bases militares dos EUA em cinco continentes, o FT inventa o que chama de "colonialismo da dívida", aparentemente descrevendo os projetos de infraestrutura produtiva em larga escala financiados por Pequim.

A lógica perversa do FT estende-se à Rússia. Para encobrir o golpe financiado pelos EUA na Ucrânia, converteu o movimento separatista no Donbass numa ocupação de terras pela Rússia. Do mesmo modo, uma eleição livre na Crimeia é descrita como anexação pelo Kremlin.

O FT fornece a linguagem do declínio do imperialismo ocidental. A Rússia democrática e independente, livre da pilhagem ocidental e da intromissão eleitoral, é rotulada como "autoritária"; o bem-estar social que serve para diminuir a desigualdade é denegrido como "populismo" – ligado à extrema-direita. Sem evidências ou verificação independente, a FT fabrica enredos de venenos "putinescos" na Inglaterra e conspirações com gás venenoso de Bashar Assad na Síria.

Conclusão

O FT optou por adotar uma linha militar que levou a uma longa série de guerras financeiramente desastrosas. O apoio do FT às sanções custou às companhias de petróleo milhares de milhões de dólares, euros e libras. As sanções, que apoiou, romperam redes comerciais globais.

O FT adotou posturas ideológicas que ameaçam as cadeias de fornecimentos entre o Ocidente, a China, o Irão e a Rússia. O FT escreve em muitas línguas, mas não informou os seus leitores financeiros que carrega alguma responsabilidade pelos mercados que estão sob assédio.

É inquestionável a necessidade de rever o nome e os objetivos do FT. Um jornalista próximo dos editores sugere que se deveria passar a chamar "Military Times" – a voz de um império em declínio.

06/Outubro/2018

[*] Professor Emérito de Sociologia na Universidade Binghamton, em Nova York.

O original encontra-se em www.informationclearinghouse.info/50393.htm Tradução de VC.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
18/Out/18