Prefácio a "O Canto da Sereia"
por James Petras
Este livro, "O Canto da Sereia"
[1]
, é uma importante contribuição para a
clarificação de várias questões políticas e
académicas importantes. Antes de mais, os artigos analisam criticamente
os novos instrumentos ideológicos, políticos e sociais utilizados
pelas classes dirigentes para boicotar a luta de classes.
Especificamente, as contribuições concentram-se no envolvimento
das classes dirigentes na luta de classes pela base: o uso das chamadas
organizações não-governamentais (ONG) e a
manipulação e cooptação de slogans
"progressistas" ("delegação",
"participação democrática").
No artigo teórico de abertura, Carlos Montaño fornece um
enquadramento perspicaz. O artigo "A ilusão ou
auto-representação da sociedade civil" relaciona a
ascensão do neoliberalismo e o ataque às
organizações de classe e ao bem-estar social, com o
patrocínio estatal das ONG que se destinam a competir, cooptar e
subverter as organizações de classe empenhadas na luta de classes.
Perante o fim e a decadência da ideologia neoliberal convencional e a
ascensão da política de classe, após o recuo de regimes
autoritários na década de 80, as classes dirigentes imperialistas
e nacionais perceberam que não podiam governar apenas pela força
e pela violência. Procuraram e encontraram um pequeno exército de
activistas ex-esquerdistas, de intelectuais pós-marxistas
"renovados", de guerrilheiros arrependidos e de empresários
académicos complacentes, dispostos a desempenhar o papel de desviar as
organizações de classe da luta pelo poder estatal para a
colaboração de classes com vista a micro-mudanças no
interior do sistema neoliberal. A estratégia de
contra-revolução da classe dirigente foi concebida para
"reembalar" o regime neoliberal numa "Terceira Via" entre o
"capitalismo desenfreado" e o "socialismo estatal
autoritário". Os académicos e activistas
"pós-marxistas" asseguraram posições lucrativas,
tiveram acesso a uma fundação imperialista e a financiamentos
estatais e à protecção do regime contra a
repressão. Os homens das ONG receberam donativos generosos para comprar
veículos todo-o-terreno, contrataram pessoal, alugaram ou compraram
escritórios e edifícios bem mobilados, tudo em nome de
"organizar e capacitar as pessoas". Foram pagos para disseminar uma
ideologia e uma organização que substituíssem a
solidariedade de classe pela colaboração de classes, invocando a
delegação do poder individual. Promoveram o
"auto-emprego" em vez da propriedade colectiva dos meios de
produção. Concentraram-se na "pobreza" e não nas
relações exploradoras de classe que dão origem à
pobreza.
Através da intervenção estatal, financiaram-se centros de
investigação influentes, destacados intelectuais ex-esquerdistas
forneceram os instrumentos conceptuais que levaram às "reformas
sociais" neoliberais que perpetuaram o poder e os privilégios da
classe dirigente. Floresceu o capital extractivo multinacional e os bancos; o
estado imperialista colonizou o espaço cibernético, mas os
académicos da "Terceira Via" excluíram o imperialismo
da sua agenda de investigação.
Com o fim da primeira vaga de dirigentes neoliberais (Cardoso no Brasil, Menem
na Argentina, Sanchez de Losada na Bolívia, Gutierrez no Equador),
surgiu uma segunda vaga de dirigentes, os chamados
"pós-neoliberais", com base nos levantamentos e lutas
populares de massas.
Os novos "pós-neoliberais" aprofundaram os seus laços
com o capital extractivo e expandiram o papel do capital financeiro para
desenvolver a economia e procuraram manter o apoio das massas financiando
vastos programas clientelísticos de combate à pobreza. O
neoliberalismo social encontrou nos ex-marxistas os soldados ideológicos
para justificar e promover o mito de mudanças radicais. Emir Sader, o
patrono do CLACSO [Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais], e
Walter Pomar, o ideólogo do PT, no Brasil, Garcia Linares na
Bolívia e uma série de outros proporcionaram um brilho
intelectual para justificar a acomodação entre o regime e o
capital.
Ex-esquerdistas da América latina, seguindo as pisadas do autor da
"Terceira Via", o sociólogo britânico e conselheiro de
Tony "Bombas sobre Bagdad" Blair, Anthony Giddings (Barão
Giddings), procuraram denegrir, excluir e menorizar os marxistas
críticos que questionavam os regimes "pós-neoliberais".
Felizmente, não tiveram êxito por duas razões importantes,
uma "objectiva" e outra "subjectiva". As crises
económicas, que começaram em 2008 e continuaram até ao
presente, e as políticas pró-capitalistas dos
pós-neoliberais geraram protestos e mobilizações de massas
que subverteram os pressupostos e afirmações progressistas dos
académicos, defensores do "pós-neoliberalismo".
Igualmente importante, os trabalhos académicos, como a presente
colectânea de artigos, demonstraram, teórica e empiricamente, a
falência intelectual da "Terceira Via" e o fracasso dos seus
projectos político-económicos.
Uma crítica completa do projecto pós-neoliberalismo
e da ideologia da terceira via
A Canção da Sereia é a melhor crítica abrangente da
"contra-revolução pela base" a guerra
ideológica para conquistar os corações e os
espíritos das massas através das "organizações
de base" controladas pela classe dirigente.
A estrutura e a ideologia da "contra-revolução"
dirigida pela classe dirigente, assenta em cinco pilares: as ONG, a
micro-política, a micro-empresa, o neoliberalismo social e os sujeitos
despolitizados. Os artigos nesta colectânea derrubam todos os pilares
ideológicos que sustentam os argumentos da Terceira Via. André
Dantas e Ivy Carvalho desmistificam a noção de
"participação democrática" e de
"delegação de poder" situando os conceitos no
seu contexto político e económico mais amplo: como o poder
oligárquico contém e reduz o tempo e o espaço do seu
significado operacional, esvaziando-os de qualquer conteúdo substantivo.
Carlos Montaño fornece uma análise histórica e estrutural
das ONG, ligando-as às crises de domínio pós-militar e
à sua função como "bombeiros" neoliberais
organizações destinadas a boicotar a emergente
organização de classe e a desviar a luta de classes para a
colaboração de classes.
Em três artigos rigorosamente documentados, Soares, Martins e Wellen
demonstram o fracasso da política de micro-empresas da Terceira Via,
corporizadas nos programas de "auto-emprego" e de "economia
solidária" do PT que foram concebidas para reduzir o desemprego e a
desigualdade. As continuidades na estrutura económica e na
estratégia entre o passado (Cardoso) e o presente (DaSilva/Rousseff)
resultaram em ganhos temporários limitados à custa de perdas
estruturais estratégicas. O crescimento na
"fundação" de micro-empresas é mais do que
igualado pelas altas taxas de falências. "Economias de
subsistência" no contexto da crescente concentração de
riqueza não é um progresso histórico.
A quarta coluna do edifício Terceira Via: "desenvolvimento com
justiça social" é brilhantemente criticada em dois artigos
por Maranhão e Sigueira. Desmascarando a noção de que o
modelo de desenvolvimento do Brasil desbravou novos terrenos aliando o capital
extractivo aos programas de combate à pobreza, os autores documentam
como a manipulação ideológica do conceito de pobreza feita
pela classe dirigente preservou as estruturas do poder que geraram e perpetuam
a pobreza.
A quinta coluna da construção ideológica da Terceira Via
são os conceitos de "sujeitos autónomos" e de
"novos movimentos sociais". Martin demonstra eficazmente que os
movimentos mais dinâmicos e influentes que provocam mudanças
estruturais são os liderados e dirigidos por ideologias e líderes
orientados pela classe.
Os "novos movimentos sociais" foram fenómenos efémeros
que se mantiveram à margem das grandes lutas políticas e
não desempenharam qualquer papel nas mudanças de regime durante
os últimos quinze anos.
Em dois artigos, Martino e Zacarias fornecem dados e uma teoria que demonstra
que a dinâmica da luta de classes e da consciência de classe foram
os factores determinantes na realização de mudanças
consequentes na correlação das forças políticas.
Zacarias foca os movimentos ambientalistas, sublinha a importância da
análise de classe para a identificação das classes
(dirigentes) como o principal agente fundamentalmente responsável pela
degradação climática e das classes trabalhadoras e rurais
como as mais gravemente afectadas pela poluição ambiental.
No seu conjunto, estes artigos demonstram como a ideologia da Terceira Via e o
projecto neoliberal se completam uma à outra, como a classe dirigente
neoliberal privatiza a economia e reprime as massas, enquanto as ONG
despolitizam e desviam os trabalhadores e os sub-proletários urbanos
para organizações colaboracionistas de classe.
Estes artigos reivindicam colectivamente a análise de classes marxista e
servem de modelo de erudição crítica no seu melhor. Depois
de ler estes artigos, todo o projecto da "Terceira Via" desaba em
ruínas. E em seu lugar, temos um novo paradigma e projecto intelectual
brilhantes, assentes na análise de classes, que combina a teoria
marxista clássica e a sua aplicação criativa a um novo
conjunto de condições políticas e económicas.
20/Novembro/2013
[1]
O livro aparentemente ainda não está publicado (não
confundi-lo com um recente romance policial com o mesmo título).
O original encontra-se em
petras.lahaine.org/?p=1962
. Tradução de Margarida Ferreira
Este prefácio encontra-se em
http://resistir.info/
.
|