Os rebeldes no exército britânico combatem a propaganda

por John Pilger

Um experimentado oficial britânico a servir no Iraque escreveu à BBC descrevendo a invasão como "ilegal, imoral e invencível" o que, afirma ele, é "o sentimento esmagador de muitos dos meus camaradas". Numa carta à Newsnight da BBC e à Medialens.org ele acusa a "cobertura dos media embebida no US Army" de omitirem a questão das "intenções e continuidade dos efeitos da invasão e ocupação conduzida pelos EUA".

Afirma ele que a maior parte dos soldados britânicos encara o seu período de serviço como "repulsivo", durante o qual eles "relutantemente [servem de] alvo prático para insurgentes, com hemorragia de baixas sem sentido e dissipação de vidas de soldados, como parte da vã tentativa de Bush de adiar a inevitável derrota anglo-americana até depois das próximas eleições nos EUA". Ele apela aos jornalistas para que não engulam "a linha oficial de propaganda da Casa Branca".

Em 1970 fiz um filme no Vietnam chamado O motim silencioso (The Quiet Mutiny) no qual soldados falavam acerca do seu ódio àquela guerra e à "linha oficial de propaganda da Casa Branca". As experiências no Iraque e no Vietnam são muito diferentes e visivelmente semelhantes. Havia muito menos "cobertura embebida" no Vietnam, embora houvesse censura por omissão, o que é uma prática padrão hoje em dia.

O que é diferente em relação ao Iraque é a disposição dos habitualmente obedientes soldados britânicos para falarem o que pensam, desde o general Richar Dannatt, actual chefe militar britânico, o qual disse que a presença das suas tropas no Iraque "exacerba o problema de segurança", ao general Michael Rose que clamou para que Tony Blair fosse impedido (impeached) por levar a Grã-Bretanha à guerra "sob falsas razões" — observações que são suaves em comparação com os blogs de soldados rasos.

O que é diferente também é a consciência crescente entre as forças britânicas e o público de como "a linha oficial" e encenada através dos media. Isto pode ser bastante bruto: quando por exemplo o correspondente de defesa da BBC no Iraque descreveu o objectivo da invasão anglo-americana como "levar a democracia e os direitos humanos" ao Iraque. O director da BBC Television, Helen Boaden, apoiou-o com um molho de citações de Blair de que esta era na verdade o objectivo, dizendo implicitamente que a palavra do notório Blair seria suficiente.

Muito frequentemente, a censura por omissão é utilizada. Exemplo: ao omitir o facto de que quase 80 por cento dos ataques são dirigidos contra as forças de ocupação (fonte: o Pentágono) de modo a dar a impressão de que os ocupantes estão a fazer o seu melhor para separar "tribos guerreiras" e são administradores da crise ao invés de causa da crise.

Há um sentido de última oportunidade quanto a esta espécie de propaganda. Seymour Hersh disse recentemente: "[Em Abril, a administração Bush] tomou a decisão de que devido ao apoio em pleno definhamento para a guerra do Iraque, eles voltariam à carta da al-Qaeda, embora não haja base empírica. A maior parte dos que são a favor dir-lhe-ão que os combatentes estrangeiros são um ou dois por cento e que eles estão mais ou menos sem líder... não há tentativa de sugerir que não há qualquer coordenação significativa destes grupos, mas a imprensa continua a gaguejar acerca da al-Qaeda... isto é simplesmente assombroso".

O dia da gaguês do London Guardian foi a 22 de Maio. "O plano secreto do Irão para a ofensiva de verão a fim de expulsar os EUA do Iraque", dizia a manchete na primeira página. "O Irão está a forjar secretamente laços com elementos da al Qaeda e milícias árabes sunitas no Iraque", escreveu Simon Tisdall, de Washington, "para prepara uma demonstração no verão com a coligação destinada a inclinar um Congresso vacilante a votar uma retirada militar completa, dizem oficiais americanos". Todo o conto era baseado em fontes oficiais anónimas dos EUA. Nenhuma tentativa foi efectuada para concretizar a sua "evidência firme" ou explicar o ilogismo das suas afirmações. Nenhum cepticismo jornalístico foi sequer sugerido, o que é admirável considerando a teia de mentiras provadas emanadas de Washington acerca do Iraque.

Além disso, havia um curioso tom de insistência no algo-tem-de-ser-feito, o que lembra os escandalosos relatos de Judith Miller no New York Times dizendo que Saddam estava prestes a lançar suas armas de destruição em massa e instando Bush a invadir. Tisdall de facto apresentou o mesmo convite. Posso recordar-me de poucas peças de jornalismo mais irresponsáveis do que esta. O público britânico e o povo do Irão merecem melhor.

06/Jun/2007

O original encontra-se em http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=440

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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