O ópio dos intelectuais é a retórica esquerdosa dos
presidentes progressistas
Chury: Ouvintes, estamos a iniciar aqui o panorama de notícias
internacionais, de comentários internacionais e como todas as
segundas-feiras preparamo-nos para dar as boas vindas a James Petras, nos
Estados Unidos. Petras, bom dia, como estás?
Petras: Muito bem Chury, estamos aqui a pensar sobre várias coisas no
último período, agora que temos na Bolívia a
convocatória de um grande festival mais carnaval, digo eu
sobre o clima e o aquecimento, convocado por Evo Morales supostamente para a
protecção da terra. E também recebemos notícias das
Filipinas onde estão em processo de eleição presidencial e
além disso umas reflexões sobre as condições
económicas mundiais dos Estados Unidos nestes tempos frente ao desafio
da China. Então há vários temas, não sei com o que
queres começar.
Chury: Penso que este último é muito interessante para
nós, não porque os outros não o sejam. Se quiserem
avançamos este último e algum outro que poderia ser esta
concentração sobre o clima que vai haver na Bolívia.
Petras: Neste sentido, estou a olhar o panorama em grande escala e a longo
prazo, é evidente que o império norte-americano está num
declive crónico e não catastrófico, mas sim numa
direcção de queda. E isso tem a ver com facto de que a China
investiu muito dinheiro no sector manufactureiro e ultimamente estendendo-o a
indústrias desde as costas até o interior, com enormes
investimentos em ferrovias, aviões, transporte marítimo, etc.
Enquanto aqui nos Estados Unidos todo o sector financeiro domina de uma forma
parasitária todas as indústrias produtivas, deixando cidades como
Detroit e outros centros industriais devastados.
É preciso fazer um giro pelas principais cidades industriais para ver em
que condições estão. Os parques industriais, por exemplo,
estão totalmente abandonados, quarteirões e quarteirões de
fábricas... Parece como se houvesse caído uma bomba nuclear,
deixam só o esqueleto e ficam assim. Mas mais além há
bairros com casas e casas e quarteirões e quarteirões de casas
abandonadas; há centros de recreio abandonados, em decadência.
Alguns lugares que receberam prémios de arquitectura e que agora
são ocupados só pelos ratos e os drogados. E isso se vê em
Detroit, por exemplo, onde é muito evidente.
Mas se alguém passar por outros centros industriais é o mesmo e
enquanto prosperam a Wall Street e os financistas em Nova York e em Los
Angeles, vivem num mar de abandono. Um turista que visita Nova York, poderia
ser Manhattan por exemplo, e fosse ao teatro, a algum museu poderia perguntar
"o que diz o Petras? Isso é falso. Olhe as
exposições, os ricos, os restaurantes cheios". Mas esta
visão turística proveniente da classe média de Montevideo
é uma visão muito parcial e muito limitada, não leva em
conta o que se está a passar com milhões de trabalhadores e todo
o sector industrial.
Por esta razão agora há um perigo aqui. Como não podem
entrar em competição com a China devido aos defeitos internos,
pelas estruturas parasitárias, começam a culpar a China dizendo
que é um comércio desigual, que é uma
competição desleal; que utilizam mão-de-obra barata, que
não aceita investimentos norte-americanos no sector financeiro.
Naturalmente os chineses não querem passar à experiência da
Wall Street e por isso impõem restrições à
penetração estrangeira. E além disso, o facto é que
na China os salários aumentaram nos últimos dois anos uns 15 a
20% acima da inflação porque há escassez de
mão-de-obra e por esta razão os salários estão a
crescer. Podem dizer-te que vêm de um baixo nível, para te
convencer. É verdade, mas em cinco anos nas regiões industriais o
salário quase duplicou e a tendência é nessa
direcção.
E outra coisa é que a China não tem nenhuma força militar
lutando no exterior, só tem forças armadas defensivas, ao passo
que os Estados Unidos gastam US$900 mil milhões por ano, mais
subvenções a Israel, etc. E isto obviamente está a
prejudicar a economia civil. Enquanto a China canaliza recursos para os
mercados externos, os Estados Unidos estão a gastar dinheiro que
não tem retorno em bases militares. Os Estados Unidos têm 850
bases militares no exterior, em cem países, ao passo que a China
não tem nenhuma base militar em nenhum país.
Enquanto os Estados Unidos constroem bases a China está a construir
ferrovias, portos, investindo em sectores económicos. Enquanto a China
sobe os Estados Unidos baixam e nesta situação há gritos
constantes aqui para tomar medidas de represália contra a China, essa
é a ameaça: um imperialismo que não pode rectificar-se,
incapaz de reconhecer a sua própria culpa pelo que se está a
passar e a projectar todos os seus defeitos para fora, e a China é o
bodo expiatório.
Essa é a situação. E aqui nos Estados Unidos alguém
pode perguntar: por que as pessoas não reagem frente a isso, por que
baixam a cabeça e continuam a trabalhar em dois, três trabalhos,
para tentar manter o nível de consumo? Esse é o grande desafio,
entender este factor. Em pleno declive, em pleno empobrecimento, não
há nenhuma mobilização dos negros com uns 20% de
desemprego, que inclusive foi pior sob Obama do que sob Bush. Foi quase
duplicada a taxa de desemprego entre os negros em pouco mais de um ano do
governo do negro presidente que supostamente ia ajudar os negros. Não
há nenhum programa contra a pobreza, pelo emprego, etc.
E por que os negros não se levantam? É um problema de
consciência política que agora não há neste
país, ou pelo menos não que se manifeste em
organizações políticas. Não temos dirigentes
políticos que possam mobilizar as pessoas e deixar claro que o problemas
não vem da China, nem dos iranianos e sim da sua própria classe
dominante, o sector financeiro e os industriais que canalizaram mais dinheiro
para a compra e venda do que para a produção.
Mas como dizia, entre os negros, os políticos que existem estão
pendurados nos partidos tradicionais, o Partido Democrata, cujo papel é
simplesmente controlar as massas, pendurar em alguns pequenos postos os que
mostram alguma capacidade. Os hispanos estão muito incomodados porque
não receberam nenhuma remuneração pelo seu voto em Obama e
continuam as restrições no tratamento dos imigrantes. Agora no
estado do Arizona a polícia tem direito de deter qualquer pessoa em
qualquer momento e pedir-lhe identificação. É algo
insólito. Um latino ou alguém com uma pele tipicamente morena, a
polícia salta dos carros e param-nos e se não tiverem os
papéis levam-te para a esquadra e começa um interrogatório.
Temos inclusive casos de cidadãos de três gerações
de origem latino-americana que agora têm casa, têm profissão
e são parados nas ruas do Arizona onde agora há 500 mil
imigrantes sem papéis. É uma situação tremenda mas
essa é a forma como maneja aqui a classe dominante. É tratar de
por os problemas no exterior, no outro. Ou é a China ou são os
mexicanos que cruzam a fronteira e não temos nenhum líder que
lhes diga olhem, não são mexicanos que estão a tomar
postos de trabalho, são os capitalistas que não estão a
investir para criar empregos. Essa é a situação, Chury, de
um império em decadência mas que ainda não está no
ponto de ser transformado.
Chury: Pareceu-nos uma análise magnífica, Petras. Falta falar da
reunião do aquecimento global
[NR]
onde parece que os êxitos
até agora foram mínimos.
Petras: Sim, e há uma coisa que me surpreende muito, que é toda a
imprensa de esquerda, progressista, ter entrado neste jogo do Evo Morales de
falar na Pachamama e na terra sagrada e não olhar a realidade. A
realidade é que há mais de cem empresas mineiras estrangeiras ou
copatrocinadas entre capital multinacional e o estado da Bolívia, que
estão contaminando a água, o ar e as próprias terras. E
não há qualquer discussão sobre o facto de que há
cem empresas o máximo de toda a América Latina a
extrair minerais e a contaminar o ambiente.
Vão para lá encantados com o discurso das terras indígenas
sagradas, a Pachamama, etc, sem levar em conta o seu próprio meio
ambiente. Em torno de Cochabamba, a duas horas de caminho para Potosí,
há dois dias a comunidade indígena levantou-se e queimaram a
agência do Sumitomo, que é uma empresa japonesa que está
ali a explorar minas de prata e a contaminar a comunidade, convidada por Evo
Morales; e todos os seus funcionários estão a apoiar a empresa.
Os indígenas, indignados, ocuparam os escritórios, queimaram-no e
continuam a protestar.
Mas apesar disso os intelectuais, os turistas de esquerda que vão de um
Congresso para outro, não vão falar com esses indígenas,
não vão vê-los. Vão voltar e a dizer:
magnífica a política ambiental de Evo Morales. Vão trazer
vídeos, tirar fotografias, gravar as palestras, enquanto em seu redor
não há qualquer reforma agrária, as grandes
plantações de 100 mil hectares continuam a concentrar a sua
produção com produtos químicos fertilizantes e pesticidas.
Graças às subvenções de Evo Morales as
petrolíferas e empresas de gás continuam a canalizar os recursos
para fora, etc, etc.
Por isso digo que não vou a estas conferências. Os presidentes
convidam-me muitas vezes. Correa convidou-me para a sua
inauguração mas não vou porque é uma forma de ser
cúmplice desta hipocrisia de líderes supostamente progressistas
que continuam a fazer os mesmos contratos com as multinacionais que os governos
anteriores faziam. Por esta razão creio que a causa não
avança a partir destes fóruns, porque não se discutem os
problemas dos países que organizam a conferência.
Devemos notar que Evo Morales tem uma maquinaria envolvendo muitos dirigentes
indígenas, uma maquinaria política que deu
subvenções e dinheiro a estes dirigentes. E esses dirigentes
vão aparecer nesta conferência, muitos, uns dois ou três
mil, vão falar das terras sagradas e do grande presidente
indígena, alguns inclusive querem nomeá-lo para o prémio
Nobel e as pessoas vão sentir que esta manifestação
é uma indicação da popularidade e do afecto existente. Mas
não vão visitar as minas, ver as condições
sub-humanas que existem não só entre os próprios mineiros
como os efeitos que tem sobre a comunidade.
Não vão visitar as plantações para ver os
aviões a lançarem produtos químicos e a afectarem os
jornaleiros no campo. Esta é a grande tragédia da esquerda que
continua com este ópio. O ópio dos intelectuais é
precisamente a retórica esquerdosa dos presidentes progressistas. O novo
ópio não é a religião e sim a retórica
contra todos os males do mundo enquanto cometem os mesmos males.
Chury: Petras, lemos uma notícia sobre esse acordo de compra de armas
modernas do governo do Brasil e este estreitamente de fileiras entre o poder
militar dos Estados Unidos e o Brasil.
Petras: Bem, é uma política de Lula que sempre fala pela esquerda
e trabalha pela direita. Há muito tempo que combina esta
política, desde que foi eleito, praticando e implementando o programa do
Fundo Monetário, com o excedente de 4,4% do orçamento a acumular
reservas para garantir os bancos, enquanto se financia com alguns
milhões os programas de pobreza, que dão aos mais pobre uns
quarenta dólares.
Então ele tem uma dupla política. Mil milhões para os
banqueiros e investidores e alguns milhões para os pobres. Na
política externa tem relações com a Venezuela, condena a
intervenção e o golpismo, e enquanto isso está a
pressionar Chávez a abrir as portas para o capital estrangeiro. Passa-se
o mesmo com a Colômbia, criticando as bases militares e depois firmando
um acordo militar com os Estados Unidos. É uma combinação
de populismo e conservadorismo. Criticar os Estados Unidos e firmar acordos;
gastar 4,4 mil milhões em compras de armas enquanto os habitantes das
favelas não têm um sistema de drenagem para evitar os desabamentos
de lodo que destruíram mais de 300 vidas. Parece-me que esse é o
carácter de Lula.
[NR]
Ver
Acerca da impostura global
.
[*]
Comentarios para a CX36 Rádio Centenário, do Uruguai, do
sociólogo norte-americano James Petras, nos Estados Unidos.
Segunda-feira/19/Abril/2010.
www.radio36.com.uy
O original encontra-se em
http://www.lahaine.org/index.php?blog=3&p=44936
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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