por John Pilger
"Aqueles que o fazem acreditar em absurdos podem fazê-lo cometer
atrocidades"
(Voltaire)
Os elevadores no New York Hilton tinham um pequeno écran onde se
mostrava a CNN. Não se podia deixar de olhar. O Iraque estava no topo
dos noticiários; pronunciamentos acerca de uma "guerra civil"
e "violência sectária" eram repetidos sem cessar. Era
como se a invasão americana nunca houvesse acontecido e a matança
de dezenas de milhares de civis pelos americanos fosse uma ficção
surrealista. Os iraquianos eram árabes pouco inteligentes, assombrados
pela religião, conflitos étnico e a necessidade de se
auto-destruírem. Untuosos fantoches políticos eram mostrados sem
qualquer indicação de que o seu quintal de exercícios era
no interior da fortaleza americana.
E quanto você deixa o elevador, isto segue-o no seu quarto, no
ginásio do hotel, no aeroporto, no aeroporto seguinte e no país
seguinte. Tal é o poder da propaganda corporativa da América,
que, como destacou Edward Said em
Culture and Imperialisme,
"penetra electronicamente" com o equivalente a uma linha do partido.
A linha do partido mudou outro dia. Durante quase três anos era aquela
al-Qaeda a força condutora por trás da
"insurgência", liderada por Abu Musab al-Zarqawi, um jordaniano
sedento de sangue que estava claramente a ser guindado para a espécie de
infâmia desfrutada por Saddam Hussein. Não importava que
al-Zarqawi nunca tivesse sido visto vivo e que apenas uma fracção
dos "insurgentes" seguisse a al-Qaeda. Para os americanos, o papel
de Zarqawi era distrair as atenções daquilo a que se opõem
quase todos os iraquianos: a brutal ocupação anglo-americana do
seu país.
Agora que o al-Zarqawi foi substituído pela "violência
sectária" e pela "guerra civil", a grande notícia
é de ataques sunitas a mesquitas e bazares xiitas. A notícia
real, não relatada na CNN, é que foi convocada a
Opção Salvador para o Iraque. Isto significa a campanha de
terror através de esquadrões da morte armados e treinados pelos
EUA, os quais atacam sunitas e xiitas da mesma forma. O objectivo é
incitar a uma guerra civil real e à fragmentação do
Iraque, a meta original da administração Bush. O
Ministério do Interior em Bagdad, que é administrado pela CIA,
dirige os principais esquadrões da morte. Seus membros não
são exclusivamente xiitas, como diz o mito. O mais brutal são os
Special Police Commandos dirigidos por sunitas, encabeçados por antigos
oficiais superiores do Partido Baath de Saddam. Esta unidade foi formada e
treinada por peritos em "contra-insurgência" da CIA, incluindo
veteranos das suas operações de terror na América Central
na década de 1980, nomeadamente em El Salvador. O historiador americano
Greg Grandin, no seu novo livro
Empire's Workshop
(Metropolitan Books), descreve a Opção Salvador assim:
"Após a posse, o [presidente] Reagan caiu duramente sobre a
América Central, permitindo efectivamente que os mais comprometidos
militaristas da sua administração preparassem e executassem a
política. Em El Salvador, eles deram mais de um milhão
de dólares por dia para financiar uma campanha letal de
contra-insurgência ... No total, os aliados americanos na América
Central durante os dois mandatos de Reagan mataram mais de 300 mil pessoas,
torturaram centenas de milhares e conduziram milhões ao
exílio".
Embora a administração Reagan tenha desovado os actuais bushitas,
ou "neo-cons", o padrão fora ajustado anteriormente. No
Vietnam, esquadrões da morte treinados, armados e dirigidos pela CIA
assassinaram mais de 50 mil pessoas na Operation Phoenix. Em meados da
década de 1960, na Indonésia, oficiais da CIA compilaram
"listas da morte" para a orgia de matanças do general Suharto
durante a sua captura do poder. Após a invasão de 2003, era
só uma questão de tempo antes de esta venerável
"política" vir a ser aplicada ao Iraque.
De acordo com o escritor e investigador Max Fuller (
National Review
Online), o administrador chave da CIA dos esquadrões da morte do
Ministério do Interior "iniciou-se no Vietnam antes de ser
transferido para dirigir a missão militar americana em El
Salvador". O professor Grandin nomeia outro veterano da América
Central cuja tarefa agora é "treinar uma brutal força
contra-insurgente constituída por bandidos ex-baathistas". Um
outro, afirma Fuller, é bem conhecido pela sua
"produção de listas da morte". Uma milícia
secreta administrada pelos americanos é a Facilities Protection Service,
que tem sido responsável pelo bombismo. "As Forças
Especiais britânicas e americanas", conclui Fuller, "em
conjunto com os serviços de inteligência [criados pelos EUA] no
Ministério da Defesa iraquiano, estão a fabricar o bombismo
xiita".
Em 16 de Março a Reuters relatou a prisão de um "security
contractor" americano que foi encontrado com armas e explosivos nos seu
carro. No ano passado, dois britânicos disfarçados de
árabes foram capturados com um carro cheio de armas e explosivos; as
forças britânicas derrubaram a prisão de Bassorá com
bulldozers a fim de resgatá-los. O
Boston Globe
relatou recentemente: "A unidade de contra-terrorismo do FBI
lançou uma vasta investigação de roubos em série
com base
nos EUA depois de descobrir que alguns dos veículos utilizados em
bombismos fatais com carros no Iraque, incluindo ataques que mataram tropas
americanas e civis iraquianos, foram provavelmente roubados nos Estados Unidos,
segundo responsáveis superiores do governo".
Como disse, tudo isto foi tentado anteriormente assim como a
preparação do público americano para um ataque atroz ao
Irão é semelhante às falsificações das ADM
(Armas de destruição em massa) no Iraque. Se tal ataque
acontecer, não haverá advertência, nem
declaração de guerra, nem verdade. Aprisionados no elevador do
Hilton, mirando a CNN, meus colegas passageiros poderiam ser desculpados por
não entenderem o Médio Oriente, ou a América Latina, ou
qualquer outro lugar. Eles estão isolados. Nada é explicado. O
Congresso está silencioso. Os Democratas estão moribundos. E os
mais livres media da terra insultam o público todos os dias. Como dizia
Voltaire: "Aqueles que o fazem acreditar em absurdos podem fazê-lo
cometer atrocidades".
08/Maio/2006
O original encontra-se em
http://www.newstatesman.com/200605080016
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.