Não acredite no golpe publicitário
por John Pilger
A minha primeira visita ao Texas foi em 1968, no quinto aniversário do
assassínio em Dallas do presidente John F Kennedy. Guiei para sul,
seguindo a linha de postes de telégrafo até à pequena
cidade de Midlothian, onde conheci Penn Jones Jr, editor do
Midlothian Mirror.
Excepto o seu sotaque arrastado e as suas belas botas, tudo em Penn era a
antítese do estereótipo texano. Depois de revelar os racistas da
John Birch Society, a sua tipografia foi repetidamente atacada com bombas
incendiárias. Semana após semana, ele penosamente reuniu provas
que quase demoliram a versão oficial do assassinato de Kennedy.
Isto era jornalismo tal como existira até ter sido inventado o
jornalismo empresarial antes de terem sido montadas as primeiras escolas de
jornalismo e difundir-se uma mitologia de neutralidade liberal à volta
daqueles cujo "profissionalismo" e "objectividade"
acarretam a obrigação de assegurar que as notícias e
opiniões estão alinhadas com o consenso da elite, pouco
importando a verdade. Jornalistas como Penn Jones, independentes do poder
dominante, infatigáveis e com princípios, frequentemente
reflectem as posições do americano comum, que só raramente
são reflectidas pelos estereótipos promovidos pelos media
corporativos nos dois lados do Atlântico.
Leiam
American Dreams: Lost and Found
, pelo magistral Studs Terkel, que morreu a 31 de Outubro, ou analisem as
sondagens que infalivelmente atribuem visões esclarecidas a uma maioria
que acredita que "o governo devia cuidar daqueles que não podem
proteger-se a si próprios" e estão dispostos a pagar
impostos mais altos para um serviço de saúde universal, que
apoiam o desarmamento nuclear e que querem as suas tropas fora dos
países de outros povos.
Regressando ao Texas, sou novamente surpreendido por gente muito distante
do estereótipo do 'redneck'
[1]
, apesar do fardo da lavagem cerebral exercida sobre a maioria dos americanos
desde tenra idade: de que a sua é a melhor sociedade do mundo, e que
todos os meios são justificados, incluindo o derrame massivo de sangue,
para manter essa superioridade.
Este é o significado implícito da "oratória" de
Barack Obama. Diz ele que quer aumentar o poder militar dos EUA e ameaça
desencadear uma nova guerra no Paquistão, matando ainda mais gente de
pele escura. Isso também provocará lágrimas. Ao
contrário do que se viu na noite das eleições, essas
outras lágrimas não serão vistas em Chicago e em Londres.
Não se trata de duvidarmos da sinceridade sentida pelas pessoas aquando
da eleição de Obama, que ocorreu não por causa do
entusiasmo transmitido nos noticiários a partir de 4 de Novembro (
e.g.,
"os liberais americanos sorriram e o mundo sorriu com eles"), mas
pelas mesmas razões porque milhares de emails foram enviados para a Casa
Branca e Congresso contra o salvamento
(bailout)
da Wall Street, quando este foi revelado, e porque a maioria dos americanos
está farta de guerra.
Há dois anos, este voto anti-guerra instalou uma maioria dos Democratas
no Congresso, apenas para ver estes entregarem mais dinheiro a George W. Bush
para continuar o seu banho de sangue. Pessoalmente, o "anti-guerra"
Obama votou para dar a Bush o que ele queria. Sim, a eleição de
Obama é histórica, um símbolo de grande mudança
para muitos. Mas é igualmente verdade que a elite americana tem-se
tornado grande adepta de utilizar negros da classe média e empresarial.
O corajoso Martin Luther King reconheceu-o quando estabeleceu um paralelo entre
os direitos humanos dos negros americanos com os direitos humanos dos
vietnamitas, que eram então massacrados por uma
administração "liberal" dos democratas. E foi
assassinado. Em contraste gritante, um jovem major negro que servia no
Vietname, Colin Powell, foi usado para "investigar" e desfazer-se da
roupa suja do infame massacre de My Lai. Como secretário de Estado de
Bush, Powell foi frequentemente descrito como um "liberal" e
considerado ideal para mentir às Nações Unidas acerca das
não existentes armas de destruição maciça do
Iraque. Condoleeza Rice, aclamada como uma bem sucedida mulher negra, tem
trabalhado assiduamente na negação de justiça aos
palestinos.
As duas primeiras nomeações de Obama representam a
negação dos desejos dos seus apoiantes nos principais assuntos em
que votaram. O vice-presidente eleito, Joe Biden, é um arrogante
promotor da guerra e sionista. Rahm Emanuel, que será o todo-poderoso
chefe de gabinete da Casa Branca, é um fervoroso "neoliberal",
devoto da doutrina que levou ao presente colapso económico e ao
empobrecimento de milhões. É ainda um sionista
("Israel-first")
que serviu no exército israelense e que se opõe a qualquer
justiça significativa para os palestinianos uma injustiça
que está na raiz do ódio que os povos muçulmanos nutrem
pelos EUA e na desova do jihadismo.
Nenhum exame sério desta situação é permitido no
histrionismo da Obama mania, assim como nenhum exame sério à
traição da maioria dos negros sul-africanos foi permitido no
"Mandela moment". Isto é particularmente marcante na
Grã-Bretanha, onde o direito divino da América de
"liderar" é importante para os interesses da elite
britânica.
The Observer,
que apoiou a guerra de Bush no Iraque, propalando as provas fabricadas,
anuncia agora que "A América restaurou a fé do Mundo nos
seus ideais". Esses "ideais", que Obama jurará proteger,
presidiram, desde 1945, à destruição de 50 governos,
incluindo democracias, e 30 movimentos de libertação populares,
provocando a morte a inúmeros homens, mulheres e crianças.
Nada disto foi sequer sussurrado durante a campanha eleitoral. Se isso tivesse
sido permitido, poderia até ter havido o reconhecimento de que o
liberalismo como ideologia estreita, supremamente arrogante e promotor de
guerras está a destruir o liberalismo como uma realidade. Antes da
promoção da guerra criminosa feita por Blair, essa ideologia foi
negada por este e pelos seus media místicos. "Blair pode ser um
farol para o Mundo," declarou o
Guardian
em 1997. "[Ele está] a transformar a liderança numa
espécie de arte.".
Hoje, basta introduzir a palavra "Obama" em
substituição. Como nos momentos históricos, há
outro que não foi reportado e que está em curso há muito
tempo a viragem da democracia liberal na direcção de uma
ditadura corporativa, gerida por pessoas cuja etnia é irrelevante, com
os media a servirem de fachada produtora de clichés. "A verdadeira
democracia", escreve Penn Jones Jr, o verdadeiro contador da
história do Texas, "é atenção constante:
não pensar da maneira que é suposto pensarmos, e manter os olhos
abertos o tempo todo".
13/Novembro/2008
[*]
Redneck: trabalhador braçal.
O original encontra-se em
http://www.newstatesman.com/north-america/2008/11/barack-obama-pilger-texas
Traduzido por João Camargo.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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